sábado, 29 de agosto de 2015

Kurz Circuito I

Kurz Circuito I


Autor: Jean Pires de Azevedo Gonçalves


O Fanfarrão

(Versão modernizadora)


Após o Capitão Hegel ter ido para a reserva e sido substituído pelo Capitão Marx, agora era a vez do Capitão Kurz assumir o comando da Tropa Fetiche. Durante os severos treinamentos da tropa, o Capitão Kurz descobriu que um Trosko gabava-se de ter dado um salto do Cristo Redentor ao Pão de Açúcar e que, segundo diziam algumas testemunhas, filiadas a uma organização ufológica denominada Não da Negativa, isso podia ser confirmado positivamente. Enfurecido, em meio aos exercícios, o Capitão grita:


TROPA: Um, dois, feijão com arroz; três, quatro, comer no prato; cinco, seis, no fim do mês; sete, oito, comer biscoito...


CAPITÃO: 671!!!! O senhor disse que pulou do Cristo Redentor ao Pão de Açúcar. Aqui estamos, em pleno Cristo Redentor, pule novamente!


TROSKO: Sim senhor! Quer dizer: Não senhor... Acho que deve ter ocorrido algum equívoco. Não estamos no Cristo Redentor. Aqui é o Corcovado! Olha só que maravilha! Tem vista pro mar...


CAPITÃO: Digo teoricamente. Finja que estamos no Cristo Redentor, de mentirinha, e dê o pulo agora!


TROSKO: O pulo também pode ser teoricamente; quer dizer, de mentirinha?


CAPITÃO: Não! Pule de verdade, com as duas pernas!


TROSKO: Ah, sim, com as duas pernas me parece bem apropriado...


CAPITÃO: 671, pule agora! Não me faça repetir outra vez!


TROSKO: Não, não, não, e não!... Assim não dá certo, não vai funcionar. Se não for um pulo do Cristo Redentor, não pode ser de nenhum outro lugar. Sabe como é, direitos autorais, multas contratuais, o cachê é baixo... Não vai rolar.


CAPITÃO: Olha, se senhor não me obedecer, eu chamo o Caveirão, heim?!


TROSKO: O Caveirão não, por favor! Não chame o Caveirão, não chame o Caveirão! Eu tenho meda dele! Se for para chamar alguma coisa óssea, não chame com o “ão” e, sim, com o “inho”. Que tal chamar o Caveirinha? Me parece mais simpático e até meigo...


CAPITÃO: Cale a boca, imbecil! Pule! Pule! Pule! Pule!


TROSKO: Lamento sim-senhor, não posso, eu estou com uma baita indigestão. Comi um sanduiche com molho especial muito calórico antes de passar na academia. Embrulhou o estômago. Sabe como é, os exercícios de pilates são tão exaustivos!


CAPITÃO: 671! O senhor é um fanfarrão, 671!


TROSKO: Não senhor! Quer dizer: Sim senhor!


CAPITÃO: 671, o senhor é um fanfarrão!!!! Faça 300 flexões agora!


TROSKO: O sim-senhor não quereria ter dito três flexões e sem querer acabou colocando, por força do hábito de lidar só com zeros, dois zeros atrás do três e saiu trezentas? Sabe, lapsos de linguagem acontecem. Além do mais, é tão mais fácil falar só "três"; economiza saliva, voz, oxigênio, pulmão, músculos bocais, língua etc... Realmente, pra que zero? Zero não é nada mesmo! Olha só. Zero mais zero é zero; zero vezes zero, zero; zero dividido por zero... é zero; zero menos zero... Adivinha?!... Também é zero! Coincidência, não? Aliás, vamos combinar, eu sou um zero à esquerda, o sim-senhor é um zero à direita, resultado: dá tudo zero e se pôr um, como recitava Trilussa, na frente de tanto zero é um desperdício de nulidades numéricas, não é mesmo? Afinal de contas, Capitão, o sim-senhor nunca foi um esbanjador, dá tchau até de mão fechada e vive dizendo que estamos em crise. Melhor mesmo é fazer só três flexões... Confie em mim!


