Introdução
Publicado postumamente em 1901, A Cidade e as Serras, de Eça
de Queirós, é um dos romances mais simbólicos da virada do século XIX para
o XX. Conhecido por sua crítica mordaz à sociedade portuguesa e europeia, Eça
utiliza nesta obra um tom mais leve e irônico para confrontar dois mundos
distintos: o da civilização urbana moderna, marcada pelo excesso e
artificialidade, e o da vida simples no campo, associada à natureza, ao
equilíbrio e à saúde física e emocional.
Neste artigo, vamos explorar a estrutura, os principais personagens, os
temas centrais, o estilo do autor e as críticas implícitas nessa narrativa tão
atual quanto há mais de um século.
Contexto histórico e literário
Um romance entre o realismo e o simbolismo
A Cidade e as Serras foi
escrita no fim da vida de Eça de Queirós, já distante do realismo corrosivo de
obras anteriores, como O Primo Basílio ou Os Maias. Aqui, o autor
suaviza a crítica e aposta num tom quase nostálgico, embora sem abandonar o
olhar irônico e perspicaz que o consagrou.
A obra dialoga com a modernização acelerada da Europa e os efeitos da
Revolução Industrial, contrastando o progresso técnico com a decadência moral e
espiritual da sociedade urbana.
Enredo de A Cidade e as Serras
A jornada de Jacinto: do luxo à simplicidade
O protagonista, Jacinto, é um rico aristocrata português que vive
em Paris, cercado de todo tipo de modernidade e conforto. No entanto, mesmo com
acesso ilimitado ao progresso — livros, máquinas, arte, festas — ele se sente
entediado, deprimido e vazio.
Certo dia, decide visitar sua propriedade rural em Portugal, nas Serras
da Estrela, e é lá, no campo, que encontra saúde, alegria e paz. Ao longo
da narrativa, ele passa por uma transformação pessoal profunda,
abandonando os excessos urbanos e abraçando a simplicidade da vida rural.
Personagens principais
Jacinto
Homem culto, sofisticado e moderno, representa o ideal urbano do
progresso. No entanto, sua infelicidade em Paris revela a crítica do autor à alienação
gerada pelo excesso de tecnologia e conforto.
Zé Fernandes
Narrador e amigo de Jacinto, é um português simples, irônico e
observador. Atua como contraponto ao protagonista e guia o leitor pela
narrativa, oferecendo comentários espirituosos sobre os dois mundos
contrastantes.
Temas centrais em A Cidade e as Serras
1. Progresso vs. natureza
O grande eixo do romance é o contraste entre a cidade (Paris) e o campo
(Portugal). A cidade representa o progresso artificial, que aliena e
adoece. Já o campo simboliza a simplicidade natural, que cura e
reconecta o ser humano com o essencial.
Cenas simbólicas:
- As
máquinas parisienses que quebram ou servem para tarefas inúteis.
- A
primeira refeição campestre de Jacinto, que devolve sua alegria e apetite.
2. Crítica ao materialismo moderno
Eça ironiza a ideia de que o acúmulo de bens e tecnologias gera
felicidade. O protagonista possui tudo o que o dinheiro pode comprar, mas vive
angustiado e insatisfeito, mostrando que o bem-estar não depende de posses,
mas de experiências autênticas.
3. Transformação pessoal e reconexão com as raízes
O retorno de Jacinto a Portugal é também um retorno simbólico às raízes
culturais, afetivas e espirituais. A obra sugere que, para viver bem, é
preciso desacelerar, desapegar e cultivar laços humanos e com a natureza.
Estilo e estrutura da narrativa
Narrador observador e irônico
Zé Fernandes, o narrador, é um personagem envolvido na história, mas seu
tom é sempre leve, irônico e afetivo. Ele oferece descrições detalhadas
da Paris moderna e do ambiente rural português, sempre com toques de humor e
crítica sutil.
Linguagem sofisticada, mas acessível
Mesmo com um vocabulário refinado, típico do século XIX, Eça usa frases
bem construídas e um ritmo agradável, que torna a leitura fluida. O uso da
ironia e da sátira ajuda a manter o texto interessante e envolvente.
A Cidade e as Serras: principais mensagens
Uma crítica que ainda ecoa hoje
Mais de um século depois de sua publicação, A Cidade e as Serras
continua incrivelmente atual. Em um mundo hiperconectado, cheio de tecnologias,
consumo excessivo e esgotamento físico e emocional, a proposta do romance é quase
terapêutica: desacelerar, buscar o essencial, reconectar-se com a natureza
e com os afetos.
Eça de Queirós e sua visão humanista
Mesmo abandonando o tom ácido de outras obras, Eça mantém sua visão
crítica da modernidade, questionando os valores de uma sociedade que
confunde desenvolvimento com bem-estar.
Perguntas frequentes sobre A Cidade e as Serras
Qual o gênero do livro?
Trata-se de um romance de crítica social, com forte componente
simbólico e filosófico. Embora traga elementos realistas, flerta com o
simbolismo e até com o romance de formação.
Qual a principal crítica feita por Eça de Queirós?
A obra critica a fé cega no progresso e na tecnologia, e defende
uma vida mais equilibrada, próxima da natureza e das relações humanas genuínas.
Jacinto é um herói tradicional?
Não. Ele é um personagem reflexivo, que passa por uma transformação
interior, mas sem grandes feitos heroicos. Sua evolução está no plano ético
e existencial.
Conclusão: Por que ler A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós
Ler A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, é
embarcar numa crítica refinada e divertida ao estilo de vida moderno, guiada
por uma narrativa leve, personagens carismáticos e reflexões profundas sobre o
que realmente importa na vida.
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