quarta-feira, 8 de março de 2017

8 de março - Dia da Mulher - "Des-tino"

"Des-tino" é uma peça escrita em dez atos que indaga sobre a autonomia plena da mulher, ainda a ser conquistada, na sociedade do século XXI. Em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, entre o dia 8 e 12 de março o eBook estará disponível gratuitamente na Amazon Brasil. Publicamos aqui o primeiro ato.

Personagens
Florisa, uma estudante.
Caio, marido de Florisa.
Mariana, amiga de Florisa.
Lili, mãe de Florisa.
Daniela, amiga de Florisa.
Dylan, jovem rebelde.
Tatiana, namorada de Dylan.
Professora.
Jairo, dono de um bar.
Julia, amiga de infância de Florisa.
Dois seguranças.
Um colega.
Um vigia.
PRÓLOGO

Respeitável público, senhoras e senhores, a história que será apresentada a partir de agora, talvez, não seja um primor de originalidade, por se tratar de mais uma história de amor. E, muito embora este sentimento seja raro entre os humanos, em sua essência o amor é bem vulgar. Portanto, se algumas passagens parecerem familiares, peço compreensão e boa vontade, pois isso se deve ao fato inexorável da vida sempre se repetir. Uma lei do Universo determina que tudo volte ao mesmo lugar, para sempre. Por isso, se um dia o soturno Amor por um acaso bater à porta, insano coração, abra – mas abra depressa! – para que a tortura do arrependimento não o atormente, em lembranças, pela eternidade. Quanto a mim, deixo minha apresentação pessoal para o final. Isso pode parecer estranho a princípio, mas há uma explicação, que só terá sentido mesmo no último ato. Por ora, minha participação, assaz discreta, fica restrita a este prólogo, porém, conto-lhes uma novidade, estarei por perto o tempo todo, escondido. Esperem. Silêncio! Ouço passos. Alguém está chegando!
PRIMEIRO ATO

Cena 1

Na sala de um espaçoso apartamento. Entra dona Lia e Florisa.

Lili: Não está certo! Não está certo! Isso não vai acabar bem.

Florisa: Mamãe!

Lili: Filha, você já passou da idade de fazer faculdade.

Florisa: Mãe, eu tenho que aproveitar esta oportunidade.

Lili: Mas, filha! Você é uma mulher casada. Você tem que cuidar do seu marido. E não dar mais trabalho a ele. Imagina, sair todo dia e voltar às 11 horas da noite! Se ainda você não mudasse de horário.

Florisa: Eu não aguentava mais estudar de manhã. Chegava atrasada todos os dias. E a faculdade só tem dois horários, matutino e noturno.
Lili: Eu continuo achando essa história um absurdo. No meu tempo, a gente dizia que mulher ia à faculdade só para arrumar um bom marido. E um bom marido você já tem.

Florisa: Que coisa mais retrógrada, mamãe!

Lili: Foi o meu caso. Foi na faculdade que conheci seu pai, embora ele não passe de um traste. Só que a diferença é que eu era uma mocinha de 17 anos e não uma mulher de quase trinta. E, ainda por cima, casada.

Florisa: Eu e o Caio nos damos muito bem, mamãe. Somos muito unidos. Todos os dias de manhã vamos à academia juntos. Mas, depois, o Caio vai trabalhar e só volta de noite. Eu fico muito tempo sozinha, em casa, entediada.  Não aguentava mais passar os dias assistindo televisão ou fofocando no zap.

Lili: Você é uma dona de casa. Certamente, tem muitos afazeres.

Florisa: Quais, mamãe? A Leslie faz tudo.
Lili: Mas o Caio é um rapaz bom, tão esforçado. Dar esse desgosto pra ele!

Florisa: Que desgosto? Eu estou tão feliz. Estou conhecendo tantas coisas novas. Fiz novas amizades. Por que tanta preocupação?!
Lili: O clima de faculdade não é bom. Eu conheço muito bem, viu, queridinha! Muitas festas, álcool, drogas e...

Florisa: “E” o quê?! Eu não vou a festas. Eu só tenho amigas mulheres e os meus amigos homens, você sabe, jogam no nosso time. Eu nem sei e nem quero saber onde fica o famoso “fumódromo”. Minhas amigas são todas caretas. Todas patricinhas, como eu. Você faz um juízo errado de mim, dona Lia.

Lili: Eu só acho essa ideia estapafúrdia. E depois que você se formar? Vai trabalhar também? O Caio ganha tão bem. Um empresário promissor. Nunca vai lhe faltar nada. Por que arrumar problemas onde não têm.