CAPITÃO: 671, eu disse: tre-zen-tas flexões... TREZENTAS!!!! Eu disse TREZENTAS!!!! O senhor por acaso é surdo, não limpa as duas orelhas, os dois ouvidos, ou sei lá quantos tímpanos, ou o quê?! TREZENTAS!!!! Será que eu preciso gritar?!


TROSKO: Capitão, perdoa-me a observação um pouco intrometida, um tanto indelicada e até invasiva, é verdade; sei que eu não sou íntimo de sua excelentíssima pessoa, mas o sim-senhor só fala gritando! Eu nunca vi o sim-senhor falar, tipo normal, em voz baixa, assim como todo mundo fala. É sempre aos gritos, esgoelando a garganta... Parece até maluco! Sabe, não é bom para as cordas vocálicas esse tom muito alto... À noite, o sim-senhor deve ficar com uma rouquidão horrorosa...


CAPITÃO: (O Capitão Kurz passa a cantar de modo insano) TREZENTAS!!!! Lá, lá, lá, lá... Eu disse TREZENTAS!!!! TREZENTAAAS, lá, lá, lá, lá! (E depois de uma longa pausa, diz sobriamente) Preciso ser mais claro?!


TROSKO: Dá pra imaginar essas flexões teoricamente, do mesmo jeito que a gente fez com o Corcovado. Lembra-se? Tipo assim, imaginar uma cena em que estou fazendo as flexões. Olha, eu já estou imaginando, 1, 2, 3, 4... 52, 53... 87, 88...  Veja como eu estou ficando cansado... Agora já são 200 flexões... Falta só um pouquinho! Enfim, TREZENTAS!!!! Ufa, isso cansa o cérebro!


CAPITÃO: NÃO!!!!!! Faça agora, imbecil! Com os dois braços!


E assim, apesar das súplicas e dos protestos em vão, antes mesmo de chegar à décima flexão, o pobre Trosko cai esbaforido, desmaiando. Nesse momento, um Jovem Hegeliano se esconde atrás da tropa.


JOVEM HEGELIANO: Espero que o Capitão Kurz não me veja aqui...


CAPITÃO: Jovem Hegeliano!!! Você não comeu a merenda estragada que eu joguei no chão! Você não comeu a merenda estragada! Por quê, Jovem Hegeliano? Pede pra sair! Pede pra sair!  


JOVEM HEGELIANO: Posso sair, Capitão? Eu quero tanto sair! Deixa eu sair, por favor, deixa eu sair!


CAPITÃO: Ótimo, melhor assim. Não aguentava mais este chato. (...) Tenente, agora me traga os bonequinhos do Comando em Ação e vamos invadir o Formigueiro do Alemão. Atacar!


Assim, após executar uma exaustiva prática teórica, especulativa, contemplativa e abstrata, a Tropa Fetiche destrói o mundo em pensamento, movendo vários bonequinhos que atiram sons onomatopeicos de metralhadora. Toca a trilha musical que anuncia o The End:


“Tropa Fetiche osso duro de roer, pega um, pega geral, também vai pegar você...”


- FIM -



O Oráculo


Na Atenas dourada de Péricles, um grupo de jovens passeava por dias inteiros e, entre um piquenique e outro, dedicava-se toda a vida à filosofia, sendo por isso chamado de "Peripatetas". Como muitos deles acreditavam-se ter entre os deuses seus antepassados, mantinham um ar sobranceiro e, não raro, tratavam com grande desprezo os demais cidadãos da pólis. Acordaram tacitamente entre si que ao vulgo estava interditada a participação em seus intensos debates teóricos e, por meio de um novíssimo e intrincado método de persuasão, baseado na ironia e em outros recursos da retórica, passavam a desafiar, quase à maneira de uma modalidade esportiva, os pretensos doutos que desgraçadamente caíam em sua teia de influência ao aceitar enfrentá-los no doloroso parto das ideias. Nas assembleias realizadas no anfiteatro próximo à acrópole, interpelavam interlocutores incautos fazendo apenas uma ou duas indagações em meio a sorrisinhos sarcásticos e a miradas significativas, de soslaio. Sim, olhares espirituosos e triunfantes! Por fim, pensavam: "Este bundão não percebeu nada; o paradoxo fundamental". Um dia, quando nadavam num lago, Patão, seu líder, teve uma eureka, quer dizer, uma boa descoberta, e correu nu por um vale rochoso a brados largos: Eureka! Eureka! (Isto é: Descobri! Descobri!)


