sábado, 15 de dezembro de 2018

Henri Lefebvre: arte e a crítica da vida cotidiana,

Sete teses sobre a arte e a crítica da vida cotidiana, por Henri Lefebvre

Prólogo

Aforismo:

A sociedade urbana cria etéreo-aço, intangível metal arranha o céu, desvelando, de Maya, excelso véu, a produção volátil do frio espaço. No infinito, terrível cascavel, devorando voraz, de cabo a rabo, o imensurável tempo, com seu abraço: Ouroboros, sublime áureo-anel! Possível-impossível utopia, remate da triunfante humanidade, transformada na vil mercadoria. Autômatos escravos na cidade, formigas produzindo mais-valia, o Capital roubou-lhes liberdade.



Soneto:

A sociedade urbana cria etéreo-aço,
Intangível metal arranha o céu,
Desvelando, de Maya, excelso véu,
A produção volátil do frio espaço.

No infinito, terrível cascavel,
Devorando voraz, de cabo a rabo,
O Imensurável tempo, com seu abraço:
Ouroboros, sublime áureo-anel!

Possível-impossível utopia,
Remate da triunfante humanidade,
Transformada na vil mercadoria.

Autômatos escravos na cidade,
Formigas produzindo mais-valia,
O Capital roubou-lhes liberdade.

(Jean Pires de Azevedo Gonçalves)




SETE TESES

Primeira tese

A vida cotidiana se constitui e se estabelece no mundo moderno; se situa cada vez mais como um nível de realidade dentro do real. Resulta por sua vez funcional e estrutural; se dissolve porque se refere cada vez mais à vida do trabalho, privada, no lar, no tempo livre, no lazer (entretenimento). Ao mesmo tempo, ela se dissolve em monotonia, porque em todos esses aspectos existem uma passividade, uma não-participação, um espetáculo generalizado, uma impotência para participar tanto da vida privada quanto da vida recreativa. Esta cotidianidade é cada vez mais inaceitável. A crítica do cotidiano é a única na atualidade que põe em tela de juízo a cultura, o conhecimento, a política; e é a única que abarca a totalidade e que desempenha o papel da negatividade tal e qual no pensamento de Hegel e Marx.

Segunda tese

Uma vez que a vida cotidiana estava integrada na arte, no sagrado, na religião, ou seja, se se preferirmos assim, a arte fazia parte do cotidiano, penetrava o seu interior. Os objetos mais humildes carregavam a marca da totalidade social e artística. No passado, com todas as reservas que podem ser feitas sobre esta nostalgia (e suplico que não me acusem de "pedantismo"), os objetos mais humildes, como uma colher, um armário, um cofre, enfim, traziam a marca de algo muito mais geral do que a mão do artesão.

Terceira tese

Este estilo que penetrava na vida cotidiana se diferencia da cultura (do que hoje nós chamamos de cultura).

Quarta tese

A cultura tem todos os seus aspectos, a arte e o esteticismo, a moralidade e o moralismo, ideologias como tais, acompanham a cristalização da vida cotidiana no mundo moderno.

Quinta tese

Sob essas condições, a cultura é dividida em duas partes: a cultura de massa e a cultura da elite. A primeira é entendida ao nível do cotidiano, penetra-o, através do rádio, da televisão, dos discos, mas não o transforma, não o transfigura; em suma, deixa suas características de monotonia e passividade, não o englobando numa unidade, não lhe conferindo um estilo. Quanto à cultura da elite, é uma arte experimental, de vanguarda, como a literatura de vanguarda, inacessível, irredutível à cultura de massa, mas não relacionada à vida cotidiana.

Sexta tese

A arte, como tal, passa por uma crise e por uma transformação radical, por causa dessa divisão a que acabo de aludir e que é destrutiva para a arte.

Sétima tese

A arte que não está no cotidiano desaparecerá, pois a arte estará a serviço da vida cotidiana, para transformá-la, para mudá-la realmente e nunca apenas para transfigurá-la idealmente. Neste sentido, a arte permitirá criar vida e, portanto, vivê-la, ao invés de descrevê-la ou representá-la; a arte, então, vai se dispor de todos os meios da estética, incluindo a música, a pintura e, acima de tudo, a arquitetura.

Esta é a última tese. Durante o colóquio, eu voltarei a ela se vocês assim desejarem, mas antes eu quero me remeter a um exemplo. Um fragmento musical de Stokhausen já não significa nada, não exprime nada, mas constrói um tempo e um espaço pelos quais se atribuem a possibilidade de se tornar espaço e tempo na vida concreta. É possível, usando a música, a arquitetura ou a pintura, criar algo que seja mais do que uma simples decoração ou pintura, para realizar a transfiguração, uma transformação da vida cotidiana. Esse é o destino, a vocação de uma arte que não será mais o que chamamos de arte simplesmente e passará por transformações que, de fato, já estão ocorrendo. Nós a viveremos, ao invés de assistir ou ouvir obras estranhas à vida. A própria noção de obra de arte está prestes a se transformar diante dos nossos olhos. Nossa obra de arte será a nossa vida, com todos os meios disponíveis, da técnica, todos os meios que ainda são atribuídos ao que ainda chamamos de arte.

Vamos primeiro considerar a cultura de massa. Trata-se de consumo devorador, em escala gigantesca. Vive-se para comer, para destruir a arte, a literatura antiga, os estilos; abstraídos, por outro lado, da própria condição e vida. As massas consomem tudo o que é bonito e grandioso, destruindo e aniquilando. De fato, na sociedade tal como é hoje organizada, tudo se transforma em mercadoria. Mas de uma maneira que não é mais aquela mercadoria clássica, analisada por Marx, mas de uma "forma", a do puro espetáculo. Trata-se, portanto, de uma alienação diferente da reificação que, por outro lado, não se suprime, mas se sobrepõe. A forma generalizada da compra e venda vem aludir algo mais: a forma da contemplação, fantasmal, fantástica, da pura contemplação do puro espetáculo. No cinema, na televisão, o espectador puramente passivo não se deleita com música que escuta; apenas contempla, sem objetivo nem finalidade. Isso produz generalizadamente seres humanos estranhos, ao mesmo tempo concretos e, terrivelmente, abstratos. Nesta rápida observação sobre a arte das massas, vemos por fim a arte propriamente dita.

