quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

"Eu versos eu" - (Parte 10) - Antologia

 

Antologia

21.

Perder um amor

Não é só perder

A certeza da sua presença

É perder uma época da vida

Relegar a eternidade ao passado

 

- Não me deixe

O que está fazendo

Não consegue entender

Que o amor é tudo

Numa vida em que somos nada

 

E como são bonitos os dias coloridos

O céu azul eu-e-você

A relva verde nossos-sorrisos

A rosa roseira seu-olhar

O mar amarelo o meu-amar

Pôr-do-sol

 

E nas placas escritas, nossos nomes

Por onde eu sempre ando

 

Como pode alguém abandonar amor

 

É difícil dar valor ao amor

Quando nos julgamos deuses

 

Ora, mas para quem estou falando

Sozinho aqui, desesperado

Talvez, o curso natural das coisas

É assim mesmo

Você ainda é novo

Vai conhecer outra pessoa

Até mais bonita, até melhor

É difícil pra mim, aceitar

Triste fatalismo

Nada posso fazer

Hoje, esperei todo o dia

A noite toda

Até o relógio na parede

Repreendeu-me a teimosia

 

Você nunca vem

 

Já o sol entra pelas frestas da janela

Outro dia, de novo

Ela faltou não por causa da chuva

Pois nem a queda de um asteroide

Atrasaria o nosso encontro de amor

 

Então pergunto

O que restou

Voltei para casa, a pé

Você sabe como sou

Segui o mesmo caminho de sempre

Repisei nas mesmas pegadas, pisadas ontem

De repente, a igreja

Que representou o nosso amor

No altar em que depositei esperança

Estava lá ainda, a esperar

Desconexa, côncava e convexa

Ou foi apenas a sua lembrança

Saudade

 

Andando sob a chuva

Pensando nos intrusos do amor

Pessoas estranhas

Que agora fazem parte da minha vida

Um novo período, um tempo novo

Talvez uma grande paixão

Que eu não quero

 

Pode ser que este meu desespero

Venha de uma visão trágica da vida

Então, quero sentir bem a chuva

Os pingos gelados

Que molham o meu corpo

Para sentir bem o que é viver

Enfim, chego a algum lugar

A tristeza me espera solene

Impregnada em cada átomo

Nos Infinitos do mundo

Nas paredes, tijolos, e móveis

Nas roupas, luzes, e sombras

Ou sou eu que sou átomo espalhado

Em cada coisa, todas as coisas

Partículas infinitas no cosmo

Sem tempo espaço

 

Ah, ajude-me, alguém

Ajude-me

Pegue na minha mão e tire-me daqui

Eu não sei o caminho

Por Deus, socorro

Uma luz

Espere, uma luz

Tudo está claro

Eu posso saber

Um amor não é suficiente

É preciso compartilhá-lo

 

22.

Já escrevi uma vez

Que queria escrever

Versos-cristais

Lapidados

Brilhantes

Simétricos, métricos

Em cada sílaba

 

Como não consigo

Deixo bruto

Minha escrita dissonante

Trêmula

 

Como um vulcão, o meu coração

 

23.

D’agora em dantes, só escrevo sonetos clássicos

Ritmo, métrica, som, forma conteúdo

Diligência, rigor, trabalho sobretudo

Quimeras entalhadas em meus versos mágicos

Partiu

Quebrou

Inspiração

Indomável

Impaciente

Indulgente

Insurgente

Rebelde

Redondilhas quadradas

Quadradilhas redondas

Regras

Disciplina

Grades

Palavras

Cárcere

Da alma

Escrevo

Reação em cadeia

Dominó bomba atômica

Explosão implosão

Espírito matéria

Corpo pensamento

 

Não!

