Introdução
O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, é muito mais do que uma peça teatral: é um grito de revolta, um espelho distorcido e grotesco do Brasil da década de 1930. Escrita em 1933, mas só encenada em 1967 por José Celso Martinez Corrêa, a peça é um marco do teatro modernista e do teatro político brasileiro, inserindo-se na estética antropofágica defendida por Oswald desde o Manifesto Antropófago.
Neste artigo, vamos explorar o enredo, os personagens e os temas centrais da peça O Rei da Vela, destacando sua crítica feroz ao capitalismo, à burguesia nacional e à hipocrisia da elite brasileira. Se você busca entender por que essa obra é tão relevante até hoje, continue lendo.
O Rei da Vela: Contexto Histórico e Estético
Um Brasil em Crise e Contradição
A peça foi escrita durante a chamada Era Vargas, período marcado por instabilidade política, crescimento industrial e fortes tensões de classe. Oswald, atento às transformações sociais, utiliza a peça como uma crítica radical à burguesia nacional, que, segundo ele, se alia ao capital estrangeiro para manter seus privilégios.
O Teatro Antropofágico
O Rei da Vela é uma realização prática do teatro antropofágico, que busca "devorar" as influências europeias e devolvê-las em forma brasileira, crítica e irônica. A peça mistura elementos do circo, do teatro de revista, do grotesco e da paródia, quebrando a linearidade tradicional e subvertendo a linguagem teatral.
Enredo de O Rei da Vela
A história gira em torno de Abelardo I, o “rei da vela”, um capitalista que enriquece vendendo velas a prazo para velórios de pobres, em um país mergulhado em miséria e corrupção. Ele representa a burguesia emergente brasileira, que lucra com a desgraça alheia.
Abelardo está prestes a se casar com Heloísa de Lesbos, uma mulher da aristocracia decadente, símbolo da aliança entre a nova elite financeira e a velha elite agrária. Através dessa união grotesca, Oswald denuncia a moral podre e os interesses escusos que unem as classes dominantes.
No decorrer da peça, Abelardo vai sendo desnudado como uma figura caricata, simbólica de um país que se rende ao imperialismo e ao capital estrangeiro, representado por Mr. Jones e outras figuras de poder que surgem ao longo da narrativa.
Temas Centrais da Obra
Crítica ao Capitalismo
O protagonista lucra com a morte e a pobreza alheias. Essa representação exagerada do empresário brasileiro é uma metáfora para o capitalismo predatório que Oswald enxergava como dominante no Brasil.
"Não se trata de vender velas, mas de vender a morte."
Alienação da Burguesia
Oswald ridiculariza a elite que se julga culta, mas que está desconectada da realidade do país. Heloísa e sua família vivem no passado aristocrático, em completa alienação.
Imperialismo e Subserviência
O Brasil da peça é dominado por estrangeiros. A submissão da economia e da cultura brasileiras ao capital externo é representada por personagens caricatos como Mr. Jones, reforçando a dependência estrutural do país.
Linguagem e Estilo: Uma Inovação de Ruptura
Linguagem Fragmentada e Polifônica
A peça rompe com o realismo clássico. Os diálogos são fragmentados, ora poéticos, ora vulgares. As personagens falam como caricaturas, representando tipos sociais e ideológicos, não indivíduos realistas.
Mistura de Gêneros
Há intertextualidade com a Bíblia, a publicidade, o discurso político e o teatro popular. A estética do exagero e do absurdo confere à peça um tom carnavalesco que revela a decadência das instituições.
Importância de O Rei da Vela na Literatura Brasileira
O Rei da Vela não foi montada na época em que foi escrita, sendo considerada "inencenável". Foi somente na década de 1960, com a direção de José Celso Martinez Corrêa e o Teatro Oficina, que a obra ganhou os palcos e causou grande impacto.
A montagem de 1967 é considerada um marco do teatro brasileiro revolucionário, influenciando gerações de dramaturgos, artistas e pensadores. Desde então, a peça é vista como um divisor de águas na história do teatro nacional.
Perguntas Frequentes sobre O Rei da Vela
Qual é o significado do título "O Rei da Vela"?
O título é irônico. A vela, objeto que remete à morte e à escuridão, torna-se símbolo de um império construído sobre o sofrimento dos pobres. Abelardo é um "rei" que governa graças à miséria do povo.
Por que a peça foi considerada revolucionária?
Pelo uso de uma linguagem nova, pela crítica mordaz às estruturas de poder e por romper com a forma tradicional do teatro, O Rei da Vela inaugurou uma nova estética de resistência e provocação.
A peça ainda é relevante hoje?
Sim. As críticas à desigualdade, à alienação da elite e à dependência econômica do Brasil continuam atuais. Além disso, sua forma artística continua inspirando o teatro de vanguarda.
Conclusão
O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, é uma obra-prima do modernismo tardio e do teatro político brasileiro. Sua crítica ao capitalismo, à elite nacional e ao imperialismo mantém-se pertinente, sobretudo em um Brasil onde desigualdades persistem e o discurso dominante muitas vezes esconde as contradições sociais.
Mais do que uma peça, é um manifesto, uma denúncia e uma provocação. Ler O Rei da Vela é mergulhar num teatro de confronto, que ri para não chorar, e que ilumina, com a luz trêmula de uma vela, as sombras do país.
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