Há uma literatura na forma do ensaio, de enorme Interesse público e que não renuncia nunca um auditório, mas que é restrita a parâmetros comerciais. O exemplo típico é o surrealismo. Poderíamos citar Rimbaud, cuja vida tem sido exemplar e emblemática: o grito poético e depois o silêncio. Mas o que eu realmente gostaria de atentar é para o que ocorreu por volta de 1910. Nessa época, produziu-se um desmantelamento de todos os sistemas de referência. Por quê? Isso ainda não está muito claro. Todavia, desapareceu, ao mesmo tempo, tanto a linha do horizonte quanto o espaço perspectivo (é a época das primeiras obras de Kandinsky, nas quais desapareceram a perspectiva e a linha do horizonte); ou ainda, o sistema tonal do livro da Harmonia de Schoenberg, que foi publicado em 1913. É o momento em que a referência ao real e à realidade é estraçalhada e sucumbida (a poesia de Apollinare). O que aconteceu? Novas técnicas entram em jogo: a luz elétrica, o motor, o automóvel, a aviação, a velocidade; e, ao mesmo tempo, novas relações sociais são impostas: o capitalismo de concorrência, analisado por Marx, desaparece para dar lugar ao capitalismo monopolista. Neste ponto quero formular uma hipótese, só uma. (É uma pena que Roland Barthes não esteja mais aqui para discutir isso). Nós não fomos capazes de produzir muito neste período, de 1910, por uma razão muito profunda: uma ruptura da antiga relação indissolúvel dos significados e dos significantes, entre a denotação (o real designado) e a conotação. Será então que os signos permanecem ligados ao cotidiano enquanto os significados se demoram ou, ao contrário, modificam-se por causa das transformações técnicas e sociais? Não se teria sido produzido nesta época um atraso entre significantes e significados? E a arte e os artistas, poetas e literatos, se instauram no significante. Seria verdadeiramente curioso seguir, a partir deste ponto ou ponto de vista, a relação exata entre signos significados-significante e, por exemplo, o corpo de uma mulher desde, digamos, as primeiras obras de Picasso até aquelas expostas neste ano. Ver-se-á, ao meu entender, como é acentuado, no signo, a ruptura entre o significado e significante; como há uma sobrecarga de significantes e como essa ruptura acompanha uma espécie de crueldade crescente para com o significado, que se afasta em outra direção, que é continuamente distante, invocada e usada novamente com habilidade prodigiosa. O que eu estou querondo dizer é que uma vez que a ruptura é produzida, no signo, entre significados e significantes, alguns se instalam nos significantes enquanto os significados fogem. Eles aprofundam a destruição de uma relação que parece indissolúvel e fundamental. Aí então vem o dadaísmo, surge numa data muito importante, 1917, através de apenas duas breves palavras "da-da", quando, ao fim da primeira guerra mundial, se manifestam verdadeiramente a arte moderna, o pensamento e a literatura. Há uma ruptura. O dadaísmo constitui ao mesmo tempo uma revolução, uma negação global da literatura e da arte, uma negação da vida burguesa, uma tentativa de revolução verbal, somente verbal, mas total, à sua maneira. E, então, segue-se o surrealismo. A linha é contínua: dadaismo, surrealismo, letrismo. O surrealismo, no começo, significa uma revolução total contra a linguagem, a literatura e a arte. Não a tudo! Destrua tudo! Até bem mais tarde, não há nenhum tipo de restituição dos valores (dos valores clássicos admitidos), que levaram Aragón a se tornar quem é e Breton a ser, novamente, um homem de letras no sentido usual da palavra, contrastando com a sua primeira fase.

Mais tarde, houve outras tentativas de antipoesia, ou antiliteratura, para fazer literatura em seguida. O êxito veio no momento em que se retorna às formas usuais e clássicas. Começa com o antiteatro para fazer a continuação do teatro. O exemplo de lonesco é excepcionalmente interessante, porque ele está prestes a se tornar um autor oficial e "clássico", e ainda assim ele começou com o antiteatro. De fato, caminho do êxito é duro para a inspiração!

Isto é ainda mais verdadeiro no caso das artes plásticas ou da música. Quando ouvimos um concerto de música concreta, nos perguntamos primeiro o que aconteceu com a noção de obra, porque o compositor é um técnico, um engenheiro de som. Não perguntamos onde estão as categorias habituais de expressão e significado, porque não há mais expressão nem significado. Eu tenho a impressão de que Boulez faz o que todo mundo faz: ele começou a fazer antimusica e acabou fazendo música bonita e boa, com grande êxito.

Alguns heróis da arte querem acreditar positivamente não serem destruidores; o que acontece é que eles, às vezes, destroem o objeto; às vezes, o sujeito; às vezes, o equilíbrio; às vezes, o drama. Para citar um exemplo, vamos pensar, por um lado, em Joyce e Kafka e, por outro, na descrição interminável do objeto. Alguns dramatizam demais, outros dramatizam exageradamente. Eu me pergunto (sempre como hipótese) se o divórcio entre os significantes e os significados, entre o equilíbrio e o drama, entre o objeto e sujeito, não constituirá um fenômeno sociológico.

Ao lado dos que se consideram criadores, construtores e, cuja trajetória leva à nouveau roman, existe a linha dos negadores, que continua. Eu tenho dito já em muitas ocasiões e me permito repetir aqui. A obra característica de nossa época, ao menos segundo minha interpretação, é a de Artaud e Robbe-Grillet, e Beckett com essa espécie de autodestruição da obra mesma. Quem viu Madeleine Renaud saindo de um monte de escombros recitando um texto, num verdadeiro escárnio de tudo, incluindo o teatro, quem a viu, não se esquecerá.

Na linha dos negadores, ocupa um lugar especial Malcolm Lowry com seu romance Au-dessous du volcan, e que me parece uma das obras mais ricas destes últimos anos. E, neste ponto, farão objeções: e o socialismo? O realismo socialista? Ocorre tal como se a missão histórica (e aqui a caracterizo intencionalmente) do socialismo fosse levar a arte até seu fim mesmo, porque as obras do chamado realismo socialistas têm, talvez, um grande valor de propaganda, mas nenhum artístico. De tal forma que o grande cenário da destruição e da autodestruição da arte do realismo socialista me parece ocupar um dos primeiros lugares.