Acéfalo: O que deu nele? O que é eureka?


Teeteta: Não sei, mas deve ser alguma coisa importante, pelo jeito que ele ficou, ou algum bicho mordeu a bunda dele e por isso está gritando assim, de dor.


Patão: Enfim, descobri a essência mais essencial da humanidade humana!


Empadinha: Mas, Patão, desculpe-me, você não é um ser humano; você é um pato! Um pato grande, sim, é verdade, mas não deixa de ser um pato e vai continuar sendo um pato por muito tempo ainda.


Patão: Seu imbecil, eu sou um zoon politikon, isto é, um animal político. Até quando você insistirá na ontologia do ser humano?!!! Alguém, por favor, dê um jeito nesse cabra?


Critikon Menor: Empadinha, com estas mãos eu já nocauteei muito marmanjão nas Olimpíadas passadas! Você quer levar uns sopapos?


Critikon Maior: Silêncio!!!! Ele vai falar.


Patão: Ora, como todos sabem, os escravos são instrumentos falantes. Todavia, descobri que o desejo mais íntimo da categoria de um escravo é ser categoricamente um escravo. Até mesmo quando os escravos se revoltam contra a sua condição de escravo, reivindicando liberdade, e o status de homens livres, falantes sem ser instrumentos, isto já é premeditado e esperado, no interior de uma lógica irredutível, porque sabem, escravos que são, que a represália será intensa e a escravatura, recrudescida. Atenção para estas sábias e belas palavras, extraídas dos mais fundamentais princípios: escravo é escravo, não é não escravo e não é escravo e não escravo!


Teeteta: Gente, eu estou tremendo. Olha, eu estou toda arrepiada. Ele falou "categoria". Vocês ouviram? Isto é fantástico. Categoria!


Patão: Espera lá, mocinha, não tão depressa! Eu descobri também que a igualdade e a liberdade são princípios apenas masculinos. O termo apropriado para as mulheres é "obtusidade".


Todos: Por Zeus!!!!!!


Patão: Sim, obtusidade, que, trocando em miúdos, nada mais quer dizer que o essencial nas mulheres é o fato de serem seres inerentemente propícios a atividades na cozinha ou no tanque de lavar togas. Trocando ainda mais e miúdos, até diria eu, em miudinhos, miudinhos, vocês mulheres não são aptas à nobre arte da filosofia. Ao pretenderem transpor a essência que lhe cabem, através da filosofia, por exemplo, vocês se tornam homens. Nem mais nem menos.


Empadinha: Obtusidade?! Precisava complicar? Porque não disse logo de uma vez...


Critkon Menor: Quieto Empadinha! Você sabe que sou faixa preta em luta greco-romana...


Critikon Maior: Silêncio!!!! Ele vai falar.


Patão: Então, prestem atenção, cambada, para esta sacada fenomenal:


Todo homem é igual e livre;

Uma mulher quer ser igual e livre;

Logo, essa mulher é homem.


Critikon Menor: Patão, você... você é o cara! Estou tão emocionado! Gênio! Ícone!


Critikon Maior: Silêncio!!!! Ele vai falar.


Patão: Vejam Teeteta, ela tem bigodes.


Todos: Verdade! Verdade!


Critikon Menor: E também tem uma penugem no queixo.


Todos: Verdade! Verdade!


Critikon Maior: E fios estranhos nas têmporas.


Todos: Verdade! Verdade!


Acéfalo: E pelos no nariz.


Todos: Verdade! Verdade!


Empadinha: E cabelo dentro do ouvido.


Todos: Verdade! V...


Patão: Não!!!! Não tem cabelo dentro do ouvido coisíssima nenhuma! Quem deixou esse jovem heraclitiano entrar aqui?! Poxa, eu já estou perdendo a paciência.


Todos: Até quando enfim abusarás, Empadinha, de nossa paciência! (Tradução de: "Quosque tandem abutere, Empadina, patientia nostra?") Seu mentiroso desgraçado, toma o seu rumo, parceiro.


(Entra o velho Cícero)


Cícero: Ei, vocês estão me plagiando! Eu sou o autor das célebres catilinárias... E, além disso, sequer vocês resolveram o paradoxo do mentiroso.


