segunda-feira, 1 de março de 2021

Lógica e teoria do conhecimento em Aristóteles

Começamos a exposição do sistema aristotélico com a sua lógica. Foi ele quem constituiu a lógica como ciência particular. Os seus escritos lógicos costumam ser designados pelo nome de “Organon” (isto é, “instrumento” para conseguir o conhecimento certo da verdade).

Aristóteles

No “Organon” se contém, em primeiro lugar, a sua doutrina das categorias. As categorias são os predicados mais gerais que podem ser atribuídos às coisas, quer dizer, as afirmações mais gerais possíveis acerca delas, e que como tais são também as determinações mais gerais (formas) do ser. Aristóteles enumera as seguintes categorias:

1ª Substância (por exemplo: homem, cavalo).

2ª Quantidade (quer dizer, a que responde à pergunta: que dimensões?).

3ª Qualidade (quer dizer, como está constituída? Por exemplo: vermelho).

4ª Relação (a que se refere? Por exemplo: maior do que este).

5ª Lugar (onde? Por exemplo: no mercado).

6ª Tempo (quando? Por exemplo: ontem).

7ª Ação (por exemplo: ele corta).

8ª Paixão (por exemplo: é cortado).

A estas se acrescentam, às vezes, duas outras categorias de caráter mais especial:

9ª Posição (por exemplo: está deitado, sentado).

10ª Estado (por exemplo: está armado).

Kant objetou, com razão, que esta tábua de categorias não está sistematicamente deduzida. Não obstante, graças ao seu pequeno escrito sobre as categorias, Aristóteles situou um problema lógico fundamental, e realizou uma tentativa valiosa para resolvê-lo.

Para Aristóteles, todo o conhecimento consiste na junção de conceitos para formar juízos, e depois na combinação de juízos para formar silogismos e demonstrações. Os juízos são para ele “verdadeiros” se corresponderem as relações reais; “falsos” se esse não for o caso. Por consequência, no juízo verdadeiro representamos como unido o que na realidade está unido, e como separado o que na realidade se encontra separado. Tratou como particular com mais vagar a doutrina do silogismo e a demonstração na sua “Analítica” (quer dizer, “decomposição” do pensamento). Expondo o mais completamente possível as diversas espécies de silogismos, que ainda hoje se encontram nos manuais tradicionais de lógica, julgou fornecer um instrumento importante (Organon) para a investigação em geral. Mas, de fato, nem ele próprio faz uso nas suas numerosas obras de organon, nem fui tão pouco muito frutífera esta enumeração das formas do silogismo para o posterior desenvolvimento do pensamento científico. Mais importante é a sua doutrina dos sofismas, que desenvolve no escrito “Refutações Sofisticas”. Ali encontramos valiosas contribuições para distinguir o verdadeiro pensamento do falso, e descobrir sofismas, generalizações infundadas, inversões inadmissíveis de silogismos verdadeiros, etc. Na sua "Tópica" (ao pé da letra: Doutrina dos “lugares” onde se encontra o que se pode dizer das coisas, quer dizer: doutrina dos “pontos de vista” da maneira de tratar as coisas) oferece Aristóteles instruções para a arte da discussão tão espalhada então nas escolas filosóficas. Não desdenha nesta obra nenhuma forma de conter, enganar e contradizer o adversário.

Para ele, o supremo princípio da prova, isto é, o princípio que nem pode ser demonstrado nem de tal carece, é o de contradição. Formula-o deste modo: “É impossível que a mesma coisa corresponda e não corresponda ao mesmo na mesma relação simultaneamente” (ou, em menos palavras: é impossível que algo seja e não seja ao mesmo tempo). Com isto se afirmava que proposições como, por exemplo, a de Heráclito – “somos e não somos” - não podem ser verdadeiras.

Como imediata como sequência deste axioma supremo (cuja evidência se compreende sem mais nada), vinha um segundo axioma, o de que “uma qualquer coisa, ou deve ser afirmada, ou negado” (isto é, o princípio de terceiro excluído). Ambos os axiomas se resume neste princípio: “de duas afirmações (diretamente) opostas, só uma pode ser verdadeira, ou então uma tem que ser verdadeira e a outra falsa”. Mencionaremos igualmente o chamado princípio de identidade (“dizer que o que é e o que não é, é verdade”). Deste modo formulou conceitualmente Aristóteles as leis formais supremas da validade objetiva dos juízos, isto é, trouxe até à consciência clara normas de pensamento a que habitualmente os homens obedecem por instinto.

Na sua teoria do conhecimento, Aristóteles inclina-se para o empirismo, para a valorização da “experiência”, o que define como observação repetida e hábito adquirido graças a ela. Considera acima de tudo importante que os fatos sejam fixados por percepção e observação; mostra-se cauteloso perante a reflexão conceitual (a especulação, o raciocínio); pode se confiar nela quando os seus resultados forem confirmados pela observação. Não obstante, continua a crer (como Platão) que só possui “saber” real, isto é, conhecimento, aquele que vai do individual ao geral, e sabe aplicar depois o geral para ajuizar e manejar o singular (o qual é a obra da “arte”, isto é, do poder).

Sem dúvida, o próprio Aristóteles deu muita imperfeita realização a estas suas opiniões teóricas. Nas suas obras, ao lado de observações sutis, se encontra outras totalmente exatas e deficientes, que não podem encontrar desculpa, nem sequer na imperfeição dos antigos meios de observação; por exemplo, de que o número de dentes do homem é superior ao da mulher; que os corvos, pardais e andorinhas ficam brancos com o frio; que a procriação da perdiz se realiza graças a um hálito procedente do macho. Nestes casos, Aristóteles aceitou, sem dúvida, crenças populares, sem as submeter à crítica. Ainda de acordo com a opinião popular, prescindiu da distinção entre qualidades “primárias” e qualidades “secundárias”, já realizada por Demócrito.

Além disso, em Aristóteles a especulação supera de muito a observação. O seu espírito inventivo não se assustava nunca perante hipóteses mais ou menos arbitrárias. E como se esforçava ao mesmo tempo por estar de acordo, tanto quanto possível, com as crenças populares, não raras vezes defende opiniões que já tinham sido denunciados como preconceitos por filósofos anteriores. Encontraremos exemplos disso, sobretudo, na sua teoria da natureza.

(August MESSER, “História da Filosofia”, Editorial Inquérito: Lisboa, 1946 - obra em domínio público).

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