Jean
Pires de Azevedo Gonçalves
Alguns
aficionados em literatura, digamos assim, “puristas”, detestam a canção “Monte
Castelo” da Legião Urbana, composição de Renato Russo, por que teria, segundo
eles, “destruído” o soneto de Luis Vaz de Camões e, por isso, seria um exemplo
de mau gosto. A razão de tal argumento diz respeito às questões formais
classicistas do soneto, isto é, versos decassílabos heroicos, arranjados em
dois quartetos e dois tercetos, que foram sem mais nem menos adulteradas por
enxertos dos não menos belos versículos de São Paulo, numa mixórdia que, de uma
vez só, passa por cima das distâncias históricas e literárias que separam as
duas obras. Não penso assim. Entretanto, se admitirmos, como eles – o que não o
fazemos –, que algumas questões da forma de arte não podem ser contaminadas de
modo promíscuo por valores estéticos de gêneros diversos, pelo menos a canção
Monte Castelo teve o mérito de popularizar a mais bela poesia de amor já
composta por um escritor, em todos os tempos. (Na minha opinião, nem
Shakespeare escreveu versos de amor tão sublimes, que beiram mesmo a perfeição,
como estes que saíram da pena do poeta português). Além disso, as cartas de São
Paulo sobre o amor também são magníficas e de maneira alguma não dignificam ou
rebaixam o soneto camoniano, ao contrário. Renato Russo pegou o suprassumo da
poética que de melhor expressa esta “coisa” tão diáfana chamada amor, região
deveras inacessível à palavra, onde as línguas cessam e o silêncio fala, e,
através da música pop, deu ao povo, que cantou Camões e São Paulo, ao mesmo
tempo. Aliás, diga-se de passagem, poesia não é algo exclusivo a um clubinho de
aficionados ou do crítico literário, esse ser, nos dizeres de Nietzsche,
exigente e oco. A poesia é do povo, como o céu é do Condor.
Amor é
fogo que arde sem se ver,
é
ferida que dói, e não se sente;
é
um contentamento descontente,
é
dor que desatina sem doer.
É um não
querer mais que bem querer;
é
um andar solitário entre a gente;
é
nunca contentar-se de contente;
é
um cuidar que ganha em se perder.
É querer
estar preso por vontade;
é
servir a quem vence, o vencedor;
é
ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como
causar pode seu favor
nos
corações humanos amizade,
se
tão contrário a si é o mesmo Amor?
1
Coríntios 13
1. Ainda
que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria
como o metal que soa ou como o sino que tine.
2. E
ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a
ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os
montes, e não tivesse amor, nada seria.
3. E
ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda
que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me
aproveitaria.
4. O amor
é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade,
não se envaidece.
5. Não se
porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita
mal;
6. Não
folga com a injustiça, mas folga com a verdade;
7. Tudo
sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
8. O amor
nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas,
cessarão; havendo ciência, desaparecerá;
9.
Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos;
10. Mas,
quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado.
11.
Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como
menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.
12.
Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora
conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido.
13.
Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior
destes é o amor.