Por Nilza Monti Pires
Uma certa centopeia andava
despreocupada pela montanha procurando uma frutinha silvestre de cor amarela,
cantarolava uma bela canção, feliz e alegre.
O dia estava ensolarado
propício para passear, o ar fresco da tarde exalava o perfume das flores.
Por um acaso ali passava um
faminto passarinho à procura de comida, assim que viu a centopeia mais que
depressa voou atrás dela. A centopeia percebendo que o passarinho vinha em sua
direção começou a andar com muita rapidez, e o passarinho voou ainda mais
depressa. A centopeia, no desespero, aflita não percebeu um enorme buraco bem
ali na sua frente, e com a pressa tropeçou e caiu dentro do buraco.
O passarinho faminto foi
atrás dela não se importando com o buraco, mas ele não esperava que lá dentro
fosse tão profundo.
Quando o passarinho chegou
no fundo, estava tudo escuro, não enxergava nada, era uma escuridão total.
O passarinho ficou perplexo
diante de tanta escuridão e perguntou:
- Centopeia, você está aqui?
Não estou vendo nada, está muito escuro.
A centopeia não respondeu
por uns instantes, mas depois de algum tempo ela respondeu:
- Sim, estou aqui. Se você
me comer, vai ficar gordo, pesado e não vai poder voar.
O passarinho refletiu e
disse:
- Tem razão, pode ficar
tranquila que você não é a minha comida preferida, além do mais é grudenta,
achatada e gosmenta.
- Obrigada pelo delicado
elogio.
O passarinho se sentindo
angustiado falou:
- Este buraco é horrível,
estou atordoado, espantado e pasmado, disse indignado. Vou embora agora mesmo,
esse lugar é inóspito, frio e está cheio de fungos e não vou esperar nem mais
um minuto. Quero ficar livre desse buraco.
- Poderia me ajudar quando
você sair daqui? disse a centopeia.
O passarinho ignorou o que ela disse e começou a voar, voar, voar para sair do buraco, mas era tão estreito, tortuoso e alto que o passarinho voava e nunca chegava lá em cima, ficando tão cansado que retornou ao fundo do buraco.
A centopeia estava se
sentindo abandonada. Momentos depois percebeu que o passarinho voltou ofegante.
Então a centopeia lhe indagou:
- Você não conseguiu subir?
- Eu não quis subir, fiquei
curioso para ver e analisar como era esse buraco, nem tentei subir. Foi só
isso.
- E como é esse buraco?
perguntou a centopeia.
- Ele é simples, não é nada
difícil sair daqui, pelos meus cálculos é muito fácil.
- Na minha opinião, disse a
centopeia, pelos meus cálculos, não está parecendo nada fácil e sim muito
complicado.
- Para mim é fácil, disse o
passarinho, eu pretendo logo ir embora e você vai ver como é fácil sair daqui.
Assim que o passarinho se
recuperou, levantou voo sem nada dizer, deixando a pobrezinha da centopeia
sozinha.
Saiu voando numa rapidez
incrível, voava, voava, e não saía do lugar, depois de tantas idas e vindas, exausto
resolveu voltar.
A centopeia ficou surpresa.
- Você voltou, disse à
centopeia, o que aconteceu?
- Sim, voltei, sou curioso e
queria somente avaliar quantos metros tem esse buraco, como você sabe, toda
cautela e prudência é pouca. Para subir lá em cima do buraco, requer uma
atenção milimétrica.
Aí a centopeia falou:
- Esse buraco é muito
íngreme, você não está conseguindo sair daqui e fica se fazendo de difícil.
O passarinho ficou irritado
e não gostou do que a centopeia falou e disse para ela:
- Algumas centopeias falam
demais, ficam zombando e se intrometendo na vida alheia, porque não cuida da
sua própria vida?
Mas a centopeia argumentou:
- Oras, você tem asas e não
consegue voar até lá em cima e não quer admitir.
- E você, disse o
passarinho, que tem 100 pés e não consegue subir nem meio metro.
- É verdade, sou sincera,
realmente não consigo subir nessas paredes que são muito escorregadias e
deslizam facilmente. Na hora que sobe, logo escorrega.
- Na verdade, estou tentando,
disse passarinho, realmente é muito difícil, mas sou forte, astuto e uma hora
eu consigo.
- Espero que consiga, se bem
que...
- Em vez de me encorajar,
fica aí me desdenhando: "se bem que..."
- Isto não é verdade e não adianta se aborrecer, chega de ser ranzinza e implicante, temos que achar uma solução para sair daqui.
Passado alguns instantes, o
passarinho deu um grito:
- Achei uma solução,
centopeia! Olha isto, observe quantas folhas das árvores estão caindo aqui
dentro do buraco.
- Sim, é que estamos no outono, disse a centopeia, para mim é a estação mais linda, o chão fica repleto de folhas.
- Não é hora de ficar
sonhando, centopeia, essas folhas me deram uma boa ideia. Chegaram em uma boa
hora, se elas caírem aqui dentro desse buraco, vão formando camadas e mais
camadas, aumentando até chegarem no topo. Aí vamos poder subir. Você concorda?
- Concordo, é uma boa saída
mas não quero tirar o seu ânimo, para encher de folhas esse buraco, vai levar
mais ou menos uns cem anos.