O último ponto crucial (ao qual creio não esgotarem os meus quarentas minutos, tanto assim que resumi, por medo de ser interrupido), o último ponto importante é o seguinte: eu me recuso a tomar uma posição acerca da linguagem, o seu lugar na ciência e no conhecimento. Seria a linguagem o protótipo da inteligibilidade? A linguagem é um reflexo mais ou menos verdadeiro da história e sociedade? Recuso-me a tomar uma posição aqui nesta discussão. O importante é que estamos participando, em síntese, de uma espécie de fetichização da linguagem e de sua dissolução. A linguagem é fetichizada. Ela é considerada uma espécie de absoluto, fonte não só de inteligibilidade mas também de condutor social. Tudo se consistiu em linguagem. Neste sentido, eu teria de recorrer à linguagem para resolver todos os problemas. Este fetichismo não é obra destes últimos anos, do trabalho de Lévi-Strauss ou Saussure. Remonta a Alquimia do verbo, através do qual os poetas se imaginavam transfigurar poeticamente e metamorfosear o real, ou seja, a vida cotidiana. O fetichismo é, portanto, antigo. Acompanha, precisamente, a ruptura entre os significantes e os significados, dos quais acabamos de falar. Quem assistiu a exposição de Roland Barthes, em sua aula inaugural no Collège de France, sobre a história da literatura, teria mencionado (não sei se ele assim o fez) um texto de Paul Valéry. No texto, Valéry diz abertamente que é necessário reabilitar e reinterpretar figuras retóricas.

Existe, portanto, um fetichismo da linguagem e, ao mesmo tempo, uma extraordinária linguagem para ser dissolvida sob os mais diferentes aspectos: meios audiovisuais, utilização virtuosa e acrobática da linguagem. Às vezes, são os mesmos que fetichizam e os que destroem a linguagem, de tal forma que esse homem extraordinariamente inteligente, que é Raymon Queneau, diretor do grupo "Oulipo", faz arte combinatória. Vocês conhecem os milhões e milhões de sonetos escritos com a combinação de alexandrinos que podem ser agrupados de forma arbitrária. É o mesmo que Zazie dans le métro. A primeira linha: Doucékipudonktan já é um assassinato de linguagem.

Simultaneamente, há o fetiche da comunicação. Ah! que maneira de se lidar com a comunicação quando se percebe que se está só e não há comunicação! Que estranha é essa simultaneidade entre a solidão e o estudo das comunicações! Uma revista chamada Aléthéia editada por um grupo de jovens, na qual podemos ler o seguinte sobre os filmes de Resnais (se eu pudesse me estender sobre os filmes de Resnais, correria o risco de discutir acaloradamente com Lucien Goldmann): "Muriel é o lírico e irônico em uma cidade, em sua inquietude, no momento do referendum. Essa preocupação? Um universo da palavra em ruínas, um monte de insucessos e de lugares comuns sobre os que murmuravam mil palavras justificadoras e não nomeadas, mentiras de jogadores, um universo da palavra no que já não se pode contar nada... no qual cada frase tem acentos de disputas (o que põe de manifesto Resnais mediante mudanças bruscas de planos depois de uma frase mediante ao silêncio), dos seres desarraigados por esta linguagem de deriva”. Esta análise de um filme por um grupo de jovens é muito oportuna. Destruição. Mas destruição de quê? Da vida burguesa por não saber ter sido outra coisa. Autodestruição. Mas autodestruição da arte, posto ante à alternativa de se criar outra coisa, isto é, de transfigurar a vida cotidiana. Estes dois aspectos da autodestruição e destruição me parecem complementários e solidários, dentro do quadro que os tem oferecido sob o signo da negatividade.

(LEFEBVRE, H., “De la literatura y el arte modernos considerados como procesos de destrucción y autodestrucción del arte”, in: LITERATURA Y SOCIEDAD: PROBLEMAS DE METODOLOGÍA EN SOCIOLOGÍA DE LA LITERATURA – Roland Barthes, Henri Lefebvre e Lucien Goldmann, Ediciones Martínez Roca, S. A.: Barcelona, 1969).


sábado, 1 de dezembro de 2018

O. Henry - A identidade secreta

A real identidade de O.Henry, um dos maiores contistas norte-americano, só veio a público em 1916. Seu verdadeiro nome era William Sydney Porter. Nascido em Greensboro, Carolina do Norte, em 11 de setembro de 1862, O.Henry, quando adulto, tinha sólida conformação física, ombros maciços e feições carregadas. A um jornalista sugeriu: “Diga apenas que minha aparência é a de um açougueiro saudável”. De fato, o escritor evitava os holofotes e quase nunca tirava fotos. Seu passado era mantido em segredo.

Em sua juventude, o escritor trabalhou como farmacêutico mas, por motivo de saúde, acabou indo para o Texas no ano de 1882. Apaixonou-se pelo oeste e a vida na fazenda tornando-se um exímio vaqueiro. Cansado da vida do campo, pouco depois se empregou em um escritório. Caindo de amores por uma bonita moça de Austin, Athol Estes, fugiu com ela. Depois do nascimento de sua filha, Margaret, passou a trabalhar de caixa no Banco Nacional de Austin. Nas horas vagas, exercitava a pena na publicação de um pequeno semanário que teve efêmera duração, The Rolling Stones.


A confusão reinante no banco não era pouca, que não justificasse a irritação de O.Henry. Certa vez passou dois dias à procura de uma diferença no caixa, para ser informado depois, por um dos funcionários, que a diferença provinha de fato de este ter retirado cem dólares sem haver preenchido o vale de adiantamento. Quando outras irregularidades foram encontradas nos livros de contas de O.Henry, os diretores do banco recusaram-se a processá-lo, repondo a diferença.

O.Henry deixa o banco. Mas em julho de 1896, precisamente quando trabalhava intensamente como jornalista, é intimado pelas autoridades para voltar a Austin e responder no processo em que era acusado de apropriação fraudulenta de somas em dinheiro. Parte desta quantia, de acordo com a denúncia, teria sido desviada quando fazia já vários meses que O. Henry deixara de trabalhar no banco.

