quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Sonidos de Combate - Ratas Rabiosa


Uma das grandes contribuições do movimento punk para a história do rock foi o de abrir espaço para bandas exclusivamente femininas. De fato, o mundo musical, desde a música erudita à música pop, sempre foi dominado por um clubinho fechado só para homens. Quando muito, por vezes, abria-se alguma concessão para cantoras, geralmente, sensuais e bonitas. A grande Janis Joplin foi uma exceção à regra. Ainda assim, estava cercada por músicos masculinos. Sem dúvida, tocar um instrumento musical era um direito só para homens. Neste contexto, as mulheres eram relegadas à condição de meras expectadoras. Não só isso, na “divisão de tarefas” do rock, as mulheres deviam dar gritos histéricos e correr atrás dos rapazes da banda da moda.


O punk rompeu com esta “tradição” e democratizou o rock. Bandas punks femininas surgiram às pencas e se recusaram a desempenhar o papel menor de “sexy symbol” ou fãs histéricas. Mas não parou por aí, a partir dos anos 1990, essas bandas passaram a questionar o machismo que, infelizmente, ainda viceja no próprio movimento punk e anarquista. Nos dias atuais, bandas punks femininas, em pé de igualdade com qualquer outra banda, dividem espaço na cena, não devendo em nada às veteranas bandas punks masculinas. Uma dessas bandas, composta por orgulhosas “garotas malvadas”, é as Ratas Rabiosas, formada por Angelita (voz e baixo), Amanda (voz e guitarra) e Lary (voz e bateria), e que acaba de lançar seu primeiro CD, “Sonidos de Combate”. Para os aficionados no gênero, o CD é super bem produzindo, em papelão e acrílico, além de contar com encarte com fotos da banda e letras. Na capa, uma ilustração super bacana e sugestiva de Luanda Soares, anunciando o que vem por aí. O disco apresenta treze faixas do melhor e mais puro hardcore e letras abertamente feministas. Vale a pena destacar algumas. “Não desista’, a letra é uma ode às atitudes afirmativas da mulher: “Pra quem trabalha, pra quem batalha / Pra quem estuda, quem vai a luta/ Pra quem enfrenta, e não se deita/ Pra aquela que grita “Mulher não desista”. A segunda faixa, “Mulheres punks”, é outro chute no saco às pretensões machistas, diz a letra: “Sobre nosso corpo nenhum padrão/ Sempre rebeldes e insubmissas/ Porque sem luta não há saídas/ Buscamos autonomia/ E liberdade no dia a dia/ Viemos para quebrar regras”. A canção “Malala” é uma homenagem à menina paquistanesa que sofreu um atentado em seu país por querer estudar: “Mulher disposta a lutar/ Enfrentou o Talibã/ Pelo direito de estudar”. A faixa “Governo golpista” é atual e lembra o golpe machista que derrubou a primeira mulher presidenta do Brasil para implementar uma reforma trabalhista que retira direitos dos trabalhadores, como, por exemplo, a liberação de mulheres gestantes em trabalhos em condições insalubres; no refrão elas cantam: “Fora governo golpista/ Não a reforma trabalhista”. Na música “Menores abandonados”, uma verdade perturbadora que aflige a criança proletária: “Desde que nasceram são marginalizados/ Não tem amor nem educação/ Sem esperança sem futuro/ Logo são internadas na fundação”. Em “Resistência latino americana”, elas catam: “Trabalho escravo e o terceiro mundo/ Utilizados para enriquecer/ Estados Unidos persegue o latino/ Que oprimido não pode viver”. Na faixa “Kings é o caralho”, a letra é contundente: “Diz que é libertário, mas é um boy otário/ Expõe a intimidade pagando de comedor/ Não percebe o machismo que beira o terror/ Empoderadas, Anarquistas, Punks Feministas não aceitam/ a violência, sua crew é a incoerência/ As minas vão bater de frente/ Não nos diga o que fazer/ Machistas, otários, vão se fuder”. Mas, para mim, a melhor canção – que eu não consegui parar de escutar – é “Larguei meu marido (agora virei puta)”, que, como se percebe pelo título, traz referências irônicas ao gênero de música funk, um dos mais machistas e que reduz a mulher à condição de objeto sexual. Contra isso, aliás, a mulher precisa ativamente empoderar-se de todos os espaços, incluindo o mundo musical. É preciso, então, mais Ratas Rabiosas!!!

Transcreverei a letra “Larguei meu marido”, integralmente:

LARGUEI O MEU MARIDO

Só me dava porrada
E saía pra farra!!!
Eu ficava em casa, esperando você
E eu gritava e chorava, acredita?
Que nem uma maluca...
Mas valeu muito obrigado, valeu muito obrigado, mas agora eu virei puta!!!
Só me dava porrada!!!
E saía pra farra
Eu ficava em casa, esperando você
E eu gritava e chorava, que nem uma maluca... ahh, ahh, ahh!
Ma agora que eu virei puta você vem falar de amor?
Só agora que eu virei puta você vem falar de amor?
Mas agora que eu virei puta você vem falar de amor?
Só agora que eu virei puta meu amor?
Somos todos pensadores, somos todos pensadores, somos todos pensadores, somos todos pensadores
Ei machista eu avisei, se entrar na minha frente é tiro porrada e bomba
É tiro porrada e bomba, é tiro porrada e bomba
Ei machista eu avisei, se entrar na minha frente é tiro porrada e bomba
É tiro porrada e bomba, é tiro porrada e bomba ahhh, ahhh, ahhh
Se um tapinha não dói
Se um tapinha não dói,
Eu falo para você
Eu falo para você
Segura esse chifre, quero ver tu se fuder

Vídeo: "Mulheres punks":




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