sábado, 15 de dezembro de 2018

Henri Lefebvre: arte e a crítica da vida cotidiana,

Sete teses sobre a arte e a crítica da vida cotidiana, por Henri Lefebvre

Prólogo

Aforismo:

A sociedade urbana cria etéreo-aço, intangível metal arranha o céu, desvelando, de Maya, excelso véu, a produção volátil do frio espaço. No infinito, terrível cascavel, devorando voraz, de cabo a rabo, o imensurável tempo, com seu abraço: Ouroboros, sublime áureo-anel! Possível-impossível utopia, remate da triunfante humanidade, transformada na vil mercadoria. Autômatos escravos na cidade, formigas produzindo mais-valia, o Capital roubou-lhes liberdade.



Soneto:

A sociedade urbana cria etéreo-aço,
Intangível metal arranha o céu,
Desvelando, de Maya, excelso véu,
A produção volátil do frio espaço.

No infinito, terrível cascavel,
Devorando voraz, de cabo a rabo,
O Imensurável tempo, com seu abraço:
Ouroboros, sublime áureo-anel!

Possível-impossível utopia,
Remate da triunfante humanidade,
Transformada na vil mercadoria.

Autômatos escravos na cidade,
Formigas produzindo mais-valia,
O Capital roubou-lhes liberdade.

(Jean Pires de Azevedo Gonçalves)




SETE TESES

Primeira tese

A vida cotidiana se constitui e se estabelece no mundo moderno; se situa cada vez mais como um nível de realidade dentro do real. Resulta por sua vez funcional e estrutural; se dissolve porque se refere cada vez mais à vida do trabalho, privada, no lar, no tempo livre, no lazer (entretenimento). Ao mesmo tempo, ela se dissolve em monotonia, porque em todos esses aspectos existem uma passividade, uma não-participação, um espetáculo generalizado, uma impotência para participar tanto da vida privada quanto da vida recreativa. Esta cotidianidade é cada vez mais inaceitável. A crítica do cotidiano é a única na atualidade que põe em tela de juízo a cultura, o conhecimento, a política; e é a única que abarca a totalidade e que desempenha o papel da negatividade tal e qual no pensamento de Hegel e Marx.

Segunda tese

Uma vez que a vida cotidiana estava integrada na arte, no sagrado, na religião, ou seja, se se preferirmos assim, a arte fazia parte do cotidiano, penetrava o seu interior. Os objetos mais humildes carregavam a marca da totalidade social e artística. No passado, com todas as reservas que podem ser feitas sobre esta nostalgia (e suplico que não me acusem de "pedantismo"), os objetos mais humildes, como uma colher, um armário, um cofre, enfim, traziam a marca de algo muito mais geral do que a mão do artesão.

Terceira tese

Este estilo que penetrava na vida cotidiana se diferencia da cultura (do que hoje nós chamamos de cultura).

Quarta tese

A cultura tem todos os seus aspectos, a arte e o esteticismo, a moralidade e o moralismo, ideologias como tais, acompanham a cristalização da vida cotidiana no mundo moderno.

Quinta tese

Sob essas condições, a cultura é dividida em duas partes: a cultura de massa e a cultura da elite. A primeira é entendida ao nível do cotidiano, penetra-o, através do rádio, da televisão, dos discos, mas não o transforma, não o transfigura; em suma, deixa suas características de monotonia e passividade, não o englobando numa unidade, não lhe conferindo um estilo. Quanto à cultura da elite, é uma arte experimental, de vanguarda, como a literatura de vanguarda, inacessível, irredutível à cultura de massa, mas não relacionada à vida cotidiana.

Sexta tese

A arte, como tal, passa por uma crise e por uma transformação radical, por causa dessa divisão a que acabo de aludir e que é destrutiva para a arte.

Sétima tese

A arte que não está no cotidiano desaparecerá, pois a arte estará a serviço da vida cotidiana, para transformá-la, para mudá-la realmente e nunca apenas para transfigurá-la idealmente. Neste sentido, a arte permitirá criar vida e, portanto, vivê-la, ao invés de descrevê-la ou representá-la; a arte, então, vai se dispor de todos os meios da estética, incluindo a música, a pintura e, acima de tudo, a arquitetura.

Esta é a última tese. Durante o colóquio, eu voltarei a ela se vocês assim desejarem, mas antes eu quero me remeter a um exemplo. Um fragmento musical de Stokhausen já não significa nada, não exprime nada, mas constrói um tempo e um espaço pelos quais se atribuem a possibilidade de se tornar espaço e tempo na vida concreta. É possível, usando a música, a arquitetura ou a pintura, criar algo que seja mais do que uma simples decoração ou pintura, para realizar a transfiguração, uma transformação da vida cotidiana. Esse é o destino, a vocação de uma arte que não será mais o que chamamos de arte simplesmente e passará por transformações que, de fato, já estão ocorrendo. Nós a viveremos, ao invés de assistir ou ouvir obras estranhas à vida. A própria noção de obra de arte está prestes a se transformar diante dos nossos olhos. Nossa obra de arte será a nossa vida, com todos os meios disponíveis, da técnica, todos os meios que ainda são atribuídos ao que ainda chamamos de arte.

Vamos primeiro considerar a cultura de massa. Trata-se de consumo devorador, em escala gigantesca. Vive-se para comer, para destruir a arte, a literatura antiga, os estilos; abstraídos, por outro lado, da própria condição e vida. As massas consomem tudo o que é bonito e grandioso, destruindo e aniquilando. De fato, na sociedade tal como é hoje organizada, tudo se transforma em mercadoria. Mas de uma maneira que não é mais aquela mercadoria clássica, analisada por Marx, mas de uma "forma", a do puro espetáculo. Trata-se, portanto, de uma alienação diferente da reificação que, por outro lado, não se suprime, mas se sobrepõe. A forma generalizada da compra e venda vem aludir algo mais: a forma da contemplação, fantasmal, fantástica, da pura contemplação do puro espetáculo. No cinema, na televisão, o espectador puramente passivo não se deleita com música que escuta; apenas contempla, sem objetivo nem finalidade. Isso produz generalizadamente seres humanos estranhos, ao mesmo tempo concretos e, terrivelmente, abstratos. Nesta rápida observação sobre a arte das massas, vemos por fim a arte propriamente dita.

Há uma literatura na forma do ensaio, de enorme Interesse público e que não renuncia nunca um auditório, mas que é restrita a parâmetros comerciais. O exemplo típico é o surrealismo. Poderíamos citar Rimbaud, cuja vida tem sido exemplar e emblemática: o grito poético e depois o silêncio. Mas o que eu realmente gostaria de atentar é para o que ocorreu por volta de 1910. Nessa época, produziu-se um desmantelamento de todos os sistemas de referência. Por quê? Isso ainda não está muito claro. Todavia, desapareceu, ao mesmo tempo, tanto a linha do horizonte quanto o espaço perspectivo (é a época das primeiras obras de Kandinsky, nas quais desapareceram a perspectiva e a linha do horizonte); ou ainda, o sistema tonal do livro da Harmonia de Schoenberg, que foi publicado em 1913. É o momento em que a referência ao real e à realidade é estraçalhada e sucumbida (a poesia de Apollinare). O que aconteceu? Novas técnicas entram em jogo: a luz elétrica, o motor, o automóvel, a aviação, a velocidade; e, ao mesmo tempo, novas relações sociais são impostas: o capitalismo de concorrência, analisado por Marx, desaparece para dar lugar ao capitalismo monopolista. Neste ponto quero formular uma hipótese, só uma. (É uma pena que Roland Barthes não esteja mais aqui para discutir isso). Nós não fomos capazes de produzir muito neste período, de 1910, por uma razão muito profunda: uma ruptura da antiga relação indissolúvel dos significados e dos significantes, entre a denotação (o real designado) e a conotação. Será então que os signos permanecem ligados ao cotidiano enquanto os significados se demoram ou, ao contrário, modificam-se por causa das transformações técnicas e sociais? Não se teria sido produzido nesta época um atraso entre significantes e significados? E a arte e os artistas, poetas e literatos, se instauram no significante. Seria verdadeiramente curioso seguir, a partir deste ponto ou ponto de vista, a relação exata entre signos significados-significante e, por exemplo, o corpo de uma mulher desde, digamos, as primeiras obras de Picasso até aquelas expostas neste ano. Ver-se-á, ao meu entender, como é acentuado, no signo, a ruptura entre o significado e significante; como há uma sobrecarga de significantes e como essa ruptura acompanha uma espécie de crueldade crescente para com o significado, que se afasta em outra direção, que é continuamente distante, invocada e usada novamente com habilidade prodigiosa. O que eu estou querondo dizer é que uma vez que a ruptura é produzida, no signo, entre significados e significantes, alguns se instalam nos significantes enquanto os significados fogem. Eles aprofundam a destruição de uma relação que parece indissolúvel e fundamental. Aí então vem o dadaísmo, surge numa data muito importante, 1917, através de apenas duas breves palavras "da-da", quando, ao fim da primeira guerra mundial, se manifestam verdadeiramente a arte moderna, o pensamento e a literatura. Há uma ruptura. O dadaísmo constitui ao mesmo tempo uma revolução, uma negação global da literatura e da arte, uma negação da vida burguesa, uma tentativa de revolução verbal, somente verbal, mas total, à sua maneira. E, então, segue-se o surrealismo. A linha é contínua: dadaismo, surrealismo, letrismo. O surrealismo, no começo, significa uma revolução total contra a linguagem, a literatura e a arte. Não a tudo! Destrua tudo! Até bem mais tarde, não há nenhum tipo de restituição dos valores (dos valores clássicos admitidos), que levaram Aragón a se tornar quem é e Breton a ser, novamente, um homem de letras no sentido usual da palavra, contrastando com a sua primeira fase.