Critikon Menor: Quem é esse cara?


Critikon Maior: Silêncio!!!! Ele vai falar.


Patão: Não deem atenção a esse decrépito com esta peruca mal ajambrada. Esses latinos imitam tudo o que nós helenos fazemos e ainda querem dar lição de moral na gente?! Ô seu babaca, se manda daqui com suas catilinárias e este maldito paradoxo sem solução!


(Cícero retira-se)


Patão: Como eu dizia, presumo que Teeteta em pouquíssimo tempo se metamorfoseará num homem completo.


Teeteta: Não gostei. Você acha que não custou caro essas próteses de silicone? Quem é que vai me devolver o dinheiro? E, além do mais, ficaram tão bonitas, eu fiquei tão sexy.


Empadinha: É mesmo, ficou uma gatinha! Dou o maior apoio, Teeteta.


(Entra o romano P. Tullius Cornelio Furanus)


Furanus: Galera, o que vocês acham de fazermos uma festa de arromba para comemorar o solstício de verão?


Todos: Boa ideia! Tullius, maravilhus!!!!


Furanus: Uhu uhuu!


Empadinha: Podemos fazer tapioca de berinjela, alcachofras com berinjela, arroz à grega com berinjela e sorvete de berinjela com cobertura de azeite de oliva.


Todos: E podemos dançar o kudurus!


Furanus: Uhu uhuu!


Patão: Vamos enviar um peregrino a Delfos para obter autorização do Oráculo.


E assim enviam um peregrino a Delfos onde, sob a inscrição "Conheça-te a ti mesmo, imbecil", o Oráculo vaticinava.


Peregrino: Ó glorioso Oráculo, nós, os filósofos Peripatetas, estamos nos sentindo tão culpados. Não sabemos se quando castigarmos um escravo devemos bater forte, fortíssimo ou muito, muito, muito fortíssimo?


Oráculo: A pancada deve ser proporcional à necessidade da pancada. Ou seja, esmague o escravo como uma panqueca, faça picadinho dele, torture-o... mas ponha esses malditos preguiçosos para se mexer... e use de muita, mas muita violência mesmo! Eu quero ver sangue.... Aaaahhhhh! Isso me deixa tão excitado!


Peregrino: Estamos também angustiados, pois não sabemos se é correto espalhar a eureka pela cidade e ainda assim dançar kudurus.


Oráculo: Aaahhhh muleque! Se for para contar a verdade, arrebenta, quebra tudo, pisa o pé na jaca, caia na gandaia, malandro! E não se esqueça de esvaziar o cofre dos velhinhos da Gerúsia, irmão!


Peregrino: "Caia na gandaia", poxa, tirou essa do fundo do baú. E Patão, é realmente um guru?


Oráculo: Um guru?! Não, não, não... ele não passa de um otário!


Peregrino: O quê... otá... o quê?


Oráculo: Otávio. Eu profetizo que Otávio será o primeiro imperador de Roma. Otaviano Augustus será lembrado por séculos e séculos. Mas não vai ser agora. O colapso da Antiguidade ainda vai demorar muito, muito tempo. Não se preocupe, pode curtir a vida a valer, sem culpa nem traumas. E, por favor, ao passar por Corinto, não se esqueça de transmitir esta revelação: "Vai Curintchas!!!!"


Peregrino: Grato! Foi tão edificante.


Oráculo: Ah, e o senhor vai pagar com cartão ou em dinheiro? débito ou crédito? é "cliente menos"? nota fiscal paulista? (...) Tá aí ainda?! Dá linha na pipa, puxa o carro, irmão!, xô, fora, adeus, adiós, ciau, adieu, goodbye, Auf Wiedersehen... Próximo!!!!


Ao voltar para Atenas, o peregrino gritou:


Galera, liberou geral!


Todos: Oba!


Patão: DJ, som na caixa!


Oioioi oioioi Vem dançar kurudo, quero ver balançar; Mexe e remexe, que é uma loucura... Oioioi oioioi (...)


Teeteta: Gente, alguém viu o Tullius?


Todos: Cadê o Tullius?!!!!



