por Paula Vanessa
Enquanto muitos adoraram o Episódio VII de Star Wars e
estão ansiosos para assistir o novo filme Rogue One, eu ainda estou
decepcionada com o que vi no ano passado. Só agora, depois de ter passado
muito tempo, passada a tristeza e a decepção, é que resolvi escrever. Pode
parecer um tema desatualizado, mas o que escrevo são justamente motivos que me
farão não ir ao cinema hoje.
Acredito ainda que muitos daqueles que gostaram do mencionado
episódio são do tipo de “pessoa bate-palmas”: toca o hino, bate palmas;
casamento, bate palmas; votação no senado, bate palmas... Não querem estar por
fora, não querem estar associados ao passado e querem demonstrar que estão bem
informados e abertos para todo tipo de inovação. E quem não gostou não tem o
direito de dizê-lo, porque senão corre o risco de ser banido da
“comunidade Star Wars”.
Quando passar a histeria, provocada pelo retorno de mais um
episódio da saga, e a vontade de rever o filme na telona, vai ser possível
dizer: “não gostei”. Com certeza, vai ter um monte de gente afirmando que “O
Despertar da Força” decepcionou. Pois, se a intenção era que o filme
representasse uma ruptura com os episódios anteriores, ele deveria romper
mesmo. Mas não foi o que aconteceu. Velhas histórias foram recontadas com
“novos personagens”: o jovem Jedi seduzido pelo lado negro da força ou, então,
o mestre decepcionado que some para um lugar inacessível.
Quando fui ao cinema no ano passado, desejava assistir um bom
filme, com uma história emocionante e efeitos especiais fantásticos, mas,
principalmente, para me integrar a um grande encontro mundial de rebeldes, de
siths, de seres galáticos. Fui ao cinema participar do grande “rito de
passagem” dessa epopeia moderna da sétima arte, onde a velha geração entrega
para a nova o bastão que um dia pertencera aos deuses do Olimpo.
É por isso que o novo filme da série, Rogue One, me
entristece muito, porque hoje eu gostaria de voltar aos cinemas em busca de
novas alianças e não apenas para ver mais um capítulo da “novela Star
Wars”. Não me sinto com forças para assistir esse filme depois do episódio
VII... e esse número já é bem pesado para nós brasileiros... “O Despertar da
Força” despertou em mim – e o trocadilho não é mera distração – muita tristeza
pelo fato da história ter sido enlatada e vendida por comerciantes gananciosos.
Pois, o único objetivo do vendedor é vender, não importa o quê e como, mas o
produto tem de ser vendido.
Sob esta lógica mercantil, agora poderemos comprar Star
Wars todo ano!!!!!!
Tudo bem, sabemos que esse é o mundo em que vivemos. Podemos não
estar de acordo, mas isso não nos isenta da condição de cúmplices! Também somos
consumidores insaciáveis!!!
Mas a saga Star Wars não poderia ter sido
consumida pela vaidade de poucos e a ânsia pelo lucro dos novos proprietários
da franquia (!).
Seria de bom alvitre se, pelo menos, a identidade dos fãs fosse
preservada no filme.
Se a marca estampada na mercadoria, ao menos tivesse a nossa cara,
teríamos saídos satisfeitos do cinema. Para comprar, temos que nos identificar
com o produto. Mas, se a nova franquia reduz todo o ritual que envolve a série
em uma mercadoria, os comerciantes deveriam ter pensado nisso antes de entregar
o filme para um egocêntrico rodar!!!
Não é de hoje que nós humanos gostamos de contar e recontar
histórias de heróis míticos. Não é privilégio da “sociedade do espetáculo”
reviver os feitos dos deuses e semideuses, espelhar suas posturas, interpretar
suas falas, imitar seus gestos. Desde muito tempo, outras narrativas tiveram
vida própria e não dependiam apenas do talento do seu criador. Sempre contavam
com a empatia de um público receptor que vou chamar aqui de comuns,
ou seja, nós, os espectadores. Foram os comuns que consagraram Homero,
transmitindo por milênios seu nome e sua genialidade. São os comuns que contam,
recontam, vivem e recriam seus versos, eternizando o próprio Homero.
