RESUMO: COMO É FEITO O CAPOTE DE GOGOL – B. Eikhenbaum
Como é feito o capote de Gogol, de Boris Eikhenbaum, é um texto bastante complexo e, até certo ponto, difícil. Eikhenbaum parece propor uma leitura da obra de Gogol divergente da crítica tradicional. Para isso, o autor salienta aspectos formais da narrativa e apresenta soluções diferentes como chave de leitura para a obra de Gogol. Esta chave é a narrativa direta, e é através dela que Eikhenbaum extrai todos os elementos caracterizadores dessa literatura. Neste intuito, o autor empreende uma análise pormenorizada do conto O Capote, na qual nada escapa, para demonstrar sua tese. Todavia, o estilo de escrita de Eikhenbaum é bastante sinuoso (segundo alguns, devido à tradução em língua portuguesa), o que exige bastante concentração do leitor. É, no entanto, bastante satisfatória a sua crítica e parece contemplar uma compreensão adequada da obra do grande escritor russo.
O autor inicia o texto dissertando sobre a
principal característica da narrativa direta, isto é, o papel de que nela
desempenha o narrador, sobressaindo-se sobre estrutura da trama. Neste sentido,
as novelas de Gogol fornecem farto material; pois o enredo, pobre ou
inexistente, é apenas um catalizador para que o narrador se destacar através do
uso de um tom de caráter mímico e declamatório, permeados por anedotas, efeito
cômico e trocadilhos. Assim sendo, um aspecto interessante na obra do escritor
russo é o fato de que Gogol foi um grande leitor de sua própria obra, ressaltando-se
dois estilos de leitura: a declamação patética e melodiosa e a imitação mímica.
Esta capacidade de leitura de sua própria obra caracteriza sua narrativa direta
a partir da oralidade e das emoções inerentes ao discurso e, portanto,
enfatizam mais a gesticulação do que o encadeamento lógico racional do enredo.
Neste particular, os nomes dos personagens são cuidadosamente escolhidos,
sempre procurando o efeito cômico, por meio de trocadilhos, e que eleva o tom
da narrativa ao primeiro plano, relegando a trama para uma importância
secundária.
Com relação à confecção do conto O Capote, a narrativa também segue este
esquema geral. O aspecto formal da narrativa desvia-se do enredo comezinho e
extrai ao máximo toda a sua potência. No início do conto, Gogol abusa dos
trocadilhos de um modo quase nonsense,
chegando mesmo às raias do absurdo. Para definir com precisão a narrativa de
Gogol, Eikhenbaum formula a concepção de transracionalidade obtida por uma
semântica fônica muito particular. Segundo o autor, essa é uma característica
marcante de Gogol, isto é, princípios
articulatórios e mímicos, que n’O
Capote é precisamente declamatório e
patético. De acordo com este aspecto formal, não é estranho à construção de
períodos muito longos que terminam de forma surpreendentemente simples ou mesmo
algumas palavras insólitas que parecem contradizer todo o desenvolvimento do
período semântico. Outra característica do conto em questão, é o fato dos
personagens apresentarem poucas falas e suas frases aparecerem
descontextualizadas, configurando, assim, como definiu o autor, uma “linguagem
de marionete”. O conto O Capote se
inicia por um brusco mudar de tom, alterando constantemente a entonação épica
por um tom sarcástico. As anedotas permeiam a trama e sempre se destaca o
efeito auditivo da narrativa, dando a impressão de um jogo.
Esta alternância de entonação é utilizado
como um procedimento típico do grotesco. É neste sentido que o banal e o
irrisório da vida cotidiana, por meio da narrativa direta, alcançam proporções
gigantescas. Assim, a aquisição de um capote por um “mero funcionário público”
torna-se um acontecimento de magnitude incomensurável e digno de nota, do mesmo
modo que uma epopeia. Resumidamente: “Esta hiperbolização grotesca se
desenvolve como anteriormente sobre o fundo de uma narração cômica,
entrecortada de trocadilhos, de palavras e expressões engraçadas, de anedotas,
etc.” (Eikhenbaum). O final é, segundo as palavras do autor, uma apoteose do
grotesco, porém, nem totalmente fantástico nem romântico, mas um jogo fantástico
com a realidade, um grotesco reverso.
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