- Não falei que você só diz
coisa negativa, estou me esforçando para achar uma saída...
- Eu também estou me
esforçando, fico pensando um modo de sair daqui, mas essas folhinhas são tão
pequenas para encher um buraco tão grande como esse, garanto que isso vai levar um
bom tempo. Mas sua ideia é ótima, seria a solução para os nossos problemas.
- Ah, centopeia, realmente você tem razão! Agora sim tive uma outra ideia melhor ainda, matei a charada, vou fazer um voo intercalado, pousando em cada lado da parede, uma vez para cá, e outra vez para lá, subindo aos poucos. O que acha?
- Sim, acho que é bem
possível subir intercalando entre os lados da parede, é uma ótima ideia,
concluiu a centopeia, tentando concordar com o passarinho.
- Ufa! Até que enfim
concordou, quero sair daqui, voar para bem longe, se não saímos vamos ficar
mofados.
- Agora, com certeza, você
falou uma verdade, disse a centopeia.
- Então me aguarde, que vou
e volto.
E assim o passarinho reuniu
todas as suas forças e disse:
- Centopeia, vou tentar
novamente, já preparei mentalmente uma lista minuciosa com meus erros e agora
vai dar certo, não vou errar.
- Boa sorte, espero que
consiga mas não me esquece.
- Você é grudenta, pegajosa,
mas gostei de você, não vou esquecer.
Lá foi o passarinho
novamente tentar sair do buraco, estava tão afoito para sair que voou com tanta ansiedade
que bateu com toda força na parede, caindo direto para o fundo, onde começou a
lamentar de dor.
A centopeia assustada
perguntou:
- Você está bem? Se
machucou?
- Sim, dei uma topada bem
forte na parede, não enxergava nada, agora estou machucado e com dor, estava
mesmo muito escuro.
- Logo você vai se recuperar,
pode acreditar, disse a centopeia.
- Depois do que aconteceu,
disse o passarinho, estou desapontado, abalado e desanimado de tudo.
- Você é corajoso e não é
qualquer obstáculo que vai fazer você desistir.
Nesse momento, porém,
começou uma ventania muito forte, o céu escureceu com nuvens densas e cinzas, e
logo em seguida começou a trovejar.
- Parece que vai cair uma
tempestade daquelas, uma chuva pesada, com muita água, disse a centopeia.
O passarinho não respondeu.
E no mesmo instante, começou
uma chuva muito forte e, de repente, começou a entrar muita água dentro do
buraco. Era tanta chuva que caia, era tanta água e mais água que entrava, que
não parava mais.
A centopeia começou a boiar.
O passarinho debilitado e
sem forças com as asas molhadas começou a afundar
A chuva não parou, era muita água que caia no buraco e foi assim a noite toda.
Surpreendentemente a chuva
começou a inundar o buraco, com a água subindo até saída, transbordando o ponto mais
elevado.
Ao amanhecer algumas gotas
de água ainda caiam esparsas entre os raios dourados que iluminaram toda a
paisagem em um lindo dia de sol.
Ali apareceu a centopeia
aliviada e feliz por estar salva e com ela vinha o passarinho que parecia
sonolento.
Depois de alguns minutos o
passarinho acordou e ficou surpreso não acreditando no que estava vendo. Estava
em terra firme!
Maravilhado com a proeza da
centopeia foi abraçá-la e falou:
- Estou muito orgulhoso de
você, centopeia, muito obrigado por me salvar, peço mil desculpas, posso não
ter sido muito simpático, admito, mas fui sincero.
- Não precisa me agradecer,
também você salvou minha vida.
- Como assim, não entendo,
foi você que me salvou e não eu. Além do mais estou muito curioso de saber como
você conseguiu sair do buraco?
- Foi simples, quando você
caiu no buraco, não percebeu que havia derrubado um galho de uma árvore lá
dentro, que começou a boiar quando choveu e no qual eu me segurei para não me
afogar. No fundo do buraco, formou uma espuma grossa, uma babugem lamacenta,
que elevou o galho até a borda, por onde eu subi e te resgatei com os meus cem
pés.
- Incrível, estou admirado
com sua astúcia, disse o passarinho, estávamos numa situação muito difícil,
quase impossível de sair, e você conseguiu. Para ser honesto, jamais eu ia
deixar você naquele lugar, como também não gostaria que fosse embora e me
deixasse.
Aí a centopeia falou:
- A verdade é que nós nos tornamos amigos.
- É verdade, fomos sinceros um com o outro e na dificuldade nos tornamos unidos e bons amigos.
- Sim, seremos amigos sempre,
disse a centopeia.
Finalmente, os dois
emocionados se abraçaram e se separaram.
O passarinho voou alegre e
feliz num lindo céu azul.
A centopeia, por sua vez,
continuou o seu caminho despreocupadamente cantarolando e procurando a frutinha
silvestre de cor amarela, num agradável dia ensolarado de outono.
*****
Créditos:
Ilustrações: Paula Vanessa, Nilza, Jean e Annina
Revisão: Diego, Paula, Nilza e Jean
Linda Fábula... Emocionante... Apaixonante. Fiquei encantado com a leveza e a riqueza de detalhes. Prof. Charlles
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