Já na Pré-história, na Idade do Bronze, circulavam histórias
fascinantes como a de uma personagem que era atraída para o lado negro. O
pessoal lá das cavernas contava a história do ”Ferreiro e do Diabo”, um tipo de
Darth Vader, ao gosto dos comuns daquela época. Comum em latim é COMMUNIS,
significa “ato de repartir deveres entre todos”. MUNUS, em latim significa
ofício, obrigação e, ainda, dom, recompensa. A etimologia da palavra pode nos
sugerir que são os comuns que transformam o dom em uma tarefa a ser
compartilhada por e para todos. Ao se reapropriarem da historia, dão a ela
significados subjetivos que lhes trarão uma sensação de pertencimento, de
familiaridade, ao recontá-la sempre como se fosse parte de suas próprias
trajetórias. E assim ela atravessa décadas, séculos, enfim, milênios.
Voltando aos nossos tempos, à série Star Wars, para
que haja uma identificação com uma narrativa, uma empatia para com ela,
supõe-se que todos os comuns revivam um momento em que Carrie Fisher, Mark
Hamill e Harrison Ford aparecem juntos. Tal cena, em 2015, após décadas de
“Guerra nas Estrelas”, seria antológica, lendária, única. Unir as três personas juntas,
naquele momento em que gerações foram ao cinema participar de um “rito de
passagem”, seria como se fosse uma forma de permitir que os comuns de nosso
tempo se familiarizassem com os novos episódios da série. Unir tais personagens
não seria repetir um enredo antigo, mas lhes dar um espaço respeitoso entre os
novos protagonistas, até mesmo para que as primeiras gerações pudessem ter um
sentimento de reconhecimento. Seria um momento de um grande reencontro, uma
festa de confraternização. Depois de tantos anos, seria um reencontro de
proporções mundiais... Mas alguém resolveu boicotar...
Tais personagens, eu os chamo de “personas” porque, em algum
momento da trajetória desse nosso mundo, onde o real se confunde com o virtual,
estes atores se transformaram em heróis, tanto quanto às personagens a que
deram vida. São pessoas que se transformaram em personagens. Por isso, havia
grande expectativa para que, atuando juntas, promovessem a união dos laços que
atariam diferentes gerações. Personas que esperavam ser
vistas. Esperavam estar juntas e poderiam realmente ter protagonizado no
episódio VII um agradável happy hour.
Acredito que seria uma unanimidade, entre todos os fãs, assistir
na telona a princesa Leia, Luke Skywalker, Han Solo (e até o Chewbacca) juntos
em ação! Mas não! Deixaram estes personagens muito distantes uns dos outros e
de nós, os comuns! Por exemplo, o Luke foi parar bem longe, em cima de um
penhasco! Bem no alto e na pontinha... prestes a cair...
Esta última e enfadonha cena me faz lembrar aquela perguntinha
infame que circulava às vésperas da estreia do episódio VII: por que o
Luke não aparece no cartaz do filme? Porque simplesmente ele não
aparece no filme!! Como bem disse minha filha: “Quem espirrou no final do filme
não conseguiu ver o Luke Skywalker”.
Acredito, inclusive, que, se houvesse um pouco de sensibilidade da
parte dos produtores, bastava apenas uma cena para estabelecer uma experiência
vivida em comum pelas diferentes gerações presentes nos cinemas. Eu escolheria
uma cena em que Luke, Han e Léia se abraçam no filme “Guerra nas Estrelas”, que
depois virou “Star Wars: Uma Nova Esperança”. No final do filme quando os
Rebeldes destroem a Estrela da Morte, Luke e Han saem de suas naves, se
reencontram com Léia, e, abraçados, comemoram a vitória. Poderia haver esse
abraço no episódio VII, que teria o valor de uma comemoração simbólica pela
vitória da saga sobreviver por mais de 30 anos. O que se viu, no entanto, não
foi um reencontro nem uma vitória, pois estes não foram levados em consideração
pelo diretor nem pelos comerciantes de “O Despertar da Força”.
Seria uma cena memorável se os três heróis aparecessem unidos e
depois cada um tomasse seu próprio rumo... Porque nós humanos não somos
eternos... De fato, o filme é uma ficção, mas nós somos de carne e osso.
Porém somos nós, de carne e osso, que tornamos real a ficção.
Neste sentido, os três atores deveriam ter sido mais aproveitados
pela produção; deveriam ter maior participação, já que são gente e não efeitos
especiais. Sem dúvida, não são mais jovens. Mas continuam ótimos atores e os
legítimos elos para dar continuidade à trilogia. Pena que não foi assim...
Todos estariam representados, personas e comuns,
todos teriam se identificado. Se estes pudessem ter vivenciado a atuação
dessas personas, que iriam abrir o caminho para a épica estelar no
século XXI.
