1. O conto “Carimã, a
quiniquinau”, de Visconde de Taunay, tem em comum, às obras comentadas em aula,
a escolha do protagonista entre o elemento indígena. O índio aparece como
representante da conciliação nacional, que, na verdade, é uma alegoria para
justificar o conflito de interesses entre os grupos sociais divergentes. Neste
sentido, o mito fundador na literatura brasileira do projeto nacional é
constituído sob a metáfora do herói indígena congregador das contradições
políticas, embora deixando intacta a estrutura social. Por isso, o índio sempre
aparece aliado ao branco, seja nas lutas entre portugueses e estrangeiros
(franceses, holandeses, espanhóis), ou nas lutas internas entre portugueses e
brasileiros ou entre partidos locais. No caso de “Carimã”, o protagonista,
Pacalalá, índio da tribo quiniquinau, luta ao lado dos brasileiros contra os
“castelhanos”, no contexto da Guerra do Paraguai. Conflito deveras conhecido,
envolvendo os países da tríplice aliança – Brasil, Argentina e Uruguai – e o
Paraguai de Solano Lopes, e que resultou em um genocídio em terras paraguaias.
Várias características do romantismo podem ser destacadas em “Carimã, a
quiniquinau”, como o medievalismo, na analogia do índio com o cavaleiro
medieval, cujos valores são a coragem, a força, a lealdade, a verdade, a
justiça, o desprendimento etc.; o mito “rousseauniano do bom selvagem”; as
descrições da natureza em tom sublime; e o grotesco quando do enterro de
Pacalalá por sua mãe, Carimã.
2. O foco narrativo é em
terceira pessoa de tipo narrador onisciente. Porém, o narrador não assume um
tom distante e frio. Ao contrário, ele toma partido, em tom ufanista, e
participa como “expectador apaixonado” dos acontecimentos narrados, ao exaltar
as virtudes dos personagens brasileiros, que são aguerridos, heroicos e incutem
admiração até mesmo nos adversários paraguaios. Há também forte carga emocional
e comiseração ao descrever as mazelas por que sofrem os brasileiros acossados
pelas tropas paraguaias e também nas descrições dos povoados e vilas devastados
e em ruínas. Escreve Taunay: “No meio da grita das mulheