sexta-feira, 17 de junho de 2022

"Eu versos eu" - (Parte 4) - Antologia

 

Antologia poética

31

Queria escrever versos

Perfeitos

Como cristais simétricos

Resistentes

Belos como diamantes lapidados

Versos que durassem a eternidade

 

Queria escrever versos

Sem significados

Com palavras vazias, que em si

Dissessem por si tudo

O que se passa em mim

Mas não sou ourives

De palavras

Nem sei descrever meus sentimentos

Pois me ignoro totalmente

 

Apenas palavras

Sim, palavras

Por si mesmas

Como cristais

 

32.

Hoje queria escrever algo

Qualquer coisa

Edificante. Todavia

Me falta inspiração

Só há um grande vazio, toda vida

No autor destas palavras

 

Na verdade, queria que dos meus versos

Brotassem a verdade

Para me entender

Mas não há nada

Qualquer coisa, qualquer coisa

Para me entender

Mas, ainda que houvesse entendimento

Para quê?

Que diferença faria

Nenhuma

E isso é engraçado

O que importa

Eu não me importo nem um pouco!

Meu coração se importa

E isso também é engraçado

Pensamentos

Um bilhão de expectativas

Desilusões

Gostaria de entender

Não!

Melhor não!

Melhor o nada!

 

33.

Meu sorriso

Anuncia a felicidade

 

Por favor, silêncio

 

34.

Queria dividir com ela

Minha vida

Meus sonhos

Minha ternura

Meu carinho

Queria dividir com ela

Minha paixão

Meu conforto

Minha aventura

Meu caminho

Queria dividir com ela

Minha tristeza

Minhas frustrações

Minha doçura

Meu descaminho

Queria dividir

Dividir o meu amor

Amor inteiro

 

Ela não quis dividir comigo

Qualquer coisa

 

O que me restou

Foi contemplar

Os tantos mistérios

O Universo

As estrelas

O fundo azul escuro do céu

A Lua

O seu olhar de despedida

 

35.

Inquieto

Confuso

Dividido

Tormentos

Mil pensamentos

Desarrumados

Espalhados

Infinitos

Perdidos

Respostas procuro

Sei que pensamentos

São senhores de sentimentos

Agora, entretanto

Aprisionados

Meus pensamentos

São escravos

De sentimentos

 

Irônico destino

 

36.

Um dia o amor dá lugar ao ódio

Daí segue o ressentimento

Das mágoas, o orgulho

Do orgulho, as mágoas

Da intolerância, a dor

Depois, a culpa, a dor

Acusações, absurdas

Exigências, tolas

Autorredenção

Vingança

Sofrimento

Humilhações

Incompreensão, expectativas

Respostas

Ausência

Vício

Ciclo

Dia após dia

Labirinto sem saída

Ciclone devastador

Não há mais sorrisos

Carinho e bondade

Dias mágicos

Quem ganhou?

Perdemos

Esquecemos

Esquecimento obrigatório

 

Só quem não ama

Entende versos de amor

 

37.

É preciso dizer

Eu te amo

Antes que o tempo

Leve embora

Tantos sonhos

Uma carta dobrada

Na gaveta

Empoeirada

Lembrança melancólica

Vasculhada em cada objeto

Objeto por objeto

Revividos de repente

Um após outro

Encaixados

Peças de um quebra-cabeça

Porém é tarde

E se fosse diferente?

É muito tarde

Não é tarde

Nunca é

Para dizer

Eu amo você

 

38.

Quando termina o inverno

Na primavera

Sempre adoeço

Desta vez

Estou apaixonado

 

Não adoeceria

Por nada neste mundo

Só de pensar nela

Longe de mim

Sozinha

 

Eu ficava doente

Se ela fosse embora

Aí, eu morreria

 

Fico horas

Ensaiando um beijo

Fico sonhando

Sonhando um beijo

E como é grande a ansiedade

Às vésperas de um encontro

Fico pensando

Um assunto, pra conversar

Respiro fundo

Tropeço

Sonhando com um beijo

 

Esqueço tudo!

Agora estou com ela

Quanta coisa tenho a dizer

Que surpresa

Mil palavras, mil histórias

Improviso, invenções

 

E o beijo?

 

Uma pujante alegria

Bombardeando meu peito

Sem saber, não me contenho

Dou risadas fáceis, bobas

Que saem, saem, saem

Como estou feliz, meu Deus

 

O amor

Sempre surpreendente

Remédio para todos os males

 

Hora de ir embora

Tchau, até mais

E vou eu

Sonhando um beijo

 

39.

Muitíssimo obrigado

Agradeço de coração

Por você me amar

 

40.

Há momentos

Em que perco minha fé

Desconfio de tudo

Desiludido

Cético

Pois quanto sofrimento

Nascido da minha ingenuidade

Pergunto

Indignado

O acaso sorri

Um sorriso sinistro

Sinuoso destino

Escuridão

De repente, um ponto de luz

Outro ali

Mais um aqui

São muitos agora

Infinitos

Brilhando e piscando

Estrelinhas em volta de mim

Pisca-pisca esperança

No jardim

 

Neste caso

Driblei o acaso

 

quarta-feira, 1 de junho de 2022

O fourierismo de Nicolas Tchernichevsky – Parte 2

O que fazer?

Por Wanda Bannour

Mas, afinal, como se deu o encontro de Tchernichevsky com Fourier? No de 1848, Tchernichevsky, na idade dos 20 anos, conhece Khanykov, que lhe apresenta a Teoria da unidade universal e o Tratado do livre-arbítrio. Kirsanov pertence ao círculo dos altos funcionários oficiais reunidos ao redor de Boutachevitch-Petrachevsky. Conciliando o desejo de ver a Rússia libertada do despotismo czarista, esses jovens se apaixonam por Fourier e, durante as reuniões, leem e comentam suas obras. Pouco a pouco, o grupo se politiza e almejam estender as reflexões teóricas em projetos práticos visando sublevar a população do Ural a participar ativamente das insurreições populares. O auge das atividades de petrachevkystes - aos quais participam, além do jovem Dostoiévski, espíritos tão abertos e calorosos tais como Khanykov, Akhtamourov, os irmãos Debout, etc.... – é o banquete organizado em honra do aniversário de Fourier, a 7 de abril de 1849. Ao fim de um ano, os membros do grupo serão presos e condenados à morte - ardil sinistro porque a condenação será no último momento anulada e substituída por trabalhos forçados.

Então, Tchernichevsky passa a ler atentamente Fourier e seu jornal é testemunha de sua admiração, de seu espanto, de suas reservas seguidas de entusiasmo pela teoria da atração passional.

Parece que neste momento, Fourier exercia muita força, muita intensidade, no estudioso filho de um padre. E, então, o trabalho na Universidade, no Sovremehnik, traz ao primeiro plano as pesquisas imediatamente suscetíveis de gerar uma reflexão prática sobre os problemas russos. Tudo se passa como se Tchernichevsky resistisse a Fourier, como se o contornasse, apegando-se aos autores muito diversos, como J. S. Mill, Macaulay, Lessing etc...

Ora, preso na fortaleza, separado de sua mulher, Olga, a quem adora, Tchernichevsky abre uma brecha no seu racionalismo materialista; brecha pela qual o que estava reprimido em 1848 se irromperá enfim, dando vazão ao desejo frustrado. Tchernichevsky se esquece de todas as reservas de que fez em 1848 em relação a Fourier, incluindo a sua estranheza pelo autor que o fascina e o confunde ao mesmo tempo. Então, em várias ocasiões, emprega o termo de “gênio” para designar Fourier. É na prisão que o imperioso desejo traz de volta com toda a força Fourier e a última palavra da resposta para a questão de O que fazer? é Fourier quem a pronuncia pela boca de Tchernichevsky.

A utopia fourieriste dá seu sentido pleno ao combate dos homens por um mundo justo e bom; é o sol ao qual se dirige o prisioneiro quando arrebenta as suas correntes. Em 1862, na fortaleza de Pedro e Paulo, o fuerierismo perde a sua estranheza; a utopia não é mais de toda utópica, mas a verdade de uma situação desastrosa e privada de toda verdade. A salvação da Rússia está nesta associação agrícola para a qual Tchernichevsky parece ter pressentido a possibilidade de constituir um obstáculo ao processo de proletarização. No falanstério, o epicurista Tchernichevsky reencontra o jardim do filósofo grego e o universal concreto hegeliano. É com o modo de falar de Fourier que é nos descrito este humanista alegre ceifando e colhendo à sombra de grandes dosséis de lona regados por jatos de água fria. Eros e o labor se fecundam reciprocamente; a força se une com a delicadeza. A Rússia, com seus grandes rios, com suas terras negras prodigiosamente fecundas, que pouco a pouco recobre terras estéreis, é o lugar por excelência do falanstério fourieritsta. De fato, a Crimeia é o modelo agrícola e climático por excelência, mas toda a Rússia pode tornar-se uma vasta Crimeia. Neste Paraíso terrestre, a mulher e a criança não são mais estes escravos assustados e servis, reduzidos ao silêncio por uma constante ameaça de repressão. A mulher é a companheira livre e inteligente dos homens, “a noiva de todas as noivas”; idosos e crianças trabalham alegremente e são os chefes e ajudantes de toda a sociedade. A festa é cotidiana, cada noite, orquestras, coros, danças, espetáculos acontecem nos palácios de alumínio, locais de luxo erigidos pela ciência; os trabalhadores fourerianos ignoram a lassidão, a exaustão e a saciedade. Trabalho e amor concorrem para produzir corpos bonitos e vigorosos. Idosos e crianças são raros. É uma humanidade de adolescentes felizes, de homens e de mulheres soberbos.

Apoiando-se em Fourier, Tchernichevsky nos dá não somente a resposta da questão O que fazer? mas demonstra a importância da utopia em um período de crise. Ele é, para falar com Aristóteles, a causa final de uma ação revolucionária eficaz. Talvez prevendo o ressurgimento do espírito sacrificial religioso que estava prestes a surgir na ida ao povo dos narodniki dos anos 70, Tchernichevsky insiste fortemente sobre a necessidade imperativa de não esquecer a exigência primeira: a da felicidade.

Quando mais tarde, escreve outros romances e histórias, Tchernichevsky retomará a ideia fourieritsta dos danos causados pelo ascetismo que destrói os corpos e os corações, principalmente, das jovens que não deixam o despotismo familiar senão para o da opressão conjugal. No jornal de Levitzky, ele desvela o dilaceramento da condição feminina. Três servas são descritas. Todas as três preferem a situação precária da mulher sustentada na condição de esposa, porque, apesar de tudo, tal situação apresenta mais vantagens. Mas, se a vivência da opressão conjugal para duas delas é inconsciente, para a terceira não: Maria raciocina longamente sobre o caráter paradoxal da situação matrimonial e opta, finalmente, com coração pesado, pela situação mais lucrativa.

Em Uma menina doce, Tchernichevsky vai ainda mais longe em suas análises: descreve a vida de uma jovem no meio dos raznotchintsy. Ele analisa as causas que a levaram à histeria, a saber, a castidade forçada à qual está obrigada; os preconceitos de seu meio redundam na impossibilidade de toda atividade amorosa fora do casamento. Sobre este ponto, Tchernichevsky pode ser considerado como a ponte lançada entre Fuerier e Freud. Fourieritsta prático, com uma grande honestidade, igualada apenas à sua inteligência e generosidade, durante seu longo exílio (5) na Sibéria, Tchernichevsky não cessa de incitar sua esposa a deixar a Rússia para se instalar em Portugal e na Itália. Nós compreendemos sua motivação ao ler uma carta endereçada a seu primo, o historiador Alexandre Pypine, na qual reconhece a razão essencial de sua insistência o desejo de ser pouco a pouco esquecido e substituído (6) (nas suas cartas a Olga, ele a aconselha esta partida por motivos de saúde). O que é perturbador para Tchernichevsky, é que, Fourier foi, para ele, muito mais do que uma teoria genial, uma utopia sedutora. Mesmo negativamente, privado das possibilidades da felicidade concreta, ele tentou seguir Fourier educando e desculpando seus contemporâneos; é assim que sua vida é indissociável de sua atividade de pensador revolucionário e romancista. O pensamento teórico, a concepção de ação e de vida, que se reflete em sua produção romanesca, mostram-nos que tudo o que resulta no fim das contas é a harmonia fourieriana. Sem utopia, a atividade revolucionária tende a esquecer os seus fins; sem o desejo, a política não é mais que rotina e cozinha. Poderíamos considerar como plenamente fiel ao espírito tchernichevskyiano este forte pensamento do poeta Maikov, que ressoa o estilos marcusianos: “uma época crítica deve ser ao mesmo tempo uma época de utopia... senão a humanidade estragaria toda a energia das aspirações humanas e não responderia aos apelos da realidade".

Notas

(5) Preso em 7 de julho de 1862, Tchernichevsky foi levado para a Sibéria em 20 de maio de 1864. Até 1872, trabalhou na fábrica de Alexandrovsk e em 11 de janeiro de 1872 foi transportado para Viliousk na Sibéria. Ele ficou lá até 27 de outubro de 1883, quando foi transferido para Astrakhan sob prisão domiciliar. Não foi senão até 27 de junho de 1889 que ele obteve uma transferência para sua cidade natal Saratov, onde morreu quatro meses depois, em 17 de outubro de 1889.

(6) Olga jamais cedeu às suas súplicas e Tchernichevsky morreu em seus braços.

BANNOUR, Wanda. “Le fourierisme de Nicolas Tchernichevsky”, in: Actualité de Fourier: colloque d’Are-et-Senans sous La direction de Henri Lefebvre. Éditions Anthropos: Paris, 1975. Trad.:J.P.A.G)

O fourierismo de Nicolas Tchernichevsky – Parte 1