Por Jean Fecaloma
Uma das grandes contribuições do movimento punk para a história do rock foi o de abrir espaço para bandas exclusivamente femininas. De fato, o mundo musical, desde a música erudita à música pop, sempre foi dominado por um clubinho fechado só para homens. Quando muito, por vezes, abria-se alguma concessão para cantoras, geralmente, sensuais e bonitas. A grande Janis Joplin foi uma exceção à regra. Ainda assim, estava cercada por músicos masculinos. Sem dúvida, tocar um instrumento musical era um direito só para homens. Neste contexto, as mulheres eram relegadas à condição de meras expectadoras. Não só isso, na “divisão de tarefas” do rock, as mulheres deviam dar gritos histéricos e correr atrás dos rapazes da banda da moda.
O punk rompeu com esta “tradição” e
democratizou o rock. Bandas punks femininas surgiram às pencas e se recusaram a
desempenhar o papel menor de “sexy symbol” ou fãs histéricas. Mas não parou por
aí, a partir dos anos 1990, essas bandas passaram a questionar o machismo que,
infelizmente, ainda viceja no próprio movimento punk e anarquista. Nos dias
atuais, bandas punks femininas, em pé de igualdade com qualquer outra banda,
dividem espaço na cena, não devendo em nada às veteranas bandas punks
masculinas. Uma dessas bandas, composta por orgulhosas “garotas malvadas”, é as
Ratas Rabiosas, formada por Angelita (voz e baixo), Amanda (voz e guitarra) e
Lary (voz e bateria), e que acaba de lançar seu primeiro CD, “Sonidos de
Combate”. Para os aficionados no gênero, o CD é super bem produzindo, em papelão e acrílico, além de contar com encarte com fotos da banda e letras. Na capa, uma ilustração super bacana e sugestiva de Luanda Soares, anunciando o que vem por aí. O disco apresenta treze faixas do melhor e mais puro hardcore e
letras abertamente feministas. Vale a pena destacar algumas. “Não desista’, a
letra é uma ode às atitudes afirmativas da mulher: “Pra quem trabalha, pra quem
batalha / Pra quem estuda, quem vai a luta/ Pra quem enfrenta, e não se deita/
Pra aquela que grita “Mulher não desista”. A segunda faixa, “Mulheres punks”, é
outro chute no saco às pretensões machistas, diz a letra: “Sobre nosso corpo
nenhum padrão/ Sempre rebeldes e insubmissas/ Porque sem luta não há saídas/
Buscamos autonomia/ E liberdade no dia a dia/ Viemos para quebrar regras”. A canção
“Malala” é uma homenagem à menina paquistanesa que sofreu um atentado em seu
país por querer estudar: “Mulher disposta a lutar/ Enfrentou o Talibã/ Pelo
direito de estudar”. A faixa “Governo golpista” é atual e lembra o golpe
machista que derrubou a primeira mulher presidenta do Brasil para implementar uma
reforma trabalhista que retira direitos dos trabalhadores, como, por exemplo, a
liberação de mulheres gestantes em trabalhos em condições insalubres; no refrão
elas cantam: “Fora governo golpista/ Não a reforma trabalhista”. Na música
“Menores abandonados”, uma verdade perturbadora que aflige a criança proletária:
“Desde que nasceram são marginalizados/ Não tem amor nem educação/ Sem
esperança sem futuro/ Logo são internadas na fundação”. Em “Resistência latino
americana”, elas catam: “Trabalho escravo e o terceiro mundo/ Utilizados para
enriquecer/ Estados Unidos persegue o latino/ Que oprimido não pode viver”. Na
faixa “Kings é o caralho”, a letra é contundente: “Diz que é libertário, mas é
um boy otário/ Expõe a intimidade pagando de comedor/ Não percebe o machismo
que beira o terror/ Empoderadas, Anarquistas, Punks Feministas não aceitam/ a
violência, sua crew é a incoerência/ As minas vão bater de frente/ Não nos diga
o que fazer/ Machistas, otários, vão se fuder”. Mas, para mim, a melhor canção
– que eu não consegui parar de escutar – é “Larguei meu marido (agora virei
puta)”, que, como se percebe pelo título, traz referências irônicas ao gênero
de música funk, um dos mais machistas e que reduz a mulher à condição de objeto
sexual. Contra isso, aliás, a mulher precisa ativamente empoderar-se de todos
os espaços, incluindo o mundo musical. É preciso, então, mais Ratas Rabiosas!!!
Transcreverei
a letra “Larguei meu marido”, integralmente:
LARGUEI
O MEU MARIDO
Só
me dava porrada
E
saía pra farra!!!
Eu
ficava em casa, esperando você
E
eu gritava e chorava, acredita?
Que
nem uma maluca...
Mas
valeu muito obrigado, valeu muito obrigado, mas agora eu virei puta!!!
Só
me dava porrada!!!
E
saía pra farra
Eu
ficava em casa, esperando você
E
eu gritava e chorava, que nem uma maluca... ahh, ahh, ahh!
Ma
agora que eu virei puta você vem falar de amor?
Só
agora que eu virei puta você vem falar de amor?
Mas
agora que eu virei puta você vem falar de amor?
Só
agora que eu virei puta meu amor?
Somos
todos pensadores, somos todos pensadores, somos todos pensadores, somos todos
pensadores
Ei
machista eu avisei, se entrar na minha frente é tiro porrada e bomba
É
tiro porrada e bomba, é tiro porrada e bomba
Ei
machista eu avisei, se entrar na minha frente é tiro porrada e bomba
É
tiro porrada e bomba, é tiro porrada e bomba ahhh, ahhh, ahhh
Se
um tapinha não dói
Se
um tapinha não dói,
Eu
falo para você
Eu
falo para você
Segura
esse chifre, quero ver tu se fuder
Vídeo: "Mulheres punks":
Nenhum comentário:
Postar um comentário