Mais tarde, houve outras tentativas de antipoesia, ou antiliteratura, para fazer literatura em seguida. O êxito veio no momento em que se retorna às formas usuais e clássicas. Começa com o antiteatro para fazer a continuação do teatro. O exemplo de lonesco é excepcionalmente interessante, porque ele está prestes a se tornar um autor oficial e "clássico", e ainda assim ele começou com o antiteatro. De fato, caminho do êxito é duro para a inspiração!

Isto é ainda mais verdadeiro no caso das artes plásticas ou da música. Quando ouvimos um concerto de música concreta, nos perguntamos primeiro o que aconteceu com a noção de obra, porque o compositor é um técnico, um engenheiro de som. Não perguntamos onde estão as categorias habituais de expressão e significado, porque não há mais expressão nem significado. Eu tenho a impressão de que Boulez faz o que todo mundo faz: ele começou a fazer antimusica e acabou fazendo música bonita e boa, com grande êxito.

Alguns heróis da arte querem acreditar positivamente não serem destruidores; o que acontece é que eles, às vezes, destroem o objeto; às vezes, o sujeito; às vezes, o equilíbrio; às vezes, o drama. Para citar um exemplo, vamos pensar, por um lado, em Joyce e Kafka e, por outro, na descrição interminável do objeto. Alguns dramatizam demais, outros dramatizam exageradamente. Eu me pergunto (sempre como hipótese) se o divórcio entre os significantes e os significados, entre o equilíbrio e o drama, entre o objeto e sujeito, não constituirá um fenômeno sociológico.

Ao lado dos que se consideram criadores, construtores e, cuja trajetória leva à nouveau roman, existe a linha dos negadores, que continua. Eu tenho dito já em muitas ocasiões e me permito repetir aqui. A obra característica de nossa época, ao menos segundo minha interpretação, é a de Artaud e Robbe-Grillet, e Beckett com essa espécie de autodestruição da obra mesma. Quem viu Madeleine Renaud saindo de um monte de escombros recitando um texto, num verdadeiro escárnio de tudo, incluindo o teatro, quem a viu, não se esquecerá.

Na linha dos negadores, ocupa um lugar especial Malcolm Lowry com seu romance Au-dessous du volcan, e que me parece uma das obras mais ricas destes últimos anos. E, neste ponto, farão objeções: e o socialismo? O realismo socialista? Ocorre tal como se a missão histórica (e aqui a caracterizo intencionalmente) do socialismo fosse levar a arte até seu fim mesmo, porque as obras do chamado realismo socialistas têm, talvez, um grande valor de propaganda, mas nenhum artístico. De tal forma que o grande cenário da destruição e da autodestruição da arte do realismo socialista me parece ocupar um dos primeiros lugares.

