Os incêndios criminosos na Amazônia, objetivando transformar a floresta em pasto, sob as vistas grossas de um governou que chegou a cogitar em extinguir o ministério do meio ambiente, acenderam o alerta vermelho do problema do meio ambiente em todo mundo acerca da parcela de responsabilidade a que cada um de nós está sujeito. Afinal, aquecimento global, poluição, uso irrestrito de agrotóxicos etc. colocam o destino da humanidade à beira de precipício sem volta. Por isso, ecologia não é uma opção, mas uma via de mão única: a vida no planeta depende da preservação da natureza.
Neste cenário sombrio, que
se avizinha assustadoramente, um futuro devastado e poluído, os punks deram um
passo à frente nas antigas pautas do anarquismo quando, sem abandoná-las, reivindicaram
a libertação ou os diretos dos animais como propostas fundamentais.
De fato, os anarquistas tradicionais da revolução social raramente ultrapassavam os objetivos teórico e prático da expropriação e do controle, imputados à classe trabalhadora, das unidades de produção, fábrica etc. Ainda que no ideário anarquista as questões do indivíduo, como o livre-arbítrio e a liberdade de pensamento, nunca foram suprimidas do conjunto de seu programa revolucionário, os anarquistas sempre procuraram mirar sua artilharia nas mazelas sociais causadas pelo sistema capitalista.
Porém, ao radicalizarem a
crítica do capitalismo, os anarquistas rastrearam toda uma cadeia de exploração
que ia muito além da exploração do proletariado. De fato, a ganância pelo lucro
também significava a exploração dos animais e da natureza. Muito embora estas
questões atinadas pelos anarquistas despertassem alguma crítica e ações
pontuais, só foram realmente pautadas após Maio de 68.
Neste sentido, o bem-estar dos
animais e a preservação do meio ambiente mobilizaram tendências políticas de esquerda
que ficavam fora da órbita do politiburo.
Nos anos 70, em virtude da
crise do petróleo e do desastre nuclear, o debate transcendeu os círculos
restritos de ambientalistas e ganhou atenção da opinião pública. Mas, com o
tempo, ativistas políticos, hippies e até mesmo anarquistas foram sendo
absorvidos principalmente pelos partidos trabalhista ou verde, acabando por
rejeitarem suas posições iniciais ou tornando-se moderados. O radicalismo
retornariam tempos depois, com o movimento punk.
O punk, no geral, não seguiu
os passos do anarquismo tradicional, isto é, um movimento social saído das
lutas da classe trabalhadora, mas, embora produto da indústria cultural, ao
adotar o ideal anarquista quase que por acaso, e identificando-se com as
camadas populares e pobres, transformou uma tendência musical em contracultura,
passando a contestar o “sistema” e preconizar um novo estilo de vida:
transgressor, coletivo, alternativo e auto-gestionário, tendo por base o lema “Do-It-Yourself”
(faça você mesmo).
Desde o final da década de
70, o movimento punk levou muitos jovens a formar bandas e a compor “músicas de
protesto”, incentivando-os a um ativismo político radical, visível nas
manifestações e passeatas de rua. Na cena europeia, os punks passaram também a
ocupar imóveis abandonados e a promover concertos organizados para apoiar
questões sociais e também ambientais.
Ecologia, energia nuclear,
sexismo, corporações multinacionais, exploração do trabalho, poluição, anticaçada,
antivivissecção, vegetarianismo e libertação ou direitos dos animais foram
apenas algumas das novas questões sociopolíticas que as bandas punks incluíam
em seu repertório.
Neste sentido, punk e
veganismo ou “direitos dos animais” sempre estiveram intrinsecamente ligados.
Isso fica claro nas letras e slogans das bandas punks; pelo conteúdo editorial dos
zines; pelos diversos shows beneficentes e lançamentos de discos em defesa dos direitos
dos animais e do próprio veganismo. Isso não quer dizer, todavia, que todos os
punks são veganos ou que todos os veganos são punks - mas que essa conexão não
pode ser ignorada e é parte integrante da cultura punk.
No entanto, a literatura
recorrente trata o punk de forma simplista. A maioria dos livros segue
narrativas óbvias e consagradas pela mídia conservadora e o mainstream, ao
considerar o punk apenas como um movimento musical surgido no final da década
de 1970, focando somente nas bandas bem-sucedidas comercialmente.
Há muita verdade na alusão ao
punk como um produto da indústria fonográfica e relacionado a uma moda juvenil,
de retórica anti-hippie e de jaqueta de couro; mas limitá-lo somente a esses
aspectos gerais é não compreender a semente maldita do punk, sempre preste a
germinar e que, de fato, fora de controle, se volta, como um Frankstein furioso,
contra seu criador.
Assim, neste pacote crítico
de temas bastante diversificados, a libertação e os direitos dos animais, além
da conservação do meio ambiente, ganharam destaque na cena punk. Notadamente, o
movimento anarco-punk, que foi o primeiro a incluir na sua lista de compromissos
políticos o veganismo e a libertação e os direitos dos animais, a partir de,
pelo menos, 1979. Neste contexto, os zines exerceram uma função imprescindível
ao informar e divulgar estas opiniões e ideais políticos.
A politização através do punk
envolve, portanto, conscientização e atitude. Desde o surgimento do anarco-punk,
no final da década de 1970 e no início da década de 1980, muitas bandas
passaram a divulgar informações e imagens dos horrores e dos abusos e
exploração envolvendo animais; em contrapartida, resistiam através de uma dieta
vegetariana, isto é, uma alimentação eticamente libertária como base do estilo
de vida punk.
Em 1983, a banda londrina
Conflict lançou a contundente “Meat Means Murder”, faixa do EP "To a
Nation of Animal Lovers", pela qual critica o consumo de carne e a
exploração animal.
Mas, evidentemente, o discurso
punk não se restringe a questões dos animais e do meio ambiente isoladamente
sem o respaldo do ideário anarquista. Pois, ao dirigir a crítica ao cerne da
economia capitalista, o desperdício de recursos naturais, a insalubridade das
grandes aglomerações humanas causada pela poluição e o desmatamento, o
desequilíbrio ecológico e a libertação e direitos dos animais não poderiam
ficar de fora desse escopo, já que, embora as letras das músicas punks exerçam mais
influente do que os textos anarquistas, desde Kropotkin ou Élisée Reclus, o
anarquismo sempre demonstrou preocupação com os animais não humanos e a
natureza.
Assim, os direitos dos
animais estão inseridos numa crítica abrangente contra a opressão, combinando o
veganismo com crítica econômica, os quais podem, sim, remontar aos ideais
anarquistas, o que faz do punk muito mais do que uma porta aberta para a luta por
um mundo melhor e mais justo, mas esse mesmo mundo.
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