domingo, 15 de dezembro de 2019

O que é punk? por Antonio Bivar

Neste ano dedicamos nossas publicações quinzenais de música ao movimento punk. Nosso intuito foi abordar os principais temas do punk, como Cultura Punk; Punk no Brasil (Revista Poster Som 3); Riot Grrrl – Revolução das Meninas; O Movimento Anarcopunk; Antifa; Punk, Ecologia e Os Direitos dos Animais; Squat – Okupa; Raça, Anarquia, Punk e Consciência Negra e a indispensável entrevista Fecaloma – 30 Anos de Punk Rock. Para fechar o ano e a série com chave de ouro, aqui vai um fragmento do clássico O que é punk, da “Coleção Primeiros Passos”, de autoria do escritor Antonio Bivar. Isso é só um aperitivo. Leia o livro!

Capa do livro
Edição de 1982

A formação da primeira banda punk

Quem não saía da SEX era Steve Jones. Steve, então um marginal proletário, andava numa de roubar carro. Com seu companheiro inseparável, Paul Cook (que também frequentava a loja de Malcolm desde 1971, quando tinha 15 anos), Steve conta como a dupla roubava uma bateria completa e como essa bateria fora carregada numa camioneta (também roubada). Sem contar os amplificadores que a dupla roubou. Uma vez, quando David Bowie estava fazendo um show apoteótico tipo despedida de carreira, a dupla Cook & Jones roubou simplesmente 13 microfones, 16 guitarras e o amplificador Sun de Mick Ronson (o guitarrista de Bowie). Encurtando: essa dupla tanto roubou que, como “honra ao mérito”, em 78 Paul Cook e Steve Jones voariam até o Rio de Janeiro para um encontro com Ronald Biggs, o ladrão mais famoso da Inglaterra, lendário assaltante do trem pagador inglês e que escapara sensacionalmente da prisão, fugira da Inglaterra e agora vivia no Rio, casado com uma mulata ex-passista de escola de samba.

Mas, voltando ao começo e à formação da primeira banda punk. Bem equipados, Steve Jones & Paul Cook – guitarra o primeiro e  bateria o segundo – trataram de arranjar um baixista: Glen Matlock, que trabalhava como vendedor na SEX. O trio ensaiava músicas dos anos 60, especialmente material do The Who e do Small Faces. Malcolm McLaren é convidado e aceita empresariar o trio. E todos ficam conhecendo John Lydon, que aparece na SEX. Steve Jones leva John até um toca-disco-caça-níquel, põe uma moeda e manda John acompanhar a música. Aprovado no teste, dali mesmo vão para o ensaio. John leva um choque com o som de sua voz amplificada. Nunca tinha pensado em cantar numa banda.

E o quarteto continua ensaiando. A banda já tem nome: SEX PISTOLS. Por causa dos dentes estragados, John Lydon passa a ser tratado por Johnny Rotten e assume. A essa altura Malcolm McLaren já está encorajando a banda no sentido de que os garotos escrevam músicas sobre suas atitudes e outras coisas que lhes digam respeito. Musicalmente, Matlock é omais criativo; e Rotten é o poeta que começa a escrever letras abrasivas.

A primeira apresentação da banda acontece em novembro de 1975. O resultado é amador mas Malcolm começa a criar um culto em torno de seus “protegidos”. E a banda vai melhorando. Em pouco tempo, onde quer que se apresentem, os Pistols vão causando surpresas e abrindo cabeças. 1975 vai chegando ao fim. Nesta noite a banda está se apresentando no velho Nashville – uma cervejaria que em sua fase áurea só apresentava música country & western (uma espécie de música sertaneja americana). Hoje, o público presente não tem nada de “caipira”. A maioria está no Nashville para ver os Sex Pistols. O grupo divide o programa com outra banda, a “101”. Assistindo à apresentação dos Pistols, Joe Strummer, guitarrista da “101”, decide deixar esta banda e formar seu próprio grupo: The Clash.

E vão crescendo esses grupos. Outras bandas punks começam a se formar. Malcolm McLaren é bem relacionado com a vanguarda de Londres e particularmente com o artista colunável Andrew Logan, cujo baile-competição “Miss Mundo Alternativa” proporciona anualmente um dos eventos mais hilariantes da cidade – um cabaré pirado para artistas, pseudos e a ala decadente chique: gente fascinada por qualquer tipo de acontecimento sub-Warhol.

Nessa noite, em fevereiro de 76, em vez do tradicional concurso de travestis, a atração maior da festa de Andrew Logan é um grupo adolescente, excitante e diferente: os Sex Pistols. Os convidados ficam fascinados com a agressividade da banda e intrigados com o nome do cantor, Johnny Rotten. E como tem muita gente da imprensa na festa, no dia seguinte os Sex Pistols lá são notícias.

A de anarquia

Anarquia no Reino Unido

Glen Matlock, por causa de sua educação pequeno-burguesa, continua tretando com Johnny Rotten; Glen é contrário ao idealismo do grupo e sai da banda. Sai Glen e em seu lugar, como baixista, entra Sid Vicious. Sid, o melhor amigo de Johnny. Assim o grupo parece perfeito. Duas duplas: Cook & Jones e Rotten & Vicious.

A banda assina com a VIRGIN. E lança God Save The Queen às beiras do Jubileu da Rainha, em 15 de junho de 77. A música é uma feroz agressão e uma grande provocação. E a voz de Johnny Rotten passa, melhor que nunca, a mensagem punk, arrepiando a Inglaterra inteira. A letra da música começa assim: “Deus salve a Rainha/ e seu regime fascista”. E continua “Deus salve a Rainha/ Ela não é um ser humano” e “Não há futura na Inglaterra”.

É a política do confronto em plena semana comemorativa. Não pode ser mais shakespeareano, não pode ser mais teatral. A rainha é a estrela máxima do Império nesta semana em que celebra seus 25 anos de reinado. E a outra figura-estrela nesta mesma semana é Johnny Rotten. Faltam dois dias para o Jubileu. God Save The Queen, o compacto, está em segundo lugar no hit parade. No dia do Jubileu os Sex Pistols chutam fora Rod Stewart e se ocupam do primeiríssimo lugar. E a realeza não tem como evitar a evidência da revolta da ralé. E ao contrário do conto de fada, no qual o anão fazia vênia à rainha, aqui o Joãozinho Podre mandou uma cusparada na imagem da soberana e os punks ainda espetam um alfinete de fraldas no sorriso dela. Perfeito.

(BIVAR, Antonio. “O que é punk” in: Coleção Primeiros Passos, Editora Brasiliense: São Paulo, 1982, pp. 43-46 e pp. 62-64).

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