O último ponto crucial (ao qual creio não esgotarem os meus quarentas minutos, tanto assim que resumi, por medo de ser interrupido), o último ponto importante é o seguinte: eu me recuso a tomar uma posição acerca da linguagem, o seu lugar na ciência e no conhecimento. Seria a linguagem o protótipo da inteligibilidade? A linguagem é um reflexo mais ou menos verdadeiro da história e sociedade? Recuso-me a tomar uma posição aqui nesta discussão. O importante é que estamos participando, em síntese, de uma espécie de fetichização da linguagem e de sua dissolução. A linguagem é fetichizada. Ela é considerada uma espécie de absoluto, fonte não só de inteligibilidade mas também de condutor social. Tudo se consistiu em linguagem. Neste sentido, eu teria de recorrer à linguagem para resolver todos os problemas. Este fetichismo não é obra destes últimos anos, do trabalho de Lévi-Strauss ou Saussure. Remonta a Alquimia do verbo, através do qual os poetas se imaginavam transfigurar poeticamente e metamorfosear o real, ou seja, a vida cotidiana. O fetichismo é, portanto, antigo. Acompanha, precisamente, a ruptura entre os significantes e os significados, dos quais acabamos de falar. Quem assistiu a exposição de Roland Barthes, em sua aula inaugural no Collège de France, sobre a história da literatura, teria mencionado (não sei se ele assim o fez) um texto de Paul Valéry. No texto, Valéry diz abertamente que é necessário reabilitar e reinterpretar figuras retóricas.

Existe, portanto, um fetichismo da linguagem e, ao mesmo tempo, uma extraordinária linguagem para ser dissolvida sob os mais diferentes aspectos: meios audiovisuais, utilização virtuosa e acrobática da linguagem. Às vezes, são os mesmos que fetichizam e os que destroem a linguagem, de tal forma que esse homem extraordinariamente inteligente, que é Raymon Queneau, diretor do grupo "Oulipo", faz arte combinatória. Vocês conhecem os milhões e milhões de sonetos escritos com a combinação de alexandrinos que podem ser agrupados de forma arbitrária. É o mesmo que Zazie dans le métro. A primeira linha: Doucékipudonktan já é um assassinato de linguagem.

Simultaneamente, há o fetiche da comunicação. Ah! que maneira de se lidar com a comunicação quando se percebe que se está só e não há comunicação! Que estranha é essa simultaneidade entre a solidão e o estudo das comunicações! Uma revista chamada Aléthéia editada por um grupo de jovens, na qual podemos ler o seguinte sobre os filmes de Resnais (se eu pudesse me estender sobre os filmes de Resnais, correria o risco de discutir acaloradamente com Lucien Goldmann): "Muriel é o lírico e irônico em uma cidade, em sua inquietude, no momento do referendum. Essa preocupação? Um universo da palavra em ruínas, um monte de insucessos e de lugares comuns sobre os que murmuravam mil palavras justificadoras e não nomeadas, mentiras de jogadores, um universo da palavra no que já não se pode contar nada... no qual cada frase tem acentos de disputas (o que põe de manifesto Resnais mediante mudanças bruscas de planos depois de uma frase mediante ao silêncio), dos seres desarraigados por esta linguagem de deriva”. Esta análise de um filme por um grupo de jovens é muito oportuna. Destruição. Mas destruição de quê? Da vida burguesa por não saber ter sido outra coisa. Autodestruição. Mas autodestruição da arte, posto ante à alternativa de se criar outra coisa, isto é, de transfigurar a vida cotidiana. Estes dois aspectos da autodestruição e destruição me parecem complementários e solidários, dentro do quadro que os tem oferecido sob o signo da negatividade.

(LEFEBVRE, H., “De la literatura y el arte modernos considerados como procesos de destrucción y autodestrucción del arte”, in: LITERATURA Y SOCIEDAD: PROBLEMAS DE METODOLOGÍA EN SOCIOLOGÍA DE LA LITERATURA – Roland Barthes, Henri Lefebvre e Lucien Goldmann, Ediciones Martínez Roca, S. A.: Barcelona, 1969).


sábado, 1 de dezembro de 2018

O. Henry - A identidade secreta

A real identidade de O.Henry, um dos maiores contistas norte-americano, só veio a público em 1916. Seu verdadeiro nome era William Sydney Porter. Nascido em Greensboro, Carolina do Norte, em 11 de setembro de 1862, O.Henry, quando adulto, tinha sólida conformação física, ombros maciços e feições carregadas. A um jornalista sugeriu: “Diga apenas que minha aparência é a de um açougueiro saudável”. De fato, o escritor evitava os holofotes e quase nunca tirava fotos. Seu passado era mantido em segredo.