Mas, em lugar de ir diretamente para Austin, Porter foge para a Honduras, na América Central. De lá, insiste com a mulher para se encontrar com ele. Ela, no entanto, já não podia ir. Sofria de tuberculose. O.Henry então volta para os EUA e passa ao lado esposa em seus últimos momentos.

A justiça o submete então a julgamento e, em 17 de fevereiro de 1898, é condenado a cinco anos de prisão. Um dos jurados que votaram pela culpabilidade do réu, declarou mais tarde: “O. Henry era inocente e se eu soubesse naquela época o que sei agora, nunca teria votado contra ele”. A circunstância da fuga foi entendida como uma confissão de culpa. Além disso, não ajudou o advogado de defesa, que se manteve num silêncio quase desdenhoso durante todo o julgamento.

Em abril de 1898 começou a cumprir a pena. O médico chefe da penitenciária de Ohio conta que certa vez O. Henry lhe declarou: “Nunca roubei na minha vida. Vim parar aqui por peculato, mas jamais toquei em um só centavo. Alguém, que não eu, deve ter ficado com o dinheiro”.

O moço de 36 anos que dera entrada na penitenciária mostrava inteligência como escritor, mas não se tinha fixado em coisa alguma: fora uma espécie de pau para toda a obra, um aventureiro. Já o homem de quase 40 anos que sai da prisão é um trabalhador infatigável, um escritor consumado, cujas histórias já tinham aparecido nas revistas logo no começo do seu segundo ano de cadeia.

Ao sair da prisão, O. Henry começa a lançar as suas histórias em todas as revistas populares de sua nova cidade. Nova York – Bagdá sobre subway, como ele chamava.

À medida que sua fama ganha força, tanto o solicitam, que a saúde começa a traí-lo. Não obstante, casa com uma amiga de juventude, Sara L. Coleman, em 1907.

Nessa época devia fazer fortuna, mas ele simplesmente não sabia como controlar os seus próprios recursos. Além disso, era proverbial sua generosidade com os abandonados da sorte.

Na primavera de 1908, ao mesmo tempo em que chegava ao pináculo da fama, seu sofrimento lhe abatia por completo. Já não tinha a aparência de um açougueiro saudável.

No último ano de sua vida foge-lhe a saúde com grande rapidez. Aos 47 anos tinha vivido muitas vidas.

(H. J. Forman, amigo de O. Henry).

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Jimi Hendrix, o black power do rock

No dia da Consciência Negra, em busca das origens do rock, com vocês: o maior guitarrista de todos os tempos, Jimi Hendrix!!!


Nascido em Seattle, no ano de 1942, Johnny Allen Hendrix, ou, simplesmente, Jimi Hendrix, cresceu em uma família desestruturada, marcada pelo alcoolismo e por disputas pela guarda das crianças. Nada que abalasse o talento musical extraordinário de Jimi, ainda latente. Na escola, o menino costumava carregar uma vassoura que fingia tocar como se fosse uma guitarra. Certo dia, quando ajudava seu pai a limpar a garagem de um vizinho, Jimi encontrou um ukulele de uma corda só e pôde, enfim, aposentar a vassoura. De posse do novo instrumento, o futuro exímio guitarrista aprende a tocar de ouvido "Hound Dog", de Elvis Presley. Era um sinal promissor!


Em 1958, o ukulele foi substituído por um violão do qual o adolescente não se separava. Passava horas a fio aprendendo a tocar músicas que ouvia no rádio. Como a família de Hendrix não podia pagar a mensalidade de uma escola de música, Jimi nunca aprendeu teoria musical. Por isso, vivia importunando músicos de blues, para que estes, apesar de alguma relutância, o ensinassem as suas técnicas musicais.

Expulso de sua primeira banda, por ser, digamos assim, “muito exibido”, Jimi aos 19 anos é convocado pelo exército e serve como paraquedista. Nada que o fizesse perder sua paixão pela música. Apesar de suas obrigações na caserna, ele continuou a tocar em clubes, tendo como parceiro o baixista Billy Cox, com quem mais tarde, em 1969, formaria a famosa Band of Gypsys.


Dispensado do exército, Hendrix continuou a trabalhar exclusivamente como músico para vários grupos de soul e RnB, dentre eles, Sam Cooke e Isley Brothers. Pulando de show em show, Jimi Hendrix deixou os Isley Brothers e, em 1965, entrou para a banda de Little Richard. No entanto, a incompatibilidade de Richard com Hendrix logo se revelaria na implicância daquele com o figurino e o estilo musical do guitarrista, que foi demitido logo depois de sua primeira aparição na TV, quando fazia parte da banda de apoio no show de Buddy and Stacey:

Jimi Hendrix se muda então para Nova York e dá sequência à sua carreira solo. Numa de suas apresentações, Linda Keith, namorada de Keith Richard, ficou hipnotizada diante da estranha técnica do guitarrista e o recomendou a vários empresários do meio artístico. Nisso, o ex-baixista do The Animals, Chas Chandler, ficou tão impressionado com as incríveis habilidades virtuosísticas de Hendrix, que o convenceu a se mudar para Londres e formar uma banda com ele. Em setembro de 1966, a Jimi Hendrix Experience foi formada assim que o baterista de jazz Mitch Mitchell e o guitarrista e baixista Noel Redding foram recrutados por Chandler. O grupo grava um cover da música Hey Joe, de Billy Roberts, e Jimi Hendrix é lançado ao cume do estrelato do rock’n’roll.

Uma das curiosidades pouco conhecida a respeito do grande guitarrista era o fato de que, apesar de canhoto, Hendix também tocava violão para destros. De fato, Hendrix era ambidestro e podia tocar tanto com a mão esquerda como com a direita – ele tocava com a mão direita quando era jovem, porque seu pai associava instrumentistas canhotos a músicos do diabo.

Em meados dos anos 60, Jimi Hendrix passou a tocar com uma Fender Stratocaster, invertendo o instrumento para adaptá-lo a um canhoto, o que lhe possibilitou alcançar um tom não convencional devido à tonalidade invertida dos captadores e do maior controle sobre os botões de volume e do whammy bar (alavanca).

