Fecaloma: 20 Anos de Transgredir por Transgredir
por Nicolas Clash
punk rock: Fecaloma
Há vinte anos, era lançado o álbum
“Transgredir por transgredir”, da banda paulistana Fecaloma, hoje um clássico
do punk rock da geração dos anos 1990. Depois do boom dos anos 80, capitaneado
pelas bandas Inocentes, Ratos de Porão, Cólera e Garotos Podres, o movimento
punk entrou numa fase de inatividade, pelo menos musicalmente. No início dos
anos 90, não havia mais apresentações de bandas punks nos clubes e bares da
cidade de São Paulo e parecia mesmo que o referido gênero musical havia se
esgotado. Entretanto, as gangues continuaram circulando pelo centro e periferias da metrópole à procura de diversão. Entre uma peripécia aqui, outra
ali, muitos dos garotos e garotas punks tinham bandas que ficavam restritas às
“garagens” de suas casas, onde rolavam os “shows”. Este fenômeno passou
despercebido por um bom tempo. Contudo, já nos vislumbres do novo século, como
uma panela de pressão, do nada estourou uma nova onda de bandas punks que se
espalhava por todos os cantos da cidade e tomava de assalto outra vez o
cenário underground. Apareceram então os Invasores de Cérebros, Deserdados,
Execradores, Filhos da Desordem, Hiccups, Colisão Social, Gritando HC, Pé
Inchado, Cosmogonia, Phobia, Excluídos, Flicts, Calibre 12 e inúmeras outras
que não caberiam nesta breve postagem. O surgimento desta nova geração de
bandas punks foi possível graças ao baixo custo de produção do quase extinto,
hoje, CD. Os primeiros lançamentos foram as coletâneas SP Punk, que chegariam a
quatro volumes. Daí em diante cada banda passou, quando podia, a produzir seus
próprios CDs.
É neste contexto que “Transgredir por transgredir” é gestado. Com
um estilo punk rock bem cru e simples, a la Ramones, e apresentando
desafinações e erros de gravação, o Fecaloma apostava principalmente em suas
letras iconoclastas, que escandalizavam até mesmo os punks mais radicais.
Canções como Primeiro da Classe (“Eu
vou cabular/E fazer da minha vida um recreio” – refrão), O Dever Me Chama (“Quando o trabalho/O dever me chama/Eu prefiro
descansar”), Nada Vai Mudar (“Não se
anule/Vote nulo/A cidadania é uma farsa/Não passe em branco/Não seja um
número/Senão, nada vai mudar), João
Consumo (“João Consumo era tão frio quanto seu freezer/João Consumo fazia
sexo com sua televisão”), Transgredir por
transgredir (Tudo é tão vazio/Eu quero um sentido pra viver:/ Transgredir
por transgredir/Não tenho nada pra fazer/Vou sair e dá porrada”), entre outras,
causavam polêmica e, às vezes, detratação de alguns. Algumas músicas foram
espantosamente proféticas, pois, em América
Latina, a letra dizia em bom portunhol, no trecho final: “Non hay nada
mejor neste mundo/Do que uma guerrilha civil/Entre una democracia y
ditatura/Entre otra democracia e ditadura/Y assim voy viviendo mi vida/Pois yo
soy latino americano.../Hei gringos y traidores!/Façam fila no paredón/Voy
mandar usted/Sabrá Dios pra onde..”). Já O que há de errado com os vermes? incorria no nonsense (“Quando os
vermes entupirem as privadas/E saírem pelo seu nariz/Quando as crianças comerem
lombrigas/Que parecem macarrão/Quando sua filhinha pedir de Natal/Uma tenia solium/Quando sua esposa estiver
grávida/De uma minhocoçu”). A canção intitulada simplesmente É também vai por essa linha e o refrão dá bem o seu tom: "O que é? O que é? O que é? É! É! É! É! É!). A Delinquentes ou inocentes engrossa o velho tema do repertório punk em sua crítica virulenta ao establishment ("Mas se o sistema é violento delinquente/Como copo haver inocente?/Quem é que faz a violência/Delinquentes ou inocentes?). Músicas que hoje são inconfundivelmente a marca do
Fecaloma.
A banda ainda lançaria mais dois CD, “Rebelião Adolescente” (2001) e
“Ocupar e Resistir” (2005), sempre misturando um humor sarcástico com uma
contundente crítica político social, pela perspectiva do Anarquismo. (A
propósito, todos os discos estão disponíveis no Youtube, aqui, aqui e aqui,
respectivamente). Em 2017, a banda retornou depois de quase dez anos parada.
Nesse meio tempo, nas redes sociais e internet, sofreu ataques de fascistas e
nazis, mas nada que fizesse a banda desistir de seus ideais libertários. Para
fechar este texto, transcreveremos a letra mais emblemática do Fecaloma, Sertapunk, que apresenta um arranjo punk
rock e hardcore à moda do sertanejo de raiz, numa tentativa paradoxal de unir o
humanismo universal da Anarquia às raízes regionais do Brasil.
SERTAPUNK
Meu país começa
Nos meus olhos
E se encerra
No horizonte
Minha bandeira
É minha roupa
E todas as cores
Da terra
O hino que canto
É uma música qualquer
Que me deu vontade
De cantar...
(Hard Core)
(disco completo)
01 - Dança da Chuva
02 - Nada Vai Mudar
03 - É
04 - Delinquentes ou Inocentes?
05 - Violência Sub/City
06 - João Consumo
07 - O Que Há de Errado Com os Vermes?
08 - Transgredir Por Transgredir
09 - Sertapunk
10 - Alguém me Segure
11 - O Dever Me Chama
12 - Primeiro da Classe
13 - Sem Nome
14 - Século XXI
15 - América Latina
16 - Os Últimos Espermatozoides Radioativos
17 - Marchinha de Bach
OBS.: Transgredir por transgredir está
fora de catálogo e só pode ser encontrado na internet. Mais vídeos no canal do
João Monti.
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Disco provocante, uma obra de arte! Faz parte das nossas reflexões sempre.
ResponderExcluirParabéns Jean e Sérgio!
Ronaldo - EXCLUÍDOS