segunda-feira, 17 de junho de 2019

O movimento anarcopunk - Punk & Anarquia

Uma crescente onda popular se interessou pelo anarquismo no Reino Unido durante a década de 1970, após o nascimento do movimento punk na Inglaterra (Nota 1), em particular, artistas influenciados pelos Situationistas (Nota 2), como Jamie Reid, designer do Sex Pistols e ilustrador de suas capas, como a do célebre álbum "Anarchy in the UK". Todavia, enquanto a cena punk no início utilizava-se de imagens e símbolos anarquistas, como o “A” dentro do círculo, principalmente, para chocar, zombar ou, na melhor das hipóteses, expressar um desejo de liberdade hedonista e individual, bandas como Crass e Poison Girls levaram a sério o ideal do anarquismo e podem ser hoje consideradas as primeiras bandas anarcopunk.

Capa do livro

A partir deles, o conceito e a estética anarcopunk foram rapidamente reproduzidos por bandas como Flux of Pink Indians, Subhumans, Chumbawamba e Conflict. Essas bandas anarcopunks da primeira leva eram musicalmente muito variadas, mas geralmente possuíam algumas coisas em comum: uma disposição para experimentação, que muitas vezes saía dos limites do punk e hardcore convencionais; uma concepção de si mesmas como coletivos musicais; e, enfim, representavam uma radicalização da cultura punk, pela qual, dentre outras coisas, pautas como direitos animais ou igualdade de gênero compunham seu repertório de reivindicações.

Com o avanço dos anos 80, dois novos estilos punk evoluíram no movimento anarcopunk: o d-beat e o crust punk. O d-beat era um modo muito rápido e brutal de tocar música punk e foi criado por bandas como Discharge e Varukers. Já o crust misturava o anarcopunk com o heavy metal e teve como representantes bandas como Antisect, Sacrilege e Amebix. Um pouco mais tarde, também nos anos 80, o grindcore se desenvolveu também do anarcopunk e assemelhava-se ao crust, só que ainda mais pesado em termos musicais. Bandas como Napalm Death e Extreme Noise Terror foram expoentes do grindcore. Paralelamente ao desenvolvimento desses subgêneros, muitas outras bandas da cena punk e hardcore acabaram por adotar a ideologia anarcopunk, tais como MDC e Reagan Youth.


Simultaneamente, o anarcopunk começou a absorver elementos característicos dos mochileiros, da era neo-hippie, assim como a cena de ocupações políticas. Consequentemente, elementos de música folclórica, country, rap, música tradicional irlandesa e jazz começaram a ser incorporados por diversos artistas anarcopunks, tais como Annie Anxiety e The Ex. No final da década de 1980, a emergente cultura rave também influenciou o anarcopunk, com a cena de som itinerante, como o Spiral Tribe e o Bedlam Sound System. Outro desdobramento relacionado ao anarcopunk foi a cena britânica mochileiro/crusty, com as bandas Back To The Planet e Radical Dance Faction, que tocava punk reggae/dance-tinged.

Nos anos 2000, o anarcopunk se tornou ainda mais diversificado musicalmente do que fora até então. Além dos mencionados subgêneros, outras manifestações criativas podem ser lembradas, como os irreverentes Bus Station Loonies, os punks do Propagandhi, além do new wave de Honey Bane e bandas de folk punk como Blackbird Raum. Já outras bandas anarcopunk incorporam o rock indie, como foi o caso do Nation of Ulysses, do Blyth Power e do The International (International) Noise Conspiracy. Bandas como Axiom, Destroy e Disrupt fundiram os sons grindcore e crust punk. Também o hardcore eletrônico muitas vezes assume uma postura anarquista em suas letras, como, por exemplo, os pioneiros do gênero Atari Teenage Riot. O hardcore eletrônico mistura vocais punk (e às vezes rap) com elementos de muitos gêneros diferentes, principalmente techno hardcore, thrash metal e noise music.