INTERPRETAÇÃO PARA OS QUE ESTÃO EM INICIAÇÃO NOS MISTÉRIOS DA EUREKA: Zeus havia obrigado Hermes a dar a todos os artesãos o veneno da mentira. Hermes preparou a mistura e espalhou-a igualmente por toda a parte. Quando foi a vez do sapateiro, ainda restava uma boa quantidade no fundo do pote. É por isso que, de todos os artesões, o sapateiro é o mais mentiroso. (“Hermes e os artesões”, de Esopo).


- FIM -


domingo, 2 de agosto de 2015

Versos de Castelo Hanssen

Alguns versos de Castelo Hanssen 

Minuto




Tu disseste “espere-me um minuto”,

e eu fiquei solitário a esperar.

Um minuto é um espaço diminuto

das voltas que os ponteiros tem a dar.



Os minutos, pingando lentamente

do relógio à parede do meu quarto

aos poucos transbordaram minha mente,

meu coração, já de minutos farto.



Minutos e horas foram se seguindo,

quantos foram não tenho na lembrança,

e eu medito, tentando não chorar:


Como machuca o tempo se esvaindo,

como é breve um minuto de esperança,

como é longo um minuto a esperar!




Olhos


Estes olhos que a terra há de comer,

e que a noite infinita devorou,

ainda buscam, fitando o Infinito

a estrela que em Belém certa noite brilhou.


Era uma estrela errante, e conduzia

reis, mendigos e pastores,

servos e senhores,

a uma gruta, onde aos olhos dos bichos,

e do amor de um casal de peregrinos

nasceu um menino.


Essa estrela inda brilha entre núvems

desse céu poluído,

a mostrar que o amor não morreu nem morrerá,

está apenas escondido.


E quem olhar com os olhos da bondade,

do coração que diz sempre a verdade,

embora cego há de ver:

Todos os dias nascem milhões de crianças,

em cada criança que nasce, nasce uma esperança,

não deixemos morrer.



Estátua de Poeta


Quem sempre tomou no lombo

ser estátua? que perfídia!

O prêmio que vem dos pombos

é o mesmo que vem da mídia.



Reforma Ortográfica


A Reforma Ortográfica

do Português engessado

ensina. de forma prática

a gente a escrever errado.



Cantor de banheiro


“Quem canta os males espanta”

é o ditado do povinho,

Mas quem não sabe e canta

espanta mais o vizinho.



Meu “saite”


Eu tenho um sítio bem pequenininho

esquisitinho, que se chama “saite”

Neste meu sítio novo, sem porteira

galo não canta nem cachorro late,

não tem siquer um pé de bananeira,

ou de goiaba, caqui ou abacate.


Não tem corguinho pra pescar traíra,

nem cachoeira para se banhar,

o sol não brilha lá praquelas bandas,

quando é de noite lá não tem luar,

não tem casinha branca de varanda

pra tocar viola de papo pro ar.


Não tem galinha pra botar um ovo,

não tem chiqueiro pra engordar um leitão,

não tem terreiro pra formar uma roça,

pra plantar milho, mandioca ou feijão,

pra botar um mastro, pra fazer fogueira

Pra festejar as noites de São João.


Lá só tem rato que se chama “mause”,

e outras porqueiras que eu não sei o nome,

e um tal de vírus, que quando aparece

bem depressinha meu trabalho some.

Isso pra mim é coisa do capeta,

ou da caipora, saci ou lobisomem.


Eu sinto muito, meus caros amigos,

mas eu não posso convidar vocês

pra conhecerem minha propriedade,

vou explicando logo de uma vez:

Sou brasileiro, com muita honra,

mas lá só entra quem souber inglês.




Aristides Castelo Hanssen é um talentoso escritor da cidade de Guarulhos (SP); autodidata, é autor de sete livros publicados. De poesia são Canção pro sol voltarA flor que Drumond viu nascer no asfaltoUm cego fita o horizonte e Fragmentos de memória. De crômicas, Conserta-se mundos e fundos, e uma peça teatral, em versos, Geremias Gemebundo. Também é fundador do Colégio Brasileiro de Poetas de Mauá, do grupo literário Letraviva de Guarulhos e da Academia Guarulhense de Letras. É presidente honorário da Sociedade Guarulhense de Cultura Artística.