Em sua juventude, o escritor trabalhou como farmacêutico mas, por motivo de saúde, acabou indo para o Texas no ano de 1882. Apaixonou-se pelo oeste e a vida na fazenda tornando-se um exímio vaqueiro. Cansado da vida do campo, pouco depois se empregou em um escritório. Caindo de amores por uma bonita moça de Austin, Athol Estes, fugiu com ela. Depois do nascimento de sua filha, Margaret, passou a trabalhar de caixa no Banco Nacional de Austin. Nas horas vagas, exercitava a pena na publicação de um pequeno semanário que teve efêmera duração, The Rolling Stones.


A confusão reinante no banco não era pouca, que não justificasse a irritação de O.Henry. Certa vez passou dois dias à procura de uma diferença no caixa, para ser informado depois, por um dos funcionários, que a diferença provinha de fato de este ter retirado cem dólares sem haver preenchido o vale de adiantamento. Quando outras irregularidades foram encontradas nos livros de contas de O.Henry, os diretores do banco recusaram-se a processá-lo, repondo a diferença.

O.Henry deixa o banco. Mas em julho de 1896, precisamente quando trabalhava intensamente como jornalista, é intimado pelas autoridades para voltar a Austin e responder no processo em que era acusado de apropriação fraudulenta de somas em dinheiro. Parte desta quantia, de acordo com a denúncia, teria sido desviada quando fazia já vários meses que O. Henry deixara de trabalhar no banco.

Mas, em lugar de ir diretamente para Austin, Porter foge para a Honduras, na América Central. De lá, insiste com a mulher para se encontrar com ele. Ela, no entanto, já não podia ir. Sofria de tuberculose. O.Henry então volta para os EUA e passa ao lado esposa em seus últimos momentos.

A justiça o submete então a julgamento e, em 17 de fevereiro de 1898, é condenado a cinco anos de prisão. Um dos jurados que votaram pela culpabilidade do réu, declarou mais tarde: “O. Henry era inocente e se eu soubesse naquela época o que sei agora, nunca teria votado contra ele”. A circunstância da fuga foi entendida como uma confissão de culpa. Além disso, não ajudou o advogado de defesa, que se manteve num silêncio quase desdenhoso durante todo o julgamento.

Em abril de 1898 começou a cumprir a pena. O médico chefe da penitenciária de Ohio conta que certa vez O. Henry lhe declarou: “Nunca roubei na minha vida. Vim parar aqui por peculato, mas jamais toquei em um só centavo. Alguém, que não eu, deve ter ficado com o dinheiro”.

O moço de 36 anos que dera entrada na penitenciária mostrava inteligência como escritor, mas não se tinha fixado em coisa alguma: fora uma espécie de pau para toda a obra, um aventureiro. Já o homem de quase 40 anos que sai da prisão é um trabalhador infatigável, um escritor consumado, cujas histórias já tinham aparecido nas revistas logo no começo do seu segundo ano de cadeia.

Ao sair da prisão, O. Henry começa a lançar as suas histórias em todas as revistas populares de sua nova cidade. Nova York – Bagdá sobre subway, como ele chamava.

À medida que sua fama ganha força, tanto o solicitam, que a saúde começa a traí-lo. Não obstante, casa com uma amiga de juventude, Sara L. Coleman, em 1907.

Nessa época devia fazer fortuna, mas ele simplesmente não sabia como controlar os seus próprios recursos. Além disso, era proverbial sua generosidade com os abandonados da sorte.

Na primavera de 1908, ao mesmo tempo em que chegava ao pináculo da fama, seu sofrimento lhe abatia por completo. Já não tinha a aparência de um açougueiro saudável.

No último ano de sua vida foge-lhe a saúde com grande rapidez. Aos 47 anos tinha vivido muitas vidas.

(H. J. Forman, amigo de O. Henry).