Raduan
Nassar, considerado por muitos o maior escritor brasileiro da atualidade, autor
de “Lavoura arcaica”, “Um copo de cólera”, entre outros, foi galardoado com o
Prêmio Camões de Literatura 2016. O prêmio é considerado o mais importante da
língua portuguesa.
Na
cerimônia de premiação, realizada no Museu Lasar Segall, dia 17 de fevereiro de
2017, São Paulo, Raduan proferiu, em seu discurso de agradecimento, uma crítica
contundente ao governo Temer, ao qual o escritor considera ilegítimo e
“golpista”. Lamentavelmente, o brilho da cerimônia foi obscurecido pelo
ministro da (in)cultura Roberto Freire que, numa clara tentativa de cerceamento
da liberdade de expressão e numa ode ao clientelismo mais arcaico e abjeto,
insinuou, em sua fala, que pelo fato do prêmio ser concedido pelos governos de
Brasil e Portugal, o escritor deveria assumir uma postura de submissa gratidão
ao governo brasileiro; como se o prêmio fosse um favor e escritor devesse
prestar homenagens ao governo, ao invés de criticá-lo.
As
vaias foram a melhor resposta que cabia ao ministro e um alerta de que arte,
ainda que sob regime de censura, jamais se calará aos desmandos dos poderosos.
Leia
o discurso de Raduan:
Excelentíssimo
Senhor Embaixador de Portugal, Dr. Jorge Cabral.
Senhor
Dr. Roberto Freire, Ministro da Cultura do governo em exercício.
Senhora
Helena Severo, Presidente da Fundação Biblioteca Nacional.
Professor Jorge Schwartz, Diretor do Museu
Lasar Segall.
Saudações a todos os convidados.
Tive
dificuldade para entender o Prêmio Camões, ainda que concedido pelo voto
unânime do júri. De todo modo, uma honraria a um brasileiro ter sido
contemplado no berço de nossa língua.
Estive
em Portugal em 1976, fascinado pelo país, resplandecente desde a Revolução dos
Cravos no ano anterior. Além de amigos portugueses, fui sempre carinhosamente
acolhido pela imprensa, escritores e meios acadêmicos lusitanos.
Portanto,
Sr.Embaixador, muito obrigado a Portugal.
Infelizmente,
nada é tão azul no nosso Brasil.
Vivemos
tempos sombrios, muito sombrios: invasão na sede do Partido dos Trabalhadores
em São Paulo; invasão na Escola Nacional Florestan Fernandes; invasão nas
escolas de ensino médio em muitos estados; a prisão de Guilherme Boulos, membro
da Coordenação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto; violência contra a
oposição democrática ao manifestar-se na rua. Episódios todos perpetrados por
Alexandre de Moraes.
Com
curriculum mais amplo de truculência, Moraes propiciou também, por omissão, as
tragédias nos presídios de Manaus e Roraima. Prima inclusive por uma
incontinência verbal assustadora, de um partidarismo exacerbado, há vídeo,
atestando a virulência da sua fala. E é esta figura exótica a indicada agora
para o Supremo Tribunal Federal.
Os
fatos mencionados configuram por extensão todo um governo repressor: contra o
trabalhador, contra aposentadorias criteriosas, contra universidades federais
de ensino gratuito, contra a diplomacia ativa e altiva de Celso Amorim. Governo
atrelado por sinal ao neoliberalismo com sua escandalosa concentração da
riqueza, o que vem desgraçando os pobres do mundo inteiro.
Mesmo
de exceção, o governo que está aí foi posto, e continua amparado pelo
Ministério Público e, de resto, pelo Supremo Tribunal Federal.
Prova
da sustentação do governo em exercício aconteceu há três dias, quando o
ministro Celso de Mello, com suas intervenções enfadonhas, acolheu o pleito de
Moreira Franco. Citado 34 vezes numa única delação, o ministro Celso de Mello
garantiu, com foro privilegiado, a blindagem ao alcunhado “Angorá”. E
acrescentou um elogio superlativo a um de seus pares, o ministro Gilmar Mendes,
por ter barrado Lula para a Casa Civil, no governo Dilma. Dois pesos e duas
medidas
É
esse o Supremo que temos, ressalvadas poucas exceções. Coerente com seu passado
à época do regime militar, o mesmo Supremo propiciou a reversão da nossa
democracia: não impediu que Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos
Deputados e réu na Corte, instaurasse o processo de impeachment de Dilma
Rousseff. Íntegra, eleita pelo voto popular, Dilma foi afastada definitivamente
no Senado.
O
golpe estava consumado!
Não
há como ficar calado.
Obrigado
Raduan Nassar