Ao adotar técnicas como hammer ons, heavy vibrato e slur licks, Jimi Hendrix criou um estilo novo e emotivo, que raramente se ouvia antes dele, fusão de seu amor precoce pelo soul e blues, além do rock moderno e estilos psicodélicos, transitando de forma fluente por todos esses gêneros.

A característica musical mais notável de Hendrix, no entanto, era a extrema liberdade e criatividade de suas experimentações sonoras, dentro e fora do palco. Por exemplo, ele usou um oitavo pedal de duplicação, desenhado por amigo Roger Meyer, durante a gravação do solo da música Purple Haze e, ao ouvir Eric Clapton e Frank Zappa, Hendrix também experimentou o pedal wah-wah, sendo pioneiro no efeito de uma ferramenta musical que poucos conseguiram reproduzir.

Por meio dessas experimentações sem fim, Hendrix dominou o ruído do feedback dos amplificadores, incorporando-o a suas músicas. Em Machine Gun, um épico musical de 12 minutos, Hendrix reproduz o feedback para simular sons de jatos, bombas e rifles M16, utilizados pelos EUA na Guerra do Vietnã, criando um dos hinos pacifistas mais eloquentes da geração hippie engajada no flower power.


Mas a grande atração de Jimi Hendrix sempre foi a sua incrível familiaridade com o instrumento. Tocava guitarra entre as pernas, por trás da cabeça ou até mesmo com os dentes – um pesadelo para os dentistas que o atendiam após os shows. Numa dessas apresentações, o célebre Eric Clapton – considerado um dos maiores guitarrista de todos os tempos – teria saído do palco incrédulo quando o então desconhecido e novato guitarrista o atropelou com a música Killing Floor.

Assim, a medida que a fama de Hendrix aumentava, mais o guitarrista extrapolava suas performances, muitas vezes quebrando sua guitarra ou os amplificadores do palco. Sua atuação mais icônica se deu no festival de Monterey, em 1967, quando, diante de uma plateia boquiaberta, Hendrix ateou fogo em sua guitarra e depois a fez em pedaços.

Em 18 de agosto de 1969, o lendário guitarrista subiu no palco do inesquecível festival de Woodstock e tocou ininterruptamente por quase duas horas - uma das mais longas atuações de sua carreira. A marcante apresentação não deveu apenas pelo hino dos EUA distorcido nas cordas do indomável Hendrix. O guitarrista fechou o show com um longo medley que incluiu a performance de Star Spangled Banner, que se tornaria emblemática nos anos 60.

É por essas e outras que Jimi Hendrix é considerado o melhor guitarrista de todos os tempos, fazendo de seus solos de guitarra algo comparável a uma Ilíada ou Odisseia do rock'n'roll.

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Henri Lefebvre e a produção do espaço na Geografia

Vivemos em um mundo marcado pela incerteza. A quase 30 anos atrás, ante a queda do Muro de Berlim e do colapso soviético, a imprensa e a opinião pública esclarecida bradavam aos quatro ventos o fim das utopias. Não era um grito de desforra, afinal. Era, no fundo, um lamento, oculto e pessimista. Pois a experiência histórica não revelava apenas o fracasso do socialismo real (este, sim, festejado), mas o que havia de mais positivo nele: o devaneio iluminista de um futuro melhor, mais justo e igualitário. 


Um mundo, enfim, em que os seres humanos, através da razão, comandariam sua própria história. Naquela ocasião, um teórico hegeliano do capitalismo, Francis Fukuyama, não se fez por esperar e publicou o livro “O fim da história e o último homem”. Segundo o autor, a história coroava por fim o triunfo da sociedade de mercado, enquanto escopo racional da humanidade. Vã ilusão; o capitalismo não solucionou o mais grave de todos os problemas humanos, presente desde tempos antediluvianos: a fome. De fato, ao invés de universalizar o american way of life (hoje, em decadência também), sob a égide do neoliberalismo, a desigualdade e extrema concentração de riqueza vêm aumentando ano a ano. Fato incontestável: a utopia capitalista também malogrou e sucumbe na queda tendencial da taxa de lucro.

Na atual crise em que mergulhou a sociedade brasileira – reverberando uma crise mundial, – duas tendências estão em choque: o futuro e o passado.

A sociedade urbana, ainda em estado embrionário, virtualidade que não se fez presença, com sua reivindicação plena na diversidade, germina à sombra de poderosas forças conservadoras, resíduos de categorias históricas. Luta encarniçada, violenta, em um cenário no qual nenhuma contradição foi superada. Ao contrário, novas contradições emergem e juntam-se às antigas, persistentemente históricas. À escassez do “pão” (miséria, fome, doença), soma-se, agora, a escassez de espaço (devastação, poluição, aquecimento global, déficit habitacional, crise hídrica, superpopulação).

Eis a grande problemática da geografia atual e que permeia toda a questão da produção do espaço. Aliás, a geografia só voltará a ser uma ciência prestigiada se colocar em primeiro plano as considerações acima, formuladas pelo filósofo francês Henri Lefebvre.

(Jean Pires de Azevedo Gonçalves)

Veja também nossos artigos "Sete teses sobre a arte e a crítica vida cotidiana, por Henri Lefebvre" e A produção do espaço: de Henri Lefebvre à Geografia e o resumo e comentário, feito por nós, de O Nascimento da Tragédia (Nietzsche).

Muito antes de Fukuyama, em 1970, para ser mais exato, Lefebvre já havia escrito um fim da história muito mais profícuo, em termos intelectuais, e que, além disso, parece retratar o mundo atual em cores muito mais vibrantes. Trata-se de La fin de l'histoire: arguments (O fim da história, Publicações Dom Quixote: Lisboa, 1971), no qual transcrevo aqui alguns fragmentos abaixo:

*****

O FIM DA HISTÓRIA
(fragmentos)

Fim da história. Fim do sentido da história. Sentido do fim da história. Estes três temas entrelaçam-se. Aqui, o terceiro tema domina os outros.