Florisa: Eu quero ter minha profissão. Vai saber o dia de amanhã. E se um dia a gente se separa?

Lili: Eu sabia! Eu sabia! Você já está pensando em se separar. Na certa arrumou um namoradinho na faculdade!

Florisa: Que absurdo, mamãe! Eu tô muito feliz no meu casamento. Eu só disse isso porque a gente não sabe o dia de amanhã.

Lili: Então é o Caio? Ele está frio com você.

Florisa: Não é nada disso. A relação está ótima. O Caio me trata muito bem, é um sonho. Eu só quero me sentir um pouco útil, ter uma vida social. Eu conheci o Caio muito cedo. Naquela época eu não pensava em estudar. Achava que o casamento bastava.

(Entra o Caio e beija Florisa)

Caio: Olá, meninas!

Florisa: Oi amor.

Lili: Olá, Caio. 

Caio: O que estavam conversando? Espero que não falavam mal de mim.

Lili: Imagina!

Florisa: Mamãe estava reclamando do meu curso na faculdade.

Caio: É dona Lili, nossa garota resolveu virar uma intelectual.

Lili: É um pouquinho tarde para isso, não é.

Caio: Eu não diria tarde. Eu prefiro entender como um passatempo.

Florisa: Ai, que coisa horrível!

Caio: Eu não quis desmerecer seu curso, só acho que não é necessário.

Florisa: Puxa vida! Vocês me tratam como uma criança. Será que não conseguem se colocar no meu lugar? Este curso é muito importante para mim.  Independentemente se vou algum dia trabalhar ou não, não percebem como estes questionamentos me magoam?
Caio: Desculpa, amor. Não vou mais questionar. Eu só quero te ver feliz.

Florisa: Mamãe, o Caio tem tantos hobbies, tantas atividades, seu dia está sempre tão cheio. E eu? Por que eu não posso realizar um sonho?

Lili: Florisa, Florisa. Você não é mais uma adolescente. Ouça a sua mãe. Deus deu maturidade primeiro às mulheres, porque os homens precisam de seu apoio. Não seja você infantil.

[Saem]

Cena 2

Florisa, Daniela e Mariana estão sentadas na primeira fila de carteiras da sala de aula aguardando um professor.

Mariana: Florisa, como foi o final de semana?

Florisa: Ah, foi maravilhoso! Eu e o Caio tivemos um desentendimento por causa de uma discussão que eu tive com minha mãe por conta da faculdade. Depois, então, para se desculpar e comemorar nossa felicidade, ele me levou a um restaurante maravilhoso nos Jardins. De repente, todos saíram e só ficamos nós dois no restaurante. Só eu e ele! Então o Caio se levantou e foi tocar piano, um que havia no meio do salão...

Mariana: Que romântico, Florisa!

Daniela: Gente, olha só quem entrou na sala...

Mariana: Não acredito!

Florisa: Quem é?

Daniela: Florisa, seja discreta. Não olhe agora... Tá vendo um cara indo sentar no fundão. Mas, seja bem discreta, dá uma disfarçadinha, e olha sem ele perceber.

Florisa olha.

Daniela: É o cara fazendo tipinho de rebelde sem causa, meio James Dean, meio galã de boteco.

Florisa: Hã, sim. Eu o vi passar hoje pelo corredor.

Daniela: Esse é o cara mais treze da faculdade. Pensa num cara sem noção: é ele! Ele é totalmente previsível: vai começar a assistir à aula hoje, vai sair antes de acabar e depois vai passar o resto do semestre bebendo cerveja no Jairo.

Florisa: Ele é engraçado. Olha a gola alta da jaqueta que ele usa, totalmente fora de moda. O sujeito parece ter saído do tempo da brilhantina!

Daniela: Não olha agora! Ele tá olhando pra cá.

(Risos discretos).

Daniela: Ele é bonito.

Mariana: Isso ele é, sim.

Florisa olha de novo.

Florisa: Ai, não acho não.

Daniela: Não acha?!

Florisa: Tá, ele tem a sua graça. Mas o estilo dele, as roupas que ele veste, sei lá, eu não olharia para um cara assim. Não faz meu tipo. Muito largadão.

Daniela: Claro, amiga. Você é casada. Eu já pegaria ele fácil.

Mariana: Jamais trocaria meu noivo por ele. Ele é total sem futuro. Agora, você, Daniela, tá na vida louca...

Florisa: Como ele se chama?

Daniela: Dylan.