Para aqueles que no passado foram jovens e envelheceram juntos com
seus heróis, e para aqueles que hoje são jovens e estão prontos a pegar o
bastão dessa odisseia, a confraternização dos três heróis teria sido
gratificante para o público em geral.
Não quero aqui sustentar um saudosismo empedernido. Todos
esperavam novas personagens, pelos quais uma nova trama teria início, dando
seguimento à aventura. Mas todos queriam ver seus heróis unidos celebrando a
continuidade da trama.
O que me parece que rolou, no entanto, foi o fato de a vaidade
humana em parceria com a ganância almejar produzir um “filme polêmico” e, por
consequência, atraente para o mercado. Sim, qualquer polêmica, desde que desse
o que falar. Os novos donos da franquia queriam ganhar muito dinheiro e os
responsáveis pela filmagem queriam entrar para a história da sétima arte. Aí
veio a falta de sensibilidade do diretor, roteirista, produtor, detentor dos
direitos autorais, ou sei lá quem mais, ao se deter em um artifício óbvio,
porém, não menos apelativo: matar um dos heróis e gerar polêmica com isso.
Fácil, muito fácil, mas pouco inteligente.
Assim, mataram o Han Solo sob o pretexto de que, para se aliar ao
lado negro da força, seu filho, Kylo Ren, teria de tomar uma atitude bem
perversa para que assim justificasse sua opção pelo mal. Então o “novo Vader”
mataria seu próprio pai, se tornaria extremamente maléfico...
A indignação foi total. Grande foi a decepção na sala de cinema em
que eu estava. Houve até que fosse embora!
A saga tinha ficado incompleta, parou em “Star Wars: O Retorno de
Jedi”. Ainda estamos aguardando o episódio VII, pois aquele de 2015 não fez jus
às expectativas dos comuns. Ou então, reivindicamos “Star Wars: O Retorno de
Han Solo”.
Ao deixar a sala de cinema, passei o ano todo pensando em várias
hipóteses para explicar tão grande desapontamento em relação ao episódio em
tela e só me veio uma palavra: vaidade. Vaidade igual àquela que fez Narciso
cair no lago ao se admirar no espelho d’água. Pensei: o autor tem a oportunidade
de se consagrar como sendo aquele quem criou o elo entre as gerações, o Homero
do mundo pós-moderno, e se transforma em alguém indigno de ser laureado por
elas. Realmente, que tipo de cara é escalado para dirigir um filme que é, mesmo
antes de ser filmado, um sucesso de bilheteria e ainda assim consegue
decepcionar?!!! Um filme que por si só tem o potencial de se tornar um sucesso
retumbante, mas que, em suas mãos, não passou de um fragoroso fracasso. Não dá
para entender. Só mesmo pensando em termos de vaidade. Vaidade que impediu o
diretor de dar os méritos aos verdadeiros protagonistas da história e ao mestre
da saga: George Lucas. Realmente, o novo diretor não queria ser lembrado como
aquele que deu continuidade a série; queria, ao contrário, ter brilho próprio
como um inovador. Mas não é fácil brilhar sem a empatia dos comuns. São os
comuns que transformam um criador em gênio... Àquela pessoa de ego inchado,
faltou-lhe generosidade e, principalmente, humildade.
O diretor queria uma ruptura a qualquer custo numa tentativa de se
sobressair, a cima, da própria série. Não conseguiu. Talvez, queria dar um “up”
em sua fama, a qualquer preço, mesmo que isso custasse o desapreço total pela
saga, pelos fãs e, principalmente, pela herança das “gerações Star Wars”.
Quis entrar para a história pela porta da frente, causar, impactar.
Impactante foi a sua burrice...
A verdade é que o filme não trouxe nada de inovador. Foi um patchwork das
trilogias anteriores – e acredito que, realmente, era assim que tinha que ser.
Mas nenhum dos fãs gostaria que o episódio VII representasse uma ruptura com os
anteriores. Ao contrário, os fãs queriam matar a nostalgia e assistir a
substituição dos antigos protagonistas pelos novos, numa transição continua que
a todos contemplasse. Por isso, as referências, que são as cenas, as falas ou
indicações que nos remetem aos acontecimentos anteriores, teriam de ser
imprescindíveis.