Para os seus fundadores (Hegel e Marx), a história unia indissoluvelmente verdade e sentido. A verdade falhou. A história que comporta a verdade de todas as coisas? A história que oferecia a sua própria verdade? Tais afirmações volveram-se em interrogações e a dúvida sucedeu o questionamento. O sentido separa-se da história e vira-se contra ela. Qual era então, qual é o seu sentido? Na falta de verdade, que ela declare a sua direção. Ora, o seu sentido era o seu fim. E os fundadores sabiam-no. E o fim continha também a verdade. Mas então, se a história tem de acabar, se esse fim é ao mesmo tempo a sua verdade e o sentido, tal fim não será um fato em vias de realização ou já realizado? Nietzsche terá razão (terá por ele a razão, e não só a sua interpretação). Deste modo, a questão do sentido do fim passa ao primeiro plano. (...)

Durante muito tempo, a noção de “histórico-mundial” é admitida sem exame. Hoje essa unidade já se impõe. O histórico e o mundial já se não coincidem. O mundial ergue-se sobre as ruínas da historicidade como não histórico, pós-histórico, trans-histórico.

É difícil pensar que uma vida real, passando sob um arco do triunfo gigante, desemboque na mundialidade. Não será necessário transpor um limiar na proximidades do qual se descubra um horizonte de terrores: terror nuclear, terror estatal, terror generalizado pela violência, estranha contrapartida da pouca estranha satisfação dos consumidores? (...)

O fim da história é talvez a sua destruição violenta, a sua autodestruição. A tragédia readquire os seus valores. É o menos que se pode dizer. (...)

Sob vocábulos diversos, socialismo e comunismo, sociedade de abundância, ou ainda “era pós-industrial”, anuncia-se uma sociedade sem violência. Será ela o reino do tédio? É um grande problema. (...) No entanto, nada garante que a sociedade que se anuncia seja de repouso total. Acumula-se novas contradições, enquanto nenhuma contradição antiga está completamente resolvida. Nada prova que a nova época terá superado todos os conflitos, que as contradições ditas históricas terão desaparecido, que a dialética tornará a encontrar a historicidade no reino das sombras. A luta contra a natureza não acaba, nem a luta contra aqueles que apenas se ocupam da luta contra a natureza (sujeição e dominação técnicas, e por conseguinte devastação mortal da natureza). O trajeto que vai das particularidades às diferenças conhecidas e reconhecidas como tais não será falho de animação. A problemática urbana recorre a causas e razões de conflitos; os não-violentos, os seus imensos ajustamentos, não fazem passar à conta da historicidade caduca nem a guerrilha urbana nem a revolta dos guetos. São aspectos contraditórios da era trans-histórica. Nestas condições, que será o indivíduo digno desse nome? Aquele que resolver as contradições à sua volta, em si. Se se aborrecesse não seria digno desse nome. (...)

Na prática social pós-histórica, que se desembaraça das tendências anteriores (isto é, segundo esta perspectivação, na sociedade urbana), há descoberta e invenção de múltiplos códigos em caso de necessidade, há restituição de códigos antigos. O tempo histórico (unitário), enquanto referencial, é abandonado. Se o instante e o presente se sobrepõem ao passado, o atual diversifica-se e distancia-se. O tempo multiplica-se e dês-multiplica-se. A diversidade de mensagens (de codificações e descodificações) acentua-se, dando a impressão duma desordem sem fim. O reino da diferença começa. (...)

A história era a superação (seja por aufheben, seja por uberwinden, cambiante secundário). Loucura breve. O ser humano? (...)

Atenção, as massas agitam-se, as que estão acima das nossas cabeças, as que que nos rodeiam, as que fermentam na terra. O trans-histórico não é talvez o que esperais. (...)

Resta que o período histórico definiu um corpo de necessidades. Definição incompleta, contraditória. As necessidades sociais que só podem alargar-se na sociedade urbana continuam mal apreendidas, mal definidas, rejeitadas sem o “cultural”. Podemos todavia reter esta noção de “corpo históricos”, como resultado e resumo antropológico duma certa historicidade. O esquema dos períodos tornar-se-ia então o seguinte:

a) Período agrário: vitalidade, densa, dura e espontânea: desejo, mal definido e não diferenciado, mas forte;

b) Período industrial: mutação do desejo em necessidades classificadas e catalogadas, manipuladas, submetidas a uma prática homogeneizante em contradição com a diversidade, donde um profundo mal-estar;

c) Período urbano: restituição do desejo, reposição da realidade e da separação das necessidades (esquema economista), não aquém do individualismo (esquema naturalista), mas além, ou seja, reconhecimento da diversidade (da diferença) dos desejos na unidade do desejo. A “corporeidade” suplanta simultaneamente a ontologia e a história! (...)

Seja como for, parece impossível apresentar o período indiscriminado como um simples fim dos redemoinhos históricos, paragem do movimento, e por conseguinte das violências, entrada na estagnação sem fim. Poder-se-ia imaginar uma perpétua violência, acontecimentos sem trégua, mas sem que as mudanças se encadeassem à maneira histórica. Assim, os fenômenos urbanos: guerrilhas, imensas reuniões pacíficas etc. Não passa, porém, duma hipótese extrema, que não leva em conta certos elementos: a luta de classes levada a cabo, a intervenção do pensamento do pensamento teórico etc.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Ecologia: um equilíbrio entre consumo e sustentabilidade

Por Annina Ramona

Hoje em dia está cada vez mais difícil falar de consumo e sustentabilidade separadamente, haja vista que a população e seu nível de consumo estão aumentando, recursos naturais estão sendo usados como se fossem inesgotáveis e, em razão disso, os problemas ambientais estão crescendo.



Com os avanços na área da saúde, a taxa de mortalidade está diminuindo, principalmente, em países desenvolvidos; em contrapartida, países pobres ainda têm uma taxa de natalidade bastante alta. Isso contribui para o aumento populacional, além de outros fatores. A tecnologia se renova a cada dia e a internet, acessível cada vez mais a inúmeros usuários conectados pelas redes sociais, influenciam as pessoas a querer consumir ainda mais.

Recursos naturais são consumidos pelas indústrias visando apenas o lucro imediato, sem pensar que eles podem acabar, trazendo consequências imprevisíveis para as próximas gerações e até mesmo para as empresas envolvidas na destruição da natureza. Além disso, a extração e manipulação predatórias desses diversos recursos podem causar danos não só à natureza em nível local, mas até mesmo em escala global.

