domingo, 15 de maio de 2022

"Eu versos eu" - (Parte 3) - Antologia

 Antologia poética

21.

Outra vez rejeitado!

Respiro, ofegante, depois

Suspiro, quase morrendo

O que fiz de errado?

Por que sempre é tão difícil?

Desesperado, quero chorar

Não consigo

Somente dor, no meu coração

Não há solução imediata

O tempo não passa

E tudo que penso

Não pode consolar meu sofrimento

É como trazê-la de volta

Ilusão

A dor não passa

Sou o meu pior inimigo

Porque não consigo, não posso esquecer

Mas há sempre tempo para o perdão

Fazer as pazes comigo mesmo

Tenho uma missão a cumprir

Tornar a minha vida

Melhor

 

22.

Quando duas pessoas se amam

Estão vocacionadas

Uma a outra

Até mesmo o destino

Parece destinado a uni-las

Sol

Paixão

Vida

Olhar

Nunca vi um sorriso mais bonito

Feitiço

Dias magníficos

Sinto saudades

Nunca vi um sorriso mais bonito

Para mim, nada nunca morre

 

23.

Vou voltar para minha casa

E contar a todos

O quanto o amor é importante

Vou abraçar

E chorar junto

E sorrir junto

Rir de qualquer coisa

Rir apenas

E vamos provar

Para nós mesmos

Que sempre há esperança

 

Pois sei que nada

Está pronto e acabado

Ainda há muito a se fazer

E eu vou continuar

 

24.

O oceano é um universo

O céu infinito

As velas hasteadas ao vento, meus sonhos

Meus pensamentos, o leme

As gaivotas, o Sol

A Lua, o Cruzeiro

Meus guias

Eu preciso seguir em frente

Na minha vida

 

25.

Ela é linda

De uma beleza encantada

Mas como descrever os seus cabelos

Seu rosto perfeito

Seu olhar especialmente feito

Para mim

Sua boca que tantos beijos beijei

Beijando sem parar?

Assim:

Eu a amo

Eu a amo

Eu a amo

Eu a amo

Como descrever o seu andar

O seu falar

O sorrir?

Talvez, assim:

Eu a amo

Eu a amo

Eu a amo

Eu a amo

Não seria capaz de melhor descrição

Pois se eu tentasse descrevê-la

Fisicamente

O quão longe da realidade seria

Seria impreciso, vago

Não seria

Só há uma maneira:

Eu a amo

Eu a amo

Eu a amo

Eu a amo

Agora dá para entender como ela é

E por que eu a amo tanto?

 

26.

Ah, angústia! Por que me escolheu

Para martirizar?

Carrasco da solidão

Despedaça-me em milhões de estilhaços

Terrível penumbra na minha alma

Me deixe em paz! Me deixe em paz! 

Imploro! Me deixe em paz! 

Estou sufocando

Preciso respirar

Ficar só

Mas este fantasma venda os meus olhos

À beira de precipícios oceânicos

Enlouqueço

Explode minha ansiedade

Sem forças

Ponho-me a me ridicularizar

Tormento maldito

Carrasco da solidão

Não posso suportar tantas humilhações

Suma daqui!

Vá embora para sempre!

Deixa me viver o que sobrou da minha vida

Liberte-me!

Piedade!

O dia está tão bonito

Liberte-me!

Volte para as suas trevas

Porque, apesar de tudo,

Ainda estou aqui

 

27.

Nos dias tristes

Tudo é triste

E dá vontade de chorar

 

Eu só queria que tudo desse certo

Que houvesse felicidade

Em todos os lugares

Em cada pessoa

 

Nestes dias

Eu perdido

Na névoa fantasmática da garoa fina

Adiante, golfinhos mergulham

Baleias saltam

Fugindo de mim

 

Num dia como este, triste

Vejo andorinhas

A Cortar o céu azul esmaecido

Do entardecer

Respiro, pausadamente

Profundamente

Meu peito enche de alegria

Tomado da certeza

De recomeçar

Peço a Deus

Para que me faça sorrir de novo

Assim como as andorinhas

Anunciam o verão

A felicidade está chegando

 

28.

