Introdução: Por que O Guesa, de Sousândrade, é uma obra à frente do seu tempo?
O Guesa, de Sousândrade, é um dos marcos mais enigmáticos e revolucionários da literatura brasileira do século XIX. Publicado em fragmentos entre 1860 e 1880, o poema épico rompe com os moldes do romantismo, antecipa o modernismo e propõe uma linguagem poética radical, experimental e visionária. Embora negligenciado em sua época, o autor maranhense Joaquim de Sousa Andrade — mais conhecido como Sousândrade — foi redescoberto por críticos como Augusto e Haroldo de Campos no século XX, sendo alçado ao panteão dos precursores da poesia moderna.
Neste artigo, você vai entender por que O Guesa é considerado uma obra à frente de seu tempo, como sua estrutura e linguagem rompem com convenções literárias, e por que ele é essencial para quem deseja compreender a evolução da poesia brasileira.
Quem foi Sousândrade?
Sousândrade (1832–1902) foi um poeta, político e intelectual brasileiro, nascido no Maranhão. Estudou nos Estados Unidos e na Europa, absorvendo influências de diversos pensadores e correntes filosóficas, o que transparece em sua obra. Viveu longos anos em Nova York, onde escreveu grande parte de O Guesa, inspirado tanto por suas leituras clássicas quanto pelo mundo moderno que se desenhava à sua frente.
Apesar de ter sido pouco reconhecido em vida, sua obra ressurgiu com força na segunda metade do século XX, sendo revalorizada como precursora do modernismo e da poesia de vanguarda.
O que é O Guesa?
Uma epopeia fragmentada
O Guesa é um poema épico dividido em cantos que não seguem uma ordem rígida ou linear. A narrativa é inspirada na lenda do “guesa errante”, um jovem indígena enviado ao sacrifício no Império Inca. Sousândrade, no entanto, subverte a estrutura tradicional da epopeia e amplia o escopo da obra para abarcar temas como a opressão política, a corrupção, o imperialismo, o sofrimento humano e a esperança de redenção.
Um épico anticanônico
Diferente das epopeias clássicas, como Os Lusíadas ou A Eneida, O Guesa não glorifica heróis ou nações. Pelo contrário: denuncia as injustiças do mundo moderno, critica o capitalismo nascente dos EUA e representa o poeta como um exilado, errante, crítico do sistema. A obra se constrói como um épico da fragmentação — um projeto poético ambicioso que antecipa os recursos formais e temáticos da poesia do século XX.
As inovações formais de O Guesa
Linguagem experimental e polifonia
Sousândrade emprega em O Guesa uma linguagem disruptiva, marcada por neologismos, jogos de palavras, rupturas sintáticas e sonoras. Termos como “balbúrdia”, “báratro”, “transeunte-cósmico” e “banguê do celerado” exemplificam a riqueza e ousadia lexical da obra. Há também um uso intenso de metáforas e imagens visionárias que prefiguram técnicas do simbolismo e do concretismo.
Além disso, há uma multiplicidade de vozes no poema, criando uma polifonia que antecipa os recursos de Ezra Pound e dos poetas do modernismo anglo-americano.
Uso de imagens do mundo moderno
Sousândrade também introduz em sua poesia elementos do mundo industrial e urbano que ainda não faziam parte da poesia brasileira, como trens, telégrafos, bancos, fábricas e arranha-céus. Um trecho notável — o famoso “Inferno de Wall Street” — satiriza com ironia feroz o capitalismo financeiro, utilizando um vocabulário técnico e uma estética caótica para representar a alienação moderna:
“Oh! o Babel infernal dos bancos de Wall-Street!”
Essa fusão de referências míticas e modernas foi revolucionária e incompreendida por seus contemporâneos.
Temas centrais em O Guesa
Sacrifício e resistência
A figura do guesa — o jovem sacrificado — é símbolo da opressão histórica dos povos indígenas e das vítimas da civilização ocidental. Sousândrade transforma o sacrifício ritual em alegoria do sofrimento humano sob as engrenagens do poder econômico e político.
Exílio, errância e crítica social
O poeta, como o guesa, também é errante. O exílio de Sousândrade nos Estados Unidos e sua vivência em contextos urbanos capitalistas alimentam uma crítica contundente à desigualdade, à ganância e à alienação social. O Guesa é, assim, uma obra profundamente política, engajada e crítica, sem ser panfletária.
Qual é a importância de O Guesa para a literatura brasileira?
Uma redescoberta tardia
A importância de O Guesa só foi plenamente reconhecida décadas após a morte do autor. Durante o modernismo brasileiro, especialmente com o movimento concretista nos anos 1950 e 1960, críticos como Haroldo de Campos destacaram o caráter visionário da obra. Hoje, O Guesa é estudado como um dos maiores poemas épicos da literatura nacional, ao lado de obras como Os Sertões e Grande Sertão: Veredas — mas com um radicalismo formal único.
Influência e legado
Sousândrade influenciou gerações posteriores, direta ou indiretamente. Sua ousadia verbal e crítica ao sistema abriram caminhos para os poetas experimentais do século XX. A apropriação da linguagem técnica, o hibridismo estilístico e a rejeição de modelos poéticos convencionais são hoje práticas comuns que O Guesa antecipou com quase um século de antecedência.
Perguntas frequentes sobre O Guesa
Conclusão: Por que ler O Guesa, de Sousândrade, hoje?
Ler O Guesa, de Sousândrade, é redescobrir uma das vozes mais ousadas e singulares da poesia brasileira. Sua linguagem transgressora, sua crítica social afiada e sua construção épica multifacetada oferecem ao leitor contemporâneo uma experiência estética única. Em tempos de crise, globalização e conflitos sociais, a voz do “guesa errante” ecoa como um chamado poético à resistência e à reflexão. Ignorado por seu tempo, o poema hoje se impõe como um dos maiores feitos literários do Brasil.
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