Desde a Revolução Industrial as fábricas, máquinas poluentes, produções de bens de consumo em larga escala vêm crescendo e causando prejuízos ao meio ambiente que vão se acumulando ao longo dos anos. Com o avanço da tecnologia, porém, tudo isso ganha modernização e rapidez, tornando-se mais atrativa a vida de consumo. O crescimento urbano e a busca por recursos diminuem drasticamente áreas florestais, juntamente com a atividade intensa da produção, contribuindo para o aquecimento global, um dos mais graves problemas ambientais.

Portanto, podemos observar que a população tem inúmeras necessidades, de comprar, vender, ocupar espaços etc., mas se isso não for feito de forma consciente será prejudicial ao Planeta.  Apesar de muitos não terem total consciência disso e outros mesmo preferirem ignorar, felizmente a visão de que a Terra precisa de cuidados está aumentando. É necessário agora encontrar um equilíbrio entre consumo e preservação do meio ambiente, e para isso precisamos da conscientização e colaboração de todos.

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Roger Waters e as eleições no Brasil

Em sua turnê pelo Brasil, o ex-integrante do Pink Floyd Roger Waters causou polêmica no estádio do Palmeiras Allianz Parque ao chamar de neofascista o candidato à presidência Jair Bolsonaro, primeiro colocado no 1º. turno das eleições.

Um telão atrás do palco exibiu a frase em inglês Resist Neo-Fascism (“Resista ao neofascismo”), subscrita por uma lista de nomes de políticos suspeitos de envolvimento com práticas fascistas, dentre estes, o de Bolsonaro.



A multidão de mais de 40.000 fãs ficou dividida, enquanto alguns aplaudiam, outros vaiavam.

Logo em seguida, o telão mostrou as palavras de ordem “#Ele não”, lançada pelo movimento de mulheres contra Bolsonaro uma semana antes das eleições.

Ao que parece, Waters atendeu aos fãs que passaram meses em suas redes sociais pedindo que o ex-Pink Floyd incluísse em sua lista o nome de Bolsonaro.

A lista também inclui o presidente Donald Trump, o ex-líder ucraniano Nigel Farage e o primeiro-ministro húngaro Viktor Orban, entre outros. Bolsonaro é o único latino-americano da lista.

Depois da grande repercussão do show, vários eleitores de Bolsonaro colocaram à venda ingressos das próximas apresentações programadas pela turnê de Waters, enquanto comentários, prós e contras, inundaram a página do cantor no Facebook.

“Roger Waters, apenas cante sua música. Não meta o nariz onde você não é chamado", dizia um comentário. "Quando estiver em um outro país, não fale em política, você não sabe nada o que acontece no Brasil."

Outro respondeu: “Roger, que importa perder um fã que nunca prestou atenção em suas letras e seus valores? Bolsonaro é contra tudo aquilo que você e o Pink Floyd sempre acreditaram. É hora de lutar contra a xenofobia, o racismo, o sexismo, a homofobia e o autoritarismo. Valeu!”


segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Arturo Toscanini, o maestro carioca

Por A. M. L.

Nascido na comuna de Parma, norte da Itália, no dia 25 de março de 1867, filho de um pobre alfaiate, Arturo Toscanini entrou aos nove anos para o conservatório de Parma, onde os companheiros não tardaram em tratá-lo como um verdadeiro gênio e passaram a segui-lo com entusiasmo até mesmo num ato de indisciplina, quando Arturo organizou uma banda clandestina fora do programa escolar, resultando na punição dele e de todos os seus colegas. Mais tarde, já músico profissional, Arturo pulou de orquestra em orquestra, tocando violoncelo em teatros e óperas, até que uma noite do ano de 1886, pouco tempo depois de completar 19 anos de idade, foi repentinamente arremessado aos píncaros da fama: passou-se isto no Rio de Janeiro.


Na noite de 30 de junho, poucas horas antes da primeira apresentação de Ainda, a companhia de ópera italiana, de visita à capital do Brasil império, coagira o maestro brasileiro "Leopoldo Miguez" brasileiro Leopoldo Miguez a pedir demissão. O público, transbordante de patriotismo ofendido, vaiou consecutivamente os dois maestros italianos que lhe queriam empurrar goela abaixo, forçando-os a descer do estrado. Alguém se lembrou então do jovem violoncelista, que também era assistente e mestre de coral e que, durante a viagem, tinha se encarregado de ensaiar os cantores, dando provas de conhecer meia dúzia de regras sobre a técnica operística.

Arturo foi incentivado pelos músicos a assumir a regência da orquestra. "Todos sabiam da minha excelente memória", disse ele depois, "porque os cantores tomavam as lições comigo e eu tocava piano sem nunca olhar a partitura".

Ao ver surgir no tablado um maestro teen, a plateia ficou silenciosa. Empunhando a batuta, para dar o sinal de abertura, e quase sem reparar no que fazia, Arturo fechou a partitura que tinha no pedestal, diante de si. O público ficou boquiaberto. Aquele primeiro ato decorreu brilhantemente e Arturo era um herói popular. Um triunfo! Durante essa temporada, no Rio de Janeiro, regeu mais de 18 apresentações – todas de memória.

“Este maestro sem barba é um prodígio que transmite o fogo artístico e sagrado de sua batuta, com a paixão de um genuíno artista!”, resenhava um jornal da época.

Durante as seis semanas que se seguiram a turnê, o biógrafo Harvey Sachs escreveu que Arturo conduziu a orquestra em 12 óperas e 26 apresentações, todas de memória! Mesmo assim, ninguém lhe ofereceu um único aumento e tampouco passou pela cabeça do jovem maestro pedir por um.

Nascia o maestro carioca, Arturo Toscanini.

sábado, 15 de setembro de 2018

Meus dilemas - Excluídos - Clássicos do punk BR


Se eu tivesse de escolher dez das melhores músicas do punk nacional, desde sua origem até os dias atuais, isto é, as Top 10, não hesitaria em “Jogos de azar”, da banda paulistana Excluídos. As demais eu deixo para responder em uma outra ocasião, qualquer dia destes. De fato, os Excluídos é uma das bandas mais originais da cena punk brasileira, o que significa dizer que eles não se parecem com nenhuma outra banda, a não ser com eles próprios. Por isso, ao ouvi-los, não espere clichês ou fórmulas fáceis.