Ética punk: DIY

Muitas bandas anarcopunk ostentam a ética do do-it-yourself, isto é, faça você mesmo. Um slogan muito popular dos anarcopunks da gringa foi "DIY e não EMI", que simbolizava uma rejeição às grandes gravadoras. Muitas bandas anarcopunk foram lançadas por gravadoras independentes, como a Crass Records e a Resistance Productions, entre 1980 e 1994. Alguns artistas anarcopunk divulgaram seus sons, como era de praxe na cultura punk, através das antigas fitas cassetes. Desta forma, contornou-se as formas tradicionais de gravação e distribuição com gravações sendo amplamente disponibilizadas em troca de fitas virgens e o envio pelo correio. Aos poucos, o movimento anarcopunk foi constituindo sua própria rede de informação, através de fanzines ou zines punks, divulgando notícias, ideias e os trampos da cena. Essas são produções de bricolage, distribuídas gratuitamente. Os zines eram impressos em fotocopiadoras ou máquinas duplicadoras e distribuídos de mão em mão nos shows de punk, em livrarias alternativas ou pelo correio.

Capa de CD

No Brasil

O anarcopunk surgiu no Brasil em São Paulo no ano de 1991, mudando o paradigma da cena punk, como relata Jean Fecaloma, “FECALOMA: 30 ANOS DE PUNK ROCK - ENTREVISTA”, e se espalhou rapidamente por todo Brasil. Muito ativos no meio libertário, a banda de maior destaque foram os Execradores.

Nota 1: Observa-se, no entanto, que os norte-americanos Ramones inventaram o punk rock.

Nota 2: Os Situacionistas foram um movimento surgido na França e que influenciou a insurreição de Maio de 68. Seu maior expoente é Guy Debord, autor do livro Sociedade do Espetáculo.

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sábado, 1 de junho de 2019

Variação linguística e neologismo

A linguagem é um sistema de comunicação inerente ao ser humano. Todo ser humano, a princípio, possui condições naturais de comunicação. Mas a linguagem não é apenas um aspecto da constituição natural humana, ela é também produto da cultura, portanto, um fenômeno social e histórico. Neste sentido, os indivíduos que vivem em sociedade, de uma maneira geral, têm competência linguística, isto é, através da fala, são capazes de compreender e serem compreendidos por seus interlocutores.


Todavia, a fala não é uma unidade homogênea. A linguagem pode se manifestar em diferentes níveis que vão desde a diversidade de idiomas até variações linguísticas dentro de um mesmo idioma. Assim sendo, a linguagem pode se revelar como um sistema abstrato de regras, não só gramatical como também semântico e fonológico, de modo extremamente variado e irredutível a uma normatização definitiva.

Dentro de um mesmo idioma, por exemplo, variações linguísticas podem ocorrer em diferentes regiões de um mesmo território nacional ou ainda no âmbito do próprio cotidiano, refletidos pela diferença de gênero, de idade, classe social, ou ainda numa escala espacial relativamente pequena e demarcada pela distinção metropolitana entre centro-periferia etc.

Ou seja, a natureza plástica da linguagem é múltipla e está em constante transformação. Diante disso, desenvolveu-se, geográfica e historicamente, em distintas culturas, uma língua padrão, cristalizada, também chamada de “norma culta”, geralmente advinda dos hábitos linguísticos praticados por grupos sociais dominantes ou socioculturais privilegiados, que, por seu prestígio, foi imposta aos demais grupos sociais como modelo uniforme, único e geral.

O domínio da “norma culta” está no nível da performance e não se confunde com a competência linguística que, como se afirmou acima, diz respeito à capacidade de se comunicar de qualquer ser humano. O uso “correto” de uma língua por uma dita “elite” poder gerar exclusão e preconceito linguístico diante das demais variações linguísticas relacionadas a grupos sociais marginalizados.

Desnecessário entrar em pormenores aqui sobre o quanto a língua padrão é artificial e não acompanha a dinâmica de uma realidade tão heterogênea e contraditória como são as sociedades humanas.

A linguagem coloquial, deste modo, se aproxima muito mais da natureza móvel da língua e está aberta a todo tipo de criações, que vão, com o tempo, configurando-a tanto do ponto de vista fonológico como da sintaxe e da morfologia. Em termos morfológicos, estas mudanças podem ser verificadas através de processos de formação de palavras ou de criação neológica.

Sem dúvida, a criação de neologismo é um fenômeno muito mais comum do que pode parecer num primeiro momento. Contudo, esta criação não é aleatória e independente de paradigmas linguísticos de uma determinada língua. Portanto, o processo de formação de neologismo pode ser compreendido e caracterizado sob uma perspectiva científica nos termos da linguística.