terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Vivemos presos - Geração Suburbana - Clássicos do punk BR


A orquestra toca os acordes finais da sinfonia (...). Julinho olha atentamente a partitura e, depois de executar a última nota, repousa o arco de seu violoncelo no estrado do palco. O descabelado maestro abaixa a batuta triunfante, vira-se para a plateia, curva-se em sinal de agradecimento e, ato contínuo, a orquestra é ovacionada pelo público. Os músicos se levantam e agradecem. Mas Julinho tem pressa e sai rapidamente. Está atrasado. Em um pequeno boteco perdido em algum lugar da periferia da cidade, Rafa e Felipe o aguardam preocupados. Olham o relógio e nada do amigo. Hora do rush, casa cheia e está quase na hora da Geração Suburbana subir no palco. Realmente, há motivos de sobra para o baixista e o baterista se preocuparem. Mas quando tudo parecia perdido, o som grave e limpo do cello é substituído pelo som nervoso da guitarra distorcida. Alívio geral. Julinho consegue chegar a tempo e o punk rock contagiante da Geração põe a galera para bater-cabeça freneticamente. Algo extraordinário aconteceu: a plateia até a pouco tão bem comportada e trajada a rigor metamorfoseia-se num bando de malucos vestidos com roupas rasgadas e cabelo moicano.


Um senhor diletante agora arranca o terno como um superman tresloucado e, girando-o a sua volta, entra ensandecido na multidão a golpes de chicote. A madame vira um copo de cachaça e sai pogando alucinada pelo salão. Alguns diriam que tudo não passa de loucura. Outros, por sinal mais lúcidos, que a mágica da música é universal. Mágica essa realizada com êxito pela banda Geração Suburbana em seu primeiro CD, lançado em agosto do ano passado.


Formada em 2003, na zona norte de São Paulo, Vivemos presos vem coroar longos anos de estrada dessa banda composta pelo trio de punkrockers Julinho, Rafa e Felipe. Isso porque o CD é muito bem feito, contando com ilustrações, fotos da banda (por Jéssica Oliveira), encarte com letras, músicas bacanas e todo feito em papelão com um miolo de acrílico transparente para segurar o disco. Mas antes de comentar o álbum propriamente dito, gostaria de relatar a minha sensação ao ouvir o disco pela primeira vez. A minha sensação foi de ter sido teletransportado para os anos mais férteis, criativos e originais do rock nacional: os anos 80. Sim, a Geração Suburbana parece ter saído diretamente de um túnel do tempo musical. E isso é incrível e necessário! Necessário porque, diante da atual conjuntura nacional e mundial, de crescente onda neonazista e potências em pé de guerra, os anos 80 com seu “rock cabeça” oferecem respostas adequadas para momentos de crise. E, incrível, porque a Geração Suburbana tem essas respostas. A começar pela ilustração da capa (de Leandro Santos), que não poderia ser mais oportuna para os dias atuais: um capitalista, um religioso e um general pondo as mãos em um homem do povo acorrentado pelo pescoço. Sob essa atmosfera sombria, as 14 músicas e mais um bônus track surpresa que compõem o álbum são fantásticas. E o que dizer então das letras? As letras são uma pedrada no conformismo e na alienação deste início de século XXI. Então vamos aos meus destaques! A música que abre o CD e nomeia o disco, “Vivemos preso”, é um rockabilly bem empolgante e sua letra já dá o tom do CD:  “Eu não quero ser manipulado por ninguém/Sou livre e me governo muito bem. (...) Cortaram suas asas, você não pode voar/Mas ninguém cegou teus olhos/Comece a enxergar”.


Na faixa “3º. Mundo”, um riff de cello introduz um punk rock que retrata bem a realidade brasileira: “Mendigos famintos/Pedindo esmolas/Famílias sem teto/Crianças sem escola. (...) Essa é a vida no terceiro mundo/Políticos se banham com dinheiro imundo”. Na música intitulada “Cores”, o refrão é bem legal e convidativo para cantar junto. A canção “Brincando de ser soldado”, lembra um pós-punk meio New Model Army com um vocal de Renato Russo. “Maldito ser humano” é uma música ecológica e alerta para os danos causados pelo ser humano ao meio ambiente, com um pingo de ironia, já que só o ser humano pode consertar aquilo que ele próprio destrói: “Mas que ser repugnante/Esse tal de ser humano/Diz ser inteligente/Mas não passa de um insano. (...) Só depende de nós mesmo/Para achar a solução/Para salvar a natureza contra a devastação”. A oitava faixa, “Apatia”, é bem ao gosto do punk e ainda vem com uma advertência: “Só com palavras não se vence a guerra”. “Homens de farda” é ótima e lembra que “Se você não obedecer vai para a prisão/Mas a gente resolve isso com propina em suas mãos”. Na faixa “Capitalismo”, uma mensagem que os capitalistas teimam em não escutar: “Uma vida não se compra, não se vende, não se ilude”. A música “Bomba” termina com um surpreendente baião: “Dona Maria que trabalha o dia inteiro/É cinco hora já é hora de acordar/Dona Maria é do povo brasileiro/Povo humilde que não cansa de sonhar/De acreditar que tudo um dia pode mudar”. E para terminar, “Rotina”, canção levada com violão e cello, é uma dessas músicas que eu gostaria de cantar junto. Mas não desligue o aparelho de som. Há ainda uma surpresa no final, uma pérola escondida, que diz muito da magia da música anteriormente aludida. Julinho interpreta no cello a “Suite No. 1 em Sol Maior”, do grande compositor Johann Sebastian Bach. (Disse para mim que havia uma certa inspiração no Fecaloma, já que minha mãe encerra os nossos discos com músicas de Bach). Como se costuma dizer, gosto não se discute, por isso convido a todos a ouvir o CD Vivemos presos da Geração Suburbana e escolher suas preferidas. Para finalizar, transcreverei a letra da música que eu mais gostei:

Nacionalismo

Queime toda bandeira
Destrua toda fronteira
Não seja mais um escravo
Não obedeça ao estado
Não morra por um país
Que nunca fez nada por você
Não faça o que não queres
Para depois se arrepender

Destrua o preconceito
Somos todos iguais
Não é a cor ou o sexo
Que nos torna menos ou mais
Faça a coisa certa
Não seja mais uma ameba
É o seu nacionalismo
Que faz a guerra

Nacionalismo nada nos traz
Nós somos todos iguais

Só traz a guerra, xenofobia
O preconceito e a
Desigualdade
Acaba com a ideia em que
Algum dia
Possamos viver em igualdade
Lutemos pela anarquia
Lutemos por solidariedade
E a luta contra o
Nacionalismo
É a luta pela liberdade


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terça-feira, 1 de janeiro de 2019

50 anos da pílula da mulher e do homem: Prêmio Colunistas

Comunicar o lançamento de um produto, sem chamar o consumidor de bebum e fazê-lo esquecer – ao mesmo tempo – de outros produtos sempre lembrados no período pós-ressaca, era o desafio da Lintas. A agência, em 1969, tinha a tarefa de lançar no mercado o Engov, medicamento que evita os desarranjos de estômago e cabeça causados por bebidas.


Alcides Fidalgo, Paulo Azevedo e Adalberto D’Alambert, mais a Helga, começaram a trabalhar na campanha. O Brasil vivia um período crítico da repressão militar e a pílula anticoncepcional entrava nas rodas de discussões sobre eficácia, efeitos colaterais e polêmicas de caráter religioso.

O tratamento solene que era dado à pílula, o status e a evidência em que se encontrava foi a saída dos criadores da “Pílula do Homem”, o medicamento da Fontoura para o Engov. O sucesso foi imediato com um retorno de vendas superando as expectativas. O anúncio (com layout terrível para nossos dias) trazia o texto falando do homem em “estado interessante”.

“O homem não toma a pílula da mulher. Mas a mulher pode tomar Engov, a pílula do homem. Com Engov você fica você de novo”. A direção de arte foi da Helga e fotos de Teodoro Spinoza. A produção foi de Maurício Carvalho. “A Pílula do Homem”, o anúncio de duas décadas.

Fonte: “Gazeta Esportiva: Propaganda & Marketing”, São Paulo, 8-11-1987.


Prêmio Colunistas 30 Anos concedido ao redator-chefe a área da criação Paulo Azevedo, autor do anúncio "A Pílula do Homem".

Segue o texto na íntegra:

Homem não fica em estado interessante. Depois de uma noitada, homem fica em estado intoxicante.

O estado intoxicante acontece também após uma reunião comercial, onde todas as dificuldades foram dissolvidas no uísque.

A verdade é que o homem come e bebe por dever social. Por isso a pílula do homem desintoxica.

Engov é a pílula do homem.

A bebida, a comida, o fumo, a viagem. Às vezes, isso dá enjoo, tontura, cabeça pesada. E o mal-estar é tanto que a gente compara a uma tempestade: ressaca. Engov pacifica a tempestade.

Engov cura a ressaca.

Por isso dizemos que Engov é a pílula do homem.

A pílula da mulher evita. A pílula do homem atenua as consequências dos excessos de bebida, comida, fumo. Enfim, com Engov foi feita a justiça. Agora, cada um tem sua pílula. O homem não toma a pílula da mulher. Mas a mulher pode tomar Engov, a pílula do homem. Ela sentirá o efeito de Engov quase na mesma hora. O estômago para de sambar. A cabeça fica limpa e boa. As coisas deixam de girar e balançar como loucas. A boca perde o gosto de guarda-chuva. Com Engov, Você fica Você de novo. E pode até aproveitar melhor as alegrias da vida.