A proposta dos Excluídos é fazer punk rock de qualidade e, acima de tudo, com muita personalidade. Para mim, talvez, o que melhor define a banda é a extrema paixão com que seus integrantes fazem aquilo que mais gostam: punk rock! Mas, antes de ir direto ao ponto, caberia aqui falar um pouco sobre o show dos Excluídos, que é um capítulo à parte. No palco, Ronaldo (vocal e guitarra), André (guitarra), Caio (baixo) e Raphael (baterista), todos com uma gota de lágrima negra pintada no lado esquerdo do rosto, marca registrada da banda, encarnam completamente aquilo que poderíamos chamar de “presença de palco”. Amplificadores ligados, pulinhos ensaiados, primeiros acordes e parece que alguém ligou o playback atrás das cortinas. Mas não, os caras realmente arrepiam ao vivo. No auge do show, o som dos instrumentos é interrompido por eles e, diante do silêncio, o público levanta os braços e bate palma espontânea e sincronicamente acompanhado apenas pela marcação do bumbo da bateria. Emocionante! Até hoje só vi os Excluídos provocarem esse tipo de reação nos fãs enlouquecidos. Mas o show não pode parar e os Excluídos são bastante generosos com o seu público. Então, na sequência, já emendam um riff e o que vem depois é pura energia, contagiando freneticamente até os mais tímidos.


Realmente, os Excluídos são excelentes músicos e nada tenho a dizer a mais a esse respeito. Os vocais, no entanto, são um caso único entre as bandas punks e merecem uma pequena menção. Ronaldo é um cantor de primeira linha e consegue com extrema facilidade modular sua voz em belas coloraturas que podem ir de um falsete muito agudo até um grave ao modo de um Elvis Presley. E isso sem perder a afinação! O coro também não fica atrás, com polifonias perfeitas que se alternam em refrões que não saem da nossa cabeça.



Acontece que não estou aqui para falar da banda e, sim, de seu CD Meus Dilemas. Sem dúvida, os Excluídos levam muito a sério esse tal de punk rock. Meus Dilemas é a prova disso, a começar pela produção da capa, que é, com todas as letras, de extremo bom gosto. Tão bonito que até poderia servir de enfeite na sala de estar. Todo feito em papelão, com um suporte de acrílico interno, para segurar o disco, o CD é todo decorado com fotos da banda em preto e branco. Mas o charme mesmo é o nome da banda escrito em letras douradas – além de outras inscrições, como título, créditos, logotipo etc. (Ah, os caras me deram a honra de colocar um pequeno texto que eu escrevi num guardanapo, a mais ou menos uns quinze anos atrás, no fundo da capa. Valeu!). O encarte segue o mesmo nível da capa, com todas as letras e informações técnicas, e em formato de livrinho. O disco conta também com um pôster estampado com uma foto da banda a la Ramones e letras em inglês no verso.


Ou seja, é um baita presente para os fãs!

Em se tratando de uma banda, porém, o invólucro não é o principal e, sim, o conteúdo: as músicas!

Claro, com toda essa produção, os caras não iam nos decepcionar. As 13 canções são excelentes, diversão garantida para quem gosta e para quem não gosta de punk rock! Então o melhor a fazer é ouvir Meus Dilemas e não dizer mais nada! Mas sou o dono do blog e tenho o compromisso comigo mesmo e com os seus leitores de informar. Então, vamos à resenha! “Antes do céu desabar” é o abre alas dos disco e é inconfundivelmente Excluídos. A letra é bastante sombria e versa sobre o estilo de vida calcado num consumo cego e que põe em xeque o futuro da humanidade: “Antes que o céu venha a desabar/E a natureza anunciar/Que o vento leva a esperança/Enquanto o medo toma lugar”. A canção "Novo início" é mais uma das músicas do disco que quando a gente menos se dá conta está assobiando ou cantando o refrão: "Mas não me deixe acordar/E o pesadelo voltar/Fazendo o mundo girar/Pra fora do lugar". “Minha vida é cheia de som e fúria” é realmente BE-LÍS-SI-MA e de imediato me lembrou Macbeth, do grande bardo inglês (talvez, o autor que eu mais li; sim, li Shakespeare, mas pouco vi suas peças, porque no Brasil... arghhh!!!...). No refrão eles cantam: “E você sempre reluz/Mesmo sem nada a mostrar/O seu vazio seduz/Mas prefiro a vida cheia de som e fúria”. A canção “Coma” é uma metáfora bem interessante para se lançar uma crítica à apatia de nossa sociedade e talvez explique o estado comatoso por que passamos: “A revolução me chama/A revolução em coma”. A faixa sétima, “O show não pode parar”, bem que poderia nomear o CD, porque bem representa o espírito da banda resumido nestes versos: “Quando tudo me puxar para baixo/Respiro e grito mais alto/(...) Viver não é crime/Eu digo que o show não pode parar”. “Precipício” dá arrepios e somos compelidos a cantar o refrão: “Não, não, não, não, não/Será hora de pular?/ Não, não, não, não, não/Ou dar um passo atrás?/A quem eu devo culpar?”. Em “Um dia ideal”, os arranjos instrumentais, em particular, o solo de guitarra, é bastante empolgante e a letra sugere uma recomendação salutar para o dia que amanhece: “Hoje eu acordei vendo o sol raiar/No ar que eu respirei, havia algo a mais/Era um dia comum qualquer, mais parecia mais/Foi o instante que eu enxerguei a chance de mudar”. E para finalizar os meus destaques, não tem como não comentar a canção que fecha e que dá indiretamente o título ao CD, que é “O som da minha vida”. Numa bonita canção, os Excluídos trazem as angústias e os dilemas de se viver um grande amor. Na letra, eles cantam: “Eu não posso pensar em viver sem você/Você me faz pensar nos meus dilemas”.

Ronaldo, André, Caio e Raphael

Repetindo, Meus Dilemas é um baita presente para todas as ocasiões! O que está esperando para ouvir os Excluídos?!!!

PS.: Em longa conversa com o Ronaldo por telefone, tive um insight e classifiquei estética e nietzschianamente as músicas dos Excluídos como apolíneas. Então, quando veremos um show dos Excluídos com o dionisíaco Fecaloma? Que fique registrado!