sábado, 4 de junho de 2016

Jorge Mautner e o Partido do Kaos na Sanfran

Sobre si mesmo, Jorge Mautner escreveu:

“Eu, Jorge Mautner, escritor e músico, cantor, compositor-autor-filósofo, sou um seguidor em literatura filosófica dos grandes autores russos pré-revolucionários, eternos-modernos que são Nicolai Gogol, Leonidas Andreyev, e Fiodr Dostoievski, e também de Euclides da Cunha e de Jorge Amado, sou portanto alguém que mergulha nos abismos da alma humana e suas paixões sem medo de cair nos abismos, fascinado mesmo por estes abismos… um gargalhar entre lágrimas…. por entre as minhas quatro personalidades diferentes que às vezes concordam entre si e outras discordam, situa-se a personalidade apocalíptica, e ela sempre me conduziu pela trilha do caminho à procura das sendas perdidas da salvação e das saídas para a humanidade, carregando comigo dois lemas, que servindo um de escudo e o outro de espada, vêm abrindo como ‘leis de conduta’ a minha existência nessa terra da terceira dimensão: o primeiro é o dizer do pensador cristão existencialista Karl Jaspers que diz: ‘A meditação principal do final deste século para o século XXI, é a meditação sobre três coisas: Friederich Nietzsche, a bomba atômica e Jesus Cristo! O outro lema é: de Goethe - ‘Cinza é toda a teoria, mas verde, meu amigo, é a cor da árvore da vida!’

Discurso na Faculdade de Direito São Francisco - USP
Jorge Mautner discursa no "Onze de Agosto".

Jorge Mautner escreveu seu primeiro livro “Deus da chuva e da morte”, aos 15 anos. Em 1963, publicou “Kaos” e, em 65, “Narciso em tarde cinza”. Em “Vigarista Jorge”, com introdução do professor Mario Schembeg, na qual o físico dizia que o conceito mautneriano de Kaos era a síntese entre Marx, Berdiaev e Nietzsche. O autor publicaria  ainda mais nove livros. Também é compositor, sendo “Maracatu atômico” sua música mais famosa.

Após o Golpe de 64, Mautner saiu do Brasil. Nos EUA, trabalhou com um dos maiores poetas de lá, amigo de Ezra Pound e T. S. Elliot, Robert Lowell, de quem foi secretário literário, e de Paul Goodman, fundador da New Left, Nova Esquerda, filósofo e político neo-anarquista-democrata, pai da nova esquerda.

Mautner fundou o Partido do Kaos em 1958 em São Paulo, juntamente com José Roberto Aguilar e Arthur de Mellho Guimarães. Sobre o Kaos, Mautner escreveu no site Panfletos da Nova Era:

Nossa ideologia era um Anarquismo Pacífico baseado em: ecologia, diversidade sexual, mas consistia principalmente na proclamação messiânica e fundamental da novidade totalmente original e essencial que o Brasil havia criado com a sua própria História para o bem de todos os povos do planêta terra, nos meus textos escritos eu já proclamava a toda hora: ‘Do Brasil nascerá a Nova Coisa’ ‘Do Brasil nascerá a nova era!’ Isso será constantemente proclamado em todas minhas músicas, livros, entrevistas, palestras, militância política e cultural até hoje ano de 2013. E o será sempre proclamado enquanto eu estiver vivo. (...) Eu, Aguilar,e Arthur sabíamos por leituras intensas de Dostoiévski, Nietzsche, Machado de Assis, livros de História e filosofia, o que está bem claro em meus escritos todos desde o Deus da Chuva e da Morte, que Jesus de Nazaré é quem inventou e criou o romantismo, os direitos humanos, inclusive a desobediência civil pacífica e pacificante, e através do livre arbítrio o liberalismo,e finalmente o socialismo!!!!”