Tudo é um ciclo

Necessário e inevitável

Estou nas estrelas

E nas estrelas

Agora

Tudo começa a fazer sentido

 

29.

Por que eu não saio

De perto de você?

Porque eu gosto de você

Gosto de estar com você

Gosto dos seus beijos

Gosto dos seus olhos

Gosto de conversar com você

Gosto do seu jeito de sorrir

Gosto de lembrar você

E imaginar você

E sonhar você

E gosto de inventar você

E histórias nas quais

Você sempre está

 

Ah, que indelicadeza a minha!

Posso me sentar

Ao seu lado, moça

Segurar a sua mão?

 

Gosto de olhar você

E não parar mais

Gosto de tudo

O que você faz

Gosto de te dizer

Que gosto de você

 

30.

Às vezes, meu coração

Bate rapidamente

Ansioso

Ausente de mim

Tenho mil planos

Mil pensamentos

Mil sentimentos

Acho que às vezes sinto medo

De fazer o que devo fazer

Me sinto fraco

Inseguro

Meu coração desesperado

Bate rapidamente

Mais rápido é a vida

E ainda estou sonhando

E há muito tempo

É hora de acordar

E perdi, mais uma vez

Sonhando

Mas continuo

Sem nunca deixar de sonhar

E que Deus me ajude


domingo, 1 de maio de 2022

O fourierismo de Nicolas Tchernichevsky – Parte 1

 Por Wanda Bannour

Em 1862, encarcerado na fortaleza Pedro e Paulo, em São Petersburgo, enquanto aguarda tomar conhecimento dos motivos de sua condenação, Nicolas Gavrilovitch Tchernichevsky escreve seu primeiro romance: O que fazer?

O que fazer?

Mas, afinal, quem é N. G, Tchernichevsky? Este homem, com idade de 34 anos e em plena maturidade de seu talento; este tipo raznotchinets (1), como muitos de seus compatriotas pertencentes ao pequeno clero (seu pai era padre em Saratov), após ter terminado sólidos estudos na faculdade de filologia, ao defender sua tese sobre estética, tornava-se, em alguns anos, redator chefe de uma das mais brilhantes publicações da época, o Sovremennik (“O Contemporâneo”). Este discípulo dos empiristas ingleses, dos enciclopedistas materialistas do século XVIII, será rapidamente levado por sua inteligência, seu caráter, sua personalidade a assumir, à véspera das reformas e sob um clima de grande efervescência intelectual, que caracterizava a intelligentsia russa da época, o papel de líder democrático que sucederia Vissarion Belinski, falecido em 1848.

Não demorou muito para que o governo passasse, e com razão, a desconfiar de Tchernichevsky. Tal desconfiança se transforma em um verdadeiro complô destinado a eliminar o obstinado intelectual, principalmente, a partir do momento em que o Sovremennik recebe, com o silêncio do desprezo, o edito de Alexandre II (2) abolindo o direito feudal e instituindo as condições pelas quais os camponeses teriam de pagar uma indenização pela terra que lhes fora concedida e por sua própria liberdade, enquanto pessoas físicas e morais.

A sensação de incerteza e o desapontamento das massas camponesas, que se transforma muito rapidamente em descontentamento e cólera, nas jacqueries de Bezdna, esmagadas em sangue, encontram seu eco na indignação do porta-voz da emancipação camponesa. Ao que parece (3), Tchernichevsky foi responsabilizado, não à toa, pelas proclamações dirigidas ao povo, em que incita os servos a terem paciência e não desperdiçar suas forças antes do grande dia. Decidido a se livrar de Tchernichevsky, o ministro do interior (4) falsifica documentos com objetivo de decapitar a oposição, unindo injustiça e violência, no intuito de silenciar uma voz que por quase dez anos transitou nos meios de comunicação pelos domínios da ciência econômica, da história, da sociologia, da crítica literária e da filosofia, e que educou incansavelmente a opinião de seus contemporâneos ao denunciar a impostura das reformas, qualificadas de “ignomínias”, e analisar as contradições da sociedade russa, muitas vezes por meio de embasados estudos de história e sociologia, no intuito de driblar a vigilância constante da censura.