Florisa: Tá explicado o figurino. Deve ser mal de família.

Daniela: Ele faz sucesso com as meninas.

Florisa: Só se for mesmo com as hipongas.

Mariana: Gente, não olhe agora, ele tá sorrindo pra gente.

Florisa: Ele tem um dente quebrado?!

Mariana: Tem. Disse que quebrou numa briga. Mas, eu não acredito, ele é muito loroteiro.

Florisa: Por que ele não corrige isso?

Daniela: Florisa, é só uma pontinha, não dá nem pra perceber! Não fica feio. Não seja maldosa!

Mariana: É charme.

[A professora entra e começa a aula].

Cena 3

Florisa e Caio estão na cama do quarto do casal.

Caio: O que foi, amor? O que é que você tem?

Florisa: Nada, amor. Só estou indisposta.

Caio: Aconteceu alguma coisa?

Florisa: Não. Não aconteceu nada. Só estou cansada.

Caio: Você sabe o que vai fazer no fim de semana?

Florisa: Você tem que ir mesmo?

Caio: Você sabe que todo ano eu vou. É uma tradição.

Florisa: Mas não pode mudar essa tradição. Pelo menos uma vez.

Caio: Você sabe que meus amigos não me perdoariam. Nós fazemos esta viagem todo ano, desde quando estávamos no colégio.

Florisa: Mas no domingo, você ainda vai ao jogo e só volta de madrugada. Não vamos passar nem um minuto juntos.

Caio: É só neste fim de semana. Depois volta tudo ao normal.

Florisa: Não tem jeito mesmo. Vou fazer o quê?

Caio: Por que você não vai à casa de seus pais?

Florisa: Eu já marquei com a Julia no shopping. Vamos assistir um cinema e colocar o assunto em dia.

Caio: Viu só! Faz muito bem. Tá vendo, você tem as suas amigas, tem que ter seu espaço também.

Florisa: O problema é que você não abre mão dos seus amigos. Já eu não tenho escolha.

Caio: Eu nunca impedi você de manter contato com suas amigas. Pelo contrário. E além do mais, você conhece muito bem meus amigos. São todos uns ogros! E o Robertão te adora. Sempre quando dá ele te manda um presentinho. Lembra da caixa de bombons da semana passada? Vai dizer que não gostou? Eles te adoram. Não se justifica o seu ciúme.

Florisa: Eu não estou com ciúmes. Eu confio em você.

Caio: Vamos fazer um trato, então. Vamos reservar o outro final de semana só para nós dois. Eu vou desligar meu celular e não vou atender ninguém. Nem meus fornecedores.

Florisa: Então fica combinado.

Caio: Já é tarde, vamos dormir. Amanhã temos que chegar cedo na academia e tenho uns assuntos importantes para tratar no escritório. Não posso me atrasar.

Florisa: Estou sem sono.

Caio: Fecha os olhos e não pense em nada.

Florisa: Vou tentar.

Caio: Boa noite.

Florisa: Tem um cara muito estranho na faculdade.

Caio: É? Por quê?

Florisa: Não sei. Imagina um cara que parece ter saído de um filme do tempo do Elvis Presley.

Caio: Sim. Tipo “Juventude Transviada”.

Florisa: Isso mesmo! Vestido todo paramentado daquele jeito, fazendo pose de garoto revoltado.

Caio: Bizarro.

Florisa: Ele passou por mim e ficou me olhando de um jeito esquisito. Depois ficou encostado na entrada da sala de aula fazendo cara de mau.

Caio: Que patético!

Florisa: As meninas disseram que é um cara encostado, que vai para a faculdade só para enrolar, passar o tempo, usando drogas.
Caio: Meu Deus! Isso não muda! No meu tempo de faculdade tinha uns figuras assim. Um dia desses vi um desses caras. O cara continua a mesma coisa. Não evoluiu nada. Vidinha inútil.

Florisa: Não gosto do olhar dele. Me dá medo.

Caio: Ele pode ser um maníaco.

Florisa: Tenho medo.

Caio: Procure a segurança, fale com a direção, deixa a guarda de sobreaviso.

Florisa: Acho que ainda é cedo para tomar providência.

Caio: Qualquer coisa eu dou um apavoro nesse cara.

Florisa: Não, ainda não precisa. Mas fica de alerta.

Caio: Promete que você não vai resolver isso sozinha?

Florisa: Cuida de mim, amor!

Caio: Eu vou cuidar, meu amor. Vou cuidar. Agora vamos dormir.

Florisa: Boa noite!




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