O símbolo do Kaos era uma espécie de exú alado em fundo vermelho, e KAOS queria dizer simultâneamente:Kristo Ama Ondas Sonoras=Kamaradas Anarquistas Organizando-se Socialmente=Kolofé Axé Oxóssi Saravá=”

Um fato inusitado: Após uma entrevista de Mautner concedida ao jornalista do Shopping News e estudante de direito Paulo Azevedo, este fundou uma ramificação do Partido do Kaos na tradicional e conservadora Faculdade de Direito da USP, onde teve ampla e repercussão. Segundo Jorge Mautner: “Ainda em 1962 houve grande influxo de militantes surgidos da Faculdade de Direito pois nesta faculdade havia surgido um líder muito competente e de muita iniciativa chamado Paulo Azevedo que conseguiu em eleições da Universidade colocar o PK em terceiro lugar muito perto em votação com os dois Partidos clássicos e majoritários”.


Paulinho do Kaos


O boletim “O Gafanhoto” que ostentava a seguinte epígrafe:

“Quando Deus fez o mundo,
Pra castigar os infiéis
Ao Egito deu gafanhotos
E ao Brasil, bacharéis!”

Assim noticiava o surgimento do PK pelas Arcadas:

“Acaba de ser fundado na Faculdade o partido do Kaos. “Kaos” assim com “k” é muito mais importante do que o outro “caos”, que afinal é denominador comum de qualquer partido político. Alguns princípios do novo partido: crença na morena brasileira, recauchutagem de Jesus Cristo, e promover a sacrossanta arruaça!”

Aqui publicaremos um material inédito. Um poema e a “Constituição do Partido do Kaos”, ambos de autoria de Paulo Azevedo, ou Paulinho do Kaos, influenciado pelas ideias do Kaos:

O NOVO CREDO
(out. 1962)

Tudo muito igual:
Na cruz do calvário
Hoje está um proletário
A obra “O Capital”
É os santos evangelhos
A Santa Madre Igreja -
O Partido, o Partido!
Marx, a Razão e o Estado -
Eis a divina trindade
(Menos mistério, já se vê!)
Quem é Lenine senão Pedro?
O paraíso prometido está aqui mesmo:
A nova sociedade comunista.
Deus, uma safadinha confusão
Ou apenas adorável interrogação:
Felizmente não há juízo final…
A bomba atômica?

Ora, ora não faz mal!

Paulo Azevedo discursa na SanFran.

CONSTITUIÇÃO DO PARTIDO DO KAOS

1o.) O Partido do Kaos é a primeira súplica séria que fazemos à geração anterior e futura no sentido que confie em nós. O Partido do Kaos é o início de plasticização da Nova Coisa.

2o.) Adotamos como símbolo a Cruz de Mautner, porque ele é um escritor extremamente lúcido e homem bom. A Cruz de Mautner é assim:

(A cruz atrás de Mautner, na foto do topo)

3o.) Adotamos como saudação o Grito do Alvarenga, porque ele é meio louco, porém cura a juventude acadêmica muito mais que os próprios professores dela. O grito é assim:

“Companheiros, de pé!”

E a resposta é assim:

“De pé!”

4o.) A nossa bandeira é negra com uma rosa vermelha de haste verde no meio, porque este é o estandarte que tem Verdade, Beleza e Bondade.

5o.) Adotamos como hinos os seguintes: “Hino Nacional Brasileiro”, “A Marselhesa”, as canções caboclas e afro-americanas, a “Marcha Radetzky”, de J. Strauss, a grande marcha da “Aída”, de Verdi, as músicas de Wagner, “Glória, Glória Aleluia!” (hino Cristão), a “Marcha Nupcial”, de Mendelssohn, as músicas de base indígena da América Latina e as canções dos “mariachis”.

6o.) Adotamos como símbolo-saudação o levantamento bem alto dos dois braços, em “V”, porque este sinal, doa a quem doer, é o sinal da vitória.