Nicolas Tchernichevsky era um homem determinado e enérgico, dotado pelo que ele próprio chamava de caráter “fleumático”, que o protegia das pulsões repentinas e dos instintos inflamados de um Bakunin (de tal modo que adotou o pseudônimo Brykalov, o “corredor”). Parcimonioso em sua vida, que estimava útil à Rússia, Tchernichevsky não queria comprometer as oportunidades de uma ação eficaz com aventuras suscetíveis de gerar um enfraquecimento da opinião progressista. Pois a Rússia não deveria desperdiçar suas chances de sucesso quando se encarrilhasse nos trilhos do progresso social, da liberdade e do bem-estar do povo.

É notável, portanto, a sua prudência no enfrentamento de seus juízes e a maneira como suporta com relativa paciência os longos meses que precederam a sua pena. Ao fazer isso, ele subestima ainda a corrupção e a ignomínia de uma “justiça” que o quer suprimir da arena pública e que, para tanto, apela para testemunhos de um espião e de documentos falsos.

Enquanto aguarda um desfecho de seu processo, privado dos livros que compunham seu pão de cada dia, à imitação de Sócrates, que na masmorra solicitava uma lira para tocar “música”, Tchernichevsky escreve em três meses seu primeiro romance.

O que fazer? Esse título com um tom um tanto problemático, como Quem tem culpa?, de Herzen, reflete suas incertezas e buscas pelo que, de fato, é o russo, no que tange não somente o seu destino histórico, mas também à sua vida cotidiana, na qual se esboça uma fratura entre os costumes patriarcais tradicionais e um vento novo soprando da província da França, que faz os adolescentes buscar novas maneiras de viver, rompendo com a vida adormecida e os recalques de seus “pais”.

É a este O que fazer? que Tchernichevsky se propõe a responder em seu “romance”. Para tal resposta, nós a temos subdividido em três questões, as quais cada uma projeta um plano de pesquisa que resulta em uma única solução comum, que será fornecida pela utopia de Fourier.

1 - Em primeiro lugar, o que fazer quando se é um homem (ou uma mulher) – cidadão comum, decente – cuja honestidade é para Tchernichevsky uma virtude maior – e que se quer viver feliz no amor e na amizade enquanto trabalha ativamente pelo bem comum. A esta questão, responde através do enredo romanesco de três heróis - um professor, um biomédico e uma jovem mulher prestes a se emancipar. À diferença dos romances em que a trama envolvendo três personagens evolui rapidamente para o drama e a tragédia, Tchernichevsky resolve o problema sem lágrimas nem infortúnios. Para tanto, utiliza-se de estratagemas conjugados por meio de um egoísmo racional e da atração passional, suprimindo, entre outras coisas, a inveja e um pseudoinstinto de propriedade.

2 - Mas também, o que fazer quando se é um homem de boa vontade e que se decepciona com as reformas e, por isso, decide agir em prol da liberdade do povo, colocando-se a seu serviço. A esta questão, Tchernichevsky responde por meio da inserção no romance de um escrito autônomo, a respeito da vida de um “homem extraordinário”, Rahmetov, personagem típico do “nobre arrependido” (segundo a expressão de Mihailovsky) e de conduta “rigorosista”, isto é, que não tem outro objetivo que a libertação do povo russo.

3 – o que fazer, enfim, quando se é uma mulher da pequena burguesia plebeia presa às seguintes contradições: muito consciente, por sua inteligência e cultura, para aceitar docilmente a escravidão familiar, e, por sua vez, muito honesta para viver no estrangeiro, à maneira da heroína da novela de Tourguenev, Dym (Fumaça), que ama as cidades termais.

