terça-feira, 31 de março de 2015

Eugênia Grandet, de Balzac, e Armindo e Florisa, de Filinto Elísio

Eugênia Grandet, de Balzac, e Armindo e Florisa, de Filinto Elísio

Para realizar um estudo comparativo entre as narrativas das obras Eugênia Grandet, do romancista francês, do século XIX, Honoré de Balzac, e Verdadeira história dos sucessos de Armindo e Florisa, do escritor e poeta português Filinto Elísio, do século XVIII (e parte do XIX), conforme estipulado na proposta da primeira avaliação da disciplina de Literatura Portuguesa II, achou-se necessário, para fins metodológicos, estabelecer a narrativa épica ou clássica por referência antes de entrar em detalhes sobre o objeto central desta avaliação. Obviamente, não será dito muita coisa sobre a narrativa épica, apenas que seu narrador possui um status onisciente, mas, ao mesmo tempo, não se intromete nos fatos narrados, assumindo, assim, uma posição de distanciamento e neutralidade. Tanto nos romances de Eugênia Grandet e Armindo e Florisa os narradores tomam uma perspectiva bastante diferente. A começar por Armindo e Florisa, cuja escola literária poderia ser classificada como pré-romântica (ou mesmo romântica), o narrador toma parte da história logo no prefácio e apresenta-se na figura de Rodrigo Marques, um suposto parente de um dos protagonistas. Este adota uma posição narrativa de testemunha da história que tem como centro o amor de Armindo e Florisa, ambos filhos de famílias rivais, tal como em Romeu e Julieta, obra à qual inspirou Filinto Elísio, e que é o mote de toda a trama. Depois de uma apresentação sucinta e formal, o narrador inicia uma descrição bastante objetiva dos fatos que se desenrolarão, mas sua familiaridade com o ambiente em questão é tão grande que, talvez, movido por um ímpeto de nostalgia sentimental, chega a descrever a paisagem com uma subjetividade surpreendente: “Ainda hoje tenho na memória, tam vivamente pintados, como se hontem, e não depois de 38 anos, delles já me despedira...”  (p. 10). Tal aspecto da narrativa reforça a posição de testemunha do narrador e dá certo grau de verossimilhança à obra. Talvez, por meio deste artifício, o autor inova e escreve um romance histórico, em que o protagonista, Armindo, toma parte nas conquistas ultramarinas do Império Português, tendo, assim como nos Lusíadas, desfecho melancólico: fim do sonho messiânico português? Mas, é o plano ideal, ou seja, honra e a tradição familiar, que move o protagonista sem esperança de consumar seu amor com Florisa. Antes de passar para Eugênia Grandet, cabe ainda ressaltar quão pouco dramática é a narrativa, predominando o discurso indireto e marcada pela ausência de diálogos entre os personagens, que se manifestam em poucas intervenções, de caráter esporádico e não dialógico, através do discurso direto. O romance Eugênia Grandet já apresenta uma estrutura mais familiar ao leitor moderno, apresentando uma riqueza descritiva muito próxima do real, quase e que caracteriza os textos de Balzac e, posteriormente, o realismo. Neste sentido, o autor descreve longa e pormenorizadamente os fatos históricos, o ambiente, a cidade de Saumur, a casa, o cotidiano etc. e o contexto que envolvem os personagens que só são compreendidos através dessa descrição minuciosa. Tem em comum com Armindo e Florisa o fato de ser também um romance com fundo histórico: a história de Eugênia Grandet passa-se pós Revolução Francesa. Porém, é realista demais, contrastando com o teor fantástico – e, digamos, um tanto quixotesco – descritos de uma África ou uma Índia idealizadas e de onde o protagonista se bate solitário com batalhões ou um adversário à sua altura. Já a posição que ocupa o narrador em Eugênia Grandet é bastante diferente. O narrador não se põe como uma testemunha da trama, mas dele nada sabemos e é como se estivesse observando, por detrás de uma cortina, as pessoas no tempo e no espaço. Ou seja, seu status é de onisciência, porém, ao contrário do narrador épico, aquele, através do discurso indireto livre, esmiúça a personalidade dos personagens extraindo deles uma forte carga psicologizante. Além disso, o amor de Eugênia e Charles Grandet não tem os mesmos laivos românticos de Armindo e Florisa. O amor descrito pelo romancista francês não resiste às questões materiais, ou seja, financeiras. Enquanto Armindo viaja o mundo para lutar por sua honra, Charles parte para fazer fortuna. Se ambos os amores malogram, os motivos, no entanto, diferem. Para concluir assim, diríamos que a narrativa de Armindo e Florisa é muito mais idealista com seus protagonistas nobres e heroicos; já a de Eugênia Grandet, escancara o que há de pior, em termos éticos, no ser humano, ou seja, ganância por dinheiro e riqueza e é terrivelmente materialista.



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