7o.) Eis o que desejamos para a Humanidade:

a. Paz, Paz, Paz!

b. a extinção do assassinato, brincadeira comum a todas as gerações passadas;

c. a restauração de Jesus Cristo;

d. a redescoberta do Coração, como primeiro orientador das relações humanas;

e. os frutos bons, amadurecidos pela experiência Oriental e Ocidental, tendo como principais pomares os EUA e a URSS;

f. a ajuda da inteligência de Karl Marx;

g. a compreensão de Dionisio;

h. o real aproveitamento por parte de todos, sem distinção de classes, dos grandes como Bach, Mozart, Vivaldi, Wagner, Schumann, Da Vinci, Renoir, Picasso, Portinari, Kafka, Fernando Pessoa, Mautner, Sartre, Tagore, Khayyám, Tolstoi, Dostoievski e tantos outros.

i. o reacendimento da tocha da Estátua da Liberdade que está ameaçada de ser apagada por certas águas do mar de Nova York.

8o.) para o indivíduo, eis o que recomendamos:

a. a dúvida metódica que conduz ao perplexismo dinâmico: a mais verdadeira das atitudes do homem diante das coisas do mundo;

b. a crença no poente, na floresta, na chuva, e na rosa desabrochada, sob a lua da América;

c. a subordinação à própria verdade espiritual e carnal, que resulta na autêntica auto-interrogação;
d. o respeito e consideração ao companheiro de amor eleito, bem como aos resultados do irmão: a família continua precisando sem bem integrada e firme, pois é a unicidade celular do organismo social;

e. o amor ao estudo da vida dos seres de elite, surgidas em todos os tempos, no seio da Humanidade, especialmente do limpo e eterno Jesus Cristo, o Nazareno.

9o.) Para o Brasil, nós exigimos:

a. Independência ou Morte! Mas desta vez p’ra valer mesmo: INDEPENDÊNCIA OU MORTE!

b. o enterro definitivo do poder financeiro, responsável pela cínica “representação do povo”;

c. a devolução aos brasileiros de tudo aquilo que é propriedade dos brasileiros;

d. a integração aos povos da América Latina, pois é válido o princípio segundo o qual “somente os iguais na desdita podem se ajudar com verdade e eficiência”;

10o.) Dentre os crimes que apontamos à geração anterior, que ainda manda em todos nós, destacamos:

a. as travessuras bélicas do passado recente, que redundaram no mais violento tripúdio à dignidade humana de milhares de seres;
b. as ameaças irresponsáveis e assassinas de próximas travessuras bélicas;

c. a placidez de moleque imbecil com que contempla a agonia de todas as conquistas humanas.

11o.) Todavia, ainda temos esperança em a geração anterior:

a. compreender nossa sacrossanta arruaça, nosso rock’n’roll, nosso samba e a nossa estupenda gargalhada;

b. desperte e tenha modos;

c. não nos aborreça com pedidos de “moderação”, porque não tem condições morais para isto.

12o.) Com e pela geração de agora, pretendemos:

a. canalizar e aproveitar esta sacrossanta arruaça, este tumulto maravilhoso que é próprio de todos nós, moços de hoje, traídos que fomos pela geração de ontem;

b. descobrir e dar sentido positivo à formidável e justa gargalhada que temos;

c. eliminar os estragos cruéis produzidos pela travessa e destruidora geração de ontem;

d. iniciar a construção da Nova Coisa, pela crença do advento da Nova Era.

13o.) para o “Onze de Agosto”, exigimos:

a. uma direção que tenha amor, antes de mais nada, pelos miseráveis da América Latina e do Brasil;

b. uma direção inquieta e disposta em converter em força positiva o tumulto dos acadêmicos do Largo de São Francisco;

c. uma direção que saiba compreender a gargalhada de nós todos, atualmente desprezada e perdida pelo pátio e nas Arcadas;

d. uma direção que represente verdadeiramente as aspirações dos alunos da Faculdade de Direito.
  
Jean, autor de "A saga de um andarilho pelas estrelas", e Mautner.

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