Os momentos da libertação de Vera Pavlovna são marcados por um progresso em quatro etapas de seus sonhos, a partir do porão (caverna platônica), onde está inicialmente trancada, até a vida radiosa que, segundo Fourier, responde definitivamente exclusivamente ao “que fazer?” de Vera mais do que qualquer outro “que fazer”.

Com efeito, se os homens novos – assim como Tchernichevsky designa seus heróis raznotchintsy – podem agora conhecer a felicidade na ausência de remorso, é porque “em outro lugar”, pelas estradas do Don e do Volga e nas minas dos Urais, os homens “singulares” encarregam-se de um duro combate para garantir a felicidade de todos os homens. Da mesma forma, o destino de Vera não é um destino individual: Vera não pode ser plenamente ela mesma senão na associação agrícola de Fourier. Mas, do contrário, se isso pudesse acontecer, é porque o princípio feminino, na obra no mundo, conduz os homens a mudar a vida.

Homens e mulheres novos - Lopoukhov, Kirsanov, Vera -, homens extraordinários ao modo de Rahmetov, são duas faces de uma mesma verdade. Mas alguns vivem de maneira imediatista o presente, na pulsão da alegria momentânea, sem atender à grande convulsão social, a “luta final” – porque, afinal, eles só têm uma vida e não querem sacrificar essa alegria. Os outros exigem a meditação necessária, na dor do negativo, para que esta alegria não seja reduzida a alguns instantes fugidios, para que não seja um privilégio contingente de somente alguns.

Necessidade condicional da luta e do sacrifício, necessidade incondicional da felicidade e da alegria, eis o que nos quer fazer compreender Tchernichevsky. Se os rigoristas singulares vão adiante do perigo, não é para pagar qualquer pecado, mas porque a atração passional carrega não somente em si uma exigência de universalidade; carrega também a certeza da felicidade quando as coisas serão tais que os homens poderão dizer: “Por enquanto, tudo bem”, e, então, homens novos e homens extraordinários serão reduzidos ao homem simplesmente. Mas, na espera por esse dia, diante das condições difíceis em que se encontram certos Rahmetov, que são “o sal da terra” (O que fazer?), “os homens da idade de ouro perdidos na idade de latão” (Prólogo) vivem o sofrimento do negativo enquanto que, ao mesmo tempo, os homens novos, movidos pelo instinto de felicidade, proporcionam a possibilidade de vislumbrar o destino do gênero humano.

Este instinto de felicidade, Tchernichevsky, seguramente, tem essa certeza instintiva através da certeza filosófica.

Notas

(1) Etimologicamente: de vários escalões. Pseudoclasse composta residualmente de nobres empobrecidos, burgueses arruinados, bem como "homens" do baixo clero, pequenos burgueses, pequenos comerciantes e, muito mais raramente, camponeses e trabalhadores.

(2) Assinado em 19 de fevereiro de 1861, publicado em 5 de março de 1861.

(3) O que parece certo em todo caso é que ele colaborou na redação.

(4) O primeiro interrogatório de Tchernichevsky ocorreu em 30 de outubro de 1862. Em 7 de janeiro de 1863, Kostomarov, que também havia sido preso e sabia das atividades revolucionárias de Tchernichevsky, ofereceu seus serviços ao governo em troca de sua liberdade. Foi com base em seus falsos testemunhos e escritos forjados que Tchernichevsky foi condenado em 5 de fevereiro de 1864 a 14 anos de trabalhos forçados.

BANNOUR, Wanda. “Le fourierisme de Nicolas Tchernichevsky”, in: Actualité de Fourier: colloque d’Are-et-Senans sous La direction de Henri Lefebvre. Éditions Anthropos: Paris, 1975. Trad.:J.P.A.G).