Muitas cenas que, inclusive, deveriam desempenhar esta função de
ganchos no episódio VII, embora muito aplaudidas pelos fãs, não cumpriram esse
papel. Havia muitos outros momentos celebres que poderiam ter sidos usados como
ótimas “referencias” e foram ignorados. Apesar desta falta, tudo certo, o
público estava digerindo bem, e, como foi dito, aplausos foram arrancados no
auditório, porque tínhamos a ideia de que era “um filme de passagem”.
Um “filme de passagem” é como um “rito de passagem”: ocorre um
sacrifício, há uma grande comemoração e os mais velhos cedem lugar a uma nova
geração, que será responsável pela condução do futuro.
A comunidade Star Wars toda estava lá, na
esperança de experimentar a transformação intrínseca à Star Wars a
partir de uma nova linguagem, feita por novos interlocutores.
Na minha opinião, a ideia que motivou a construção do personagem
que representaria o novo vilão também foi de muito mal gosto. Que coisa mais
doentia, um vilão parricida!!! Desnecessário apelar tanto para construção do
mau. Existem tantos perfis nefastos que causam repulsa e poderiam a contento
compor a personagem. Basta ter um pouco de criatividade e encontrar uma que dê
bastante aversão. Se o problema era falta de inspiração, bastava entrar em um
site de pesquisa da internet e digitar “10 passos para se criar um vilão”. Acho
que teria saído coisa melhor daí. Um pouco de sadismo e de cinismo, e pronto!
Kylo Ren já poderia ter ficado muito tenebroso.
É totalmente inconsistente o fato de o vilão ser um parricida,
para lhe conferir legitimamente maléfica, quando descobrirmos que os novos
personagens exibem destreza com o sabre de luz mesmo sem o treinamento
necessário dos primeiros episódios. Mas apesar disso, ninguém estava se
importando se a Rey sabia usar a Força sem ao menos ter sido preparada para
isso por um Yoda; ou ainda muito menos para o fato de um Storm Trooper lutar
com um sabre de luz tão facilmente como Luke; ou para os remendos dos filmes
anteriores justificarem a Resistência etc. O que se esperava era apenas um “O
filme de passagem” que pudesse dar continuidade a essa história que encantou
tantas gerações ao redor do mundo, tantos comuns que transformaram “Star Wars”
na “Odisséia” do Mundo Contemporâneo.
Não é exagero da minha parte. Os novos personagens estavam sendo
bem aceitos por um público receptivo e até muito celebrados. Como já disse,
havia uma necessidade de transmitir a tradição da saga para as novas gerações.
Todos queriam novos Rebeldes, novos clones, novos Jedis, novos Palpatines,
novos Landos, novos mestres... Estava valendo tudo. Ou, quase tudo...
Eu, particularmente, gostei muito quando a Rey e o Finn, em fuga,
procuram uma nave e partem com a sucata mais incrível da galáxia: a Millennium
Falcon. Gostei da cena em que Han, ao recuperar a Millennium, diz ao Chewie:
“Estamos em casa”.
Se eu pudesse dar um pitaco no filme, colocaria o George Lucas de
mecânico, consertando uma X-Wing, ao estilo Hitchcock. Eu o aplaudiria de
pé!!!
Tudo porque, para mim, havia um entendimento de que é necessário
uma transformação para se adequar as linguagens do mundo de hoje, passados 30
anos desde que fora rodado o primeiro filme. Para dar continuidade, seriam
necessários novos interlocutores engajados nessa empreitada.
Ao deixar passar a oportunidade de juntar os heróis da saga, o
filme redundou em frustração, assim como todos os outros que levarão o nome
Star Wars da franquia Disney. Matar Han Solo foi matar a vontade de voltar aos
cinemas para assistir uma história de muito tempo atrás, ocorrida numa galáxia
muito, muito distante...
Como retornar ao cinema para assistir Darth Vader na nova produção
da série, Rogue One? Qualquer um pode vestir aquela capa e aquele elmo e atuar
como essa personagem!!! Não é como o Luke, a Léia ou o Han!!!
Por que eu assistiria narrativas paralelas se não me identifiquei
com o “episódio VII”? Até mesmo porque sei que Vader é um grande vilão e, como
tal, será insuperável...
Por fim, após esse desabafo, aconselho a todos irem aos Shoppings
Centers e passarem bem longe das salas de cinema. Quem sabe, nestes tempos
natalinos, não será mais interessante tirar uma foto com Papai Noel (personagem
de outra história que atravessa gerações!!!) e talvez pedir de Natal uma
ratoeira...