 

Não passo de um mau ator

Poeta, então

Tenha dó

Não sei representar

A minha vida

O meu papel

Papelão

No papel

Os meus versos

 

Sei que existe presunção

Daqueles pequenos que sonham em ser grandes

E que de grande mesmo só a presunção

Polemicas à parte

Volto às voltas

Tonto fico

Tarefa de escrever

Eu mesmo

Porém, nenhuma palavra me cabe

 

Que tal falácia

Palavra preferia por nove

Dentre dez intelectuais

Talvez porque nenhuma palavra

Os defina melhor do que sua preferida

Ato falho

Deselegância

Grosseria

Arcaísmo

O soneto saiu pior que a emenda

Falta uma silaba poética

A tônica está fora de lugar

Trovador, bardo, poeta, vate, picareta

Mau poeta nunca se emenda

O que me resta é descrever despretensiosamente

Sem saber onde quero chegar com isso

E disso resulta muita pergunta

De ordem existencial inclusive

Mas sou um adepto da desordem

Eu não preciso de forma

Nem molde

Sou um pouco às avessas

Isto é pós-modernidade

Pós! Pós! Pós! Pós! Pós! Pós

Pós por falta de outra palavra

 

Impossibilidade de escrever poesia

 

24.

Os olhos mais lindos que eu vi

Não eram azuis, verdes, castanhos, negros

Eram os seus, que me fizeram apaixonar

 

25.

Agora que você foi embora

Que seguiremos destinos opostos

Desejo-lhe uma vida feliz

Quanto a mim, desengano-me

De qualquer boa esperança

Não me console

Não me chame de amigo

Pois a partir de agora somos inimigos

Não posso aceitar serenamente

E bater no peito e dizer: a vida continua

Sim, porque só a tristeza merece acabar

Você era minha Dulcinea

A princesa mais linda de todo o mundo

Aldonza Lorenzo

Minha amada e doce prostituta

Que amo tanto

Amo mais do que tudo

Amo demais

Fiel a esse amar

 

Mas o que posso fazer

Convencê-la de que me ama também

Ou devo esperar sua piedade

A renúncia de sua vida

 

Eu já renunciei a minha

Abandonei tudo

Pra viver a aventura de amar

Venci moinhos

Que eram gigantes

Venci Golias

E me tornei rei de um império

Do tamanho de uma noz

Por amar tanto você

 

25.

Nosso amor impossível

Um infinito nos separa

Metafísica indizível

Para onde você foi

Não está aqui

Esqueci como você era

Preciso te ver novamente

Quando

Não sei

Onde

Não sei

Não sei de onde ou quando

Eu te conheço

Talvez, não passe de ilusão

Se existe realmente

Diga-me, meu amor

Quem é você

Você é deste mundo

Ou do meu

Tenho a impressão

De ouvir sua voz

Você enfim veio

Amor, amor

Jurei que não ia mais chorar

Não são lágrimas não

Não são lágrimas essas lágrimas

Eu estou bem

Coisa passageira

Qual é o tamanho do universo

Dentro de mim não tem fim

Hoje vou sair

Vou a uma festa

Vai ter muita gente, amigos

E garotas também

Vou encher a cara

Usar drogas

Cair entorpecido

Eu posso me sentir só

Sem você

Apesar de tudo, eu vou

Não, não posso mais suportar

A imagem do seu rosto

Outras pessoas são como fotografias

Lembro-me de cada detalhe

Mas você

Por que eu não consigo me lembrar

Preciso te ver novamente

Agora

Preciso te ver

Senão eu enlouqueço

Seja lá onde você está

Apareça

Volte

Agora

Eu preciso que você escute

Que eu te amo

Só isso

Você não tem saída

Ou meu amor, ou meu amor

Olhe as pessoas como estão tristes

Apegadas à mentira

Quem quer viver assim

Alguém precisa dizer a elas

Que a felicidade não é uma mentira

As ruas estão escuras

Apenas, vou

A cada passo, luzes se acendem

Sou vigiado

Sou suspeito

Inimigo da sociedade

E sou de fato inimigo

Você de novo

Não consigo recordar a imagem do teu rosto

E no entanto é tão insuportável

Preciso te reencontrar

Para me completar, juntar meus cacos

Preciso encontrar

O futuro

Porque o presente é

Tirânico, despótico

Imutável, eterno

Estou preso a você, meu amor

Me solta, me deixe

Estou preso a você, meu amor

Pra sempre, pra sempre

Não posso te perder

Por que me beijou enquanto eu dormia

E fugiu antes mesmo de eu acordar

Ainda posso sentir teu beijo, teu gosto

Gosto de você

Ainda posso sentir

 

26.

