Começamos a exposição do sistema aristotélico com a sua lógica. Foi ele
quem constituiu a lógica como ciência particular. Os seus escritos lógicos
costumam ser designados pelo nome de “Organon”
(isto é, “instrumento” para conseguir o conhecimento certo da verdade).
No “Organon” se contém, em primeiro lugar, a sua doutrina das
categorias. As categorias são os predicados mais gerais que podem ser atribuídos
às coisas, quer dizer, as afirmações mais gerais possíveis acerca delas, e que
como tais são também as determinações mais gerais (formas) do ser. Aristóteles
enumera as seguintes categorias:
1ª Substância (por exemplo:
homem, cavalo).
2ª Quantidade (quer dizer, a
que responde à pergunta: que dimensões?).
3ª Qualidade (quer dizer,
como está constituída? Por exemplo: vermelho).
4ª Relação (a que se refere?
Por exemplo: maior do que este).
5ª Lugar (onde? Por exemplo:
no mercado).
6ª Tempo (quando? Por
exemplo: ontem).
7ª Ação (por exemplo: ele
corta).
8ª Paixão (por exemplo: é
cortado).
A estas se acrescentam, às
vezes, duas outras categorias de caráter mais especial:
9ª Posição (por exemplo:
está deitado, sentado).
10ª Estado (por exemplo:
está armado).
Kant objetou, com razão, que
esta tábua de categorias não está sistematicamente deduzida. Não obstante,
graças ao seu pequeno escrito sobre as categorias, Aristóteles situou um
problema lógico fundamental, e realizou uma tentativa valiosa para resolvê-lo.
Para Aristóteles, todo o
conhecimento consiste na junção de conceitos para formar juízos, e depois na
combinação de juízos para formar silogismos e demonstrações. Os juízos são para
ele “verdadeiros” se corresponderem as relações reais; “falsos” se esse não for
o caso. Por consequência, no juízo verdadeiro representamos como unido o que na
realidade está unido, e como separado o que na realidade se encontra separado.
Tratou como particular com mais vagar a doutrina do silogismo e a demonstração
na sua “Analítica” (quer dizer, “decomposição” do pensamento). Expondo o mais
completamente possível as diversas espécies de silogismos, que ainda hoje se
encontram nos manuais tradicionais de lógica, julgou fornecer um instrumento
importante (Organon) para a investigação
em geral. Mas, de fato, nem ele próprio faz uso nas suas numerosas obras de organon, nem fui tão pouco muito
frutífera esta enumeração das formas do silogismo para o posterior
desenvolvimento do pensamento científico. Mais importante é a sua doutrina dos
sofismas, que desenvolve no escrito “Refutações Sofisticas”. Ali encontramos
valiosas contribuições para distinguir o verdadeiro pensamento do falso, e
descobrir sofismas, generalizações infundadas, inversões inadmissíveis de
silogismos verdadeiros, etc. Na sua "Tópica" (ao pé da letra:
Doutrina dos “lugares” onde se encontra o que se pode dizer das coisas, quer
dizer: doutrina dos “pontos de vista” da maneira de tratar as coisas) oferece
Aristóteles instruções para a arte da discussão tão espalhada então nas escolas
filosóficas. Não desdenha nesta obra nenhuma forma de conter, enganar e contradizer
o adversário.
Para ele, o supremo
princípio da prova, isto é, o princípio que nem pode ser demonstrado nem de tal
carece, é o de contradição. Formula-o deste modo: “É impossível que a mesma coisa
corresponda e não corresponda ao mesmo na mesma relação simultaneamente” (ou, em
menos palavras: é impossível que algo seja e não seja ao mesmo tempo). Com isto
se afirmava que proposições como, por exemplo, a de Heráclito – “somos e não
somos” - não podem ser verdadeiras.
Como imediata como sequência
deste axioma supremo (cuja evidência se compreende sem mais nada), vinha um
segundo axioma, o de que “uma qualquer coisa, ou deve ser afirmada, ou negado”
(isto é, o princípio de terceiro excluído). Ambos os axiomas se resume neste
princípio: “de duas afirmações (diretamente) opostas, só uma pode ser
verdadeira, ou então uma tem que ser verdadeira e a outra falsa”. Mencionaremos
igualmente o chamado princípio de identidade (“dizer que o que é e o que não é,
é verdade”). Deste modo formulou conceitualmente Aristóteles as leis formais
supremas da validade objetiva dos juízos, isto é, trouxe até à consciência clara
normas de pensamento a que habitualmente os homens obedecem por instinto.
Na sua teoria do conhecimento, Aristóteles inclina-se para o empirismo,
para a valorização da “experiência”, o que define como observação repetida e
hábito adquirido graças a ela. Considera acima de tudo importante que os fatos
sejam fixados por percepção e observação; mostra-se cauteloso perante a
reflexão conceitual (a especulação, o raciocínio); pode se confiar nela quando
os seus resultados forem confirmados pela observação. Não obstante, continua a
crer (como Platão) que só possui “saber” real, isto é, conhecimento, aquele que
vai do individual ao geral, e sabe aplicar depois o geral para ajuizar e
manejar o singular (o qual é a obra da “arte”, isto é, do poder).
Sem dúvida, o próprio
Aristóteles deu muita imperfeita realização a estas suas opiniões teóricas. Nas
suas obras, ao lado de observações sutis, se encontra outras totalmente exatas
e deficientes, que não podem encontrar desculpa, nem sequer na imperfeição dos
antigos meios de observação; por exemplo, de que o número de dentes do homem é
superior ao da mulher; que os corvos, pardais e andorinhas ficam brancos com o
frio; que a procriação da perdiz se realiza graças a um hálito procedente do
macho. Nestes casos, Aristóteles aceitou, sem dúvida, crenças populares, sem as
submeter à crítica. Ainda de acordo com a opinião popular, prescindiu da
distinção entre qualidades “primárias” e qualidades “secundárias”, já realizada
por Demócrito.
Além disso, em Aristóteles a
especulação supera de muito a observação. O seu espírito inventivo não se
assustava nunca perante hipóteses mais ou menos arbitrárias. E como se
esforçava ao mesmo tempo por estar de acordo, tanto quanto possível, com as
crenças populares, não raras vezes defende opiniões que já tinham sido
denunciados como preconceitos por filósofos anteriores. Encontraremos exemplos
disso, sobretudo, na sua teoria da natureza.
(August MESSER,
“História da Filosofia”, Editorial Inquérito: Lisboa, 1946 - obra em domínio
público).