A taxonomia médica

Classificaria meus sentimentos

De transtorno depressivo

Ou tristeza profunda

Um especialista psiquiátrico

Esconderia uma camisa de força

Debaixo da mesa

E na ocasião apropriada

Zás! Pronto. Pego. Preso

Mas, doutor, eu só estou

Apaixonado

Tristeza patológica uma ova

Me olham com espanto

Como um rato de laboratório

Alguns têm compaixão

Outros, brutal indiferença

Medicamentos psicotrópicos

Remédios, terapias

Internação, solidão

Tratamento, lamentos, choque elétrico

Mas, doutor, eu só estou

Apaixonado

Querem acabar com meu amor

Anestesiando minhas quimeras

Meus instintos, meus impulsos

Impossível

Há um incêndio em meu coração

Tirem as mãos de mim, hipócritas

Deixem-me em paz, assassinos

Assassinos, assassinos de alma

Acabar com meu amor

Como se fosse doença vulgar

Não encostem as mãos em mim

Fora daqui, sumam daqui

Doutor, doutor, eu só estou

Apaixonado

Eu nunca fiz mal a ninguém

Nunca prejudiquei alguém

Sempre procuro fazer o bem

Sou gentil e leal também

Bem ajudo sem olhar a quem

Vou e volto, sempre, vai-e-vem

Faço conta e conto de um a cem

E no fim sempre tem um porém

Agora basta, basta de tanto “em”

Rima sem nem

E por quê

Ufa! Até que enfim

Fim

Doutor, doutor, eu só estou

Apaixonado

Patologia paranoica

Fobia obsessiva

Medo de viver

Medo de gostar

Medo do amor

Medo da paixão

Medo de amar

Medo de ser feliz

Medo de amar loucamente

Doutor, eu só estou

Apaixonado, doutor

Contrariando o bom-senso

Contrariando os bons costumes

Contrariando a moral

Contrariando as regras

Contrariando os regulamentos

Contrariando a ordem

Contrariando o pudor

Contrariando o dever

Contrariando o dever-ser

Contrariando recomendações

Contrariando conselhos

Doutor, eu só estou

Apaixonado

 

27.

Enfim

Manchei

O meu amor

Tão puro quanto água na fonte

Com sangue

Manchei

Meu grande amor

Nem puro

Nem grande

 

Ousou meu coração

A bater por outro amor

E assim o antigo

Foi profanado pelo novo

 

Impossível um

Amor absoluto

Total e infinito

 

Um novo amor

Tão indesejado

Tão odiado

Manchou com sangue

Meu grande amor

 

No meu peito

Um vazio, dentro dum vazio

 

Um vazio cheio

De vazio

 

Solidão

 

Meu amor

Não é mais o amor da minha vida

Vida medíocre

Apenas engrandecida pelo amor

Sou igual a todo mundo agora

Um namorado vulgar

Nem sonhador nem romântico

Nem lunático

 

Não sou mais único

Se Deus me desse mais uma chance

Mas, não

Quero ir, então, ao cadafalso

Condenado à pena capital

 

Não há pecado mais abjeto

Crime mais pérfido

Que o meu

Eu manchei de sangue

Meu grande amor impossível

Com um novo amor possível

 

Se pudesse voltar ao dia de ontem

E fazer tudo diferente

Amar como louco

Mas, não

Fui pequeno

Egoísta

 

Não me arrependo, no entanto

Eu quis manchar o meu amor

Quis vê-lo sangrar

Traí-lo

 

Maldito sou

Não mereço perdão

 

Amor, amor, me perdoa

Me perdoa

Meu grande amor

Me perdoa

Por favor

 

28.

Quando a conheci

Li traição no fundo de seus olhos

Obscurecida pela paixão

Quase ilegível

Depois me abandonou

Traiu e depois voltou

Magoado, repudiei

Arrependido

Procurei, procurei

E depois reencontrei

Distante

 

O destino, movido de acasos

Trouxe você de volta

Mas não nos olhamos

Encostamos um num outro

Esbarramos

Sem querer

Roçando nossas mãos

E nossas peles sentiram saudades

Procurando prazer

Dissimulados

Inocentes e magoados

O meu desejo ímpio

Aprisionou-me em seu

Amor

 

29.

As luzes de Natal

Enfeitam toda a cidade

O que posso dizer

Feliz Natal

 

30.

Neste ano

Vi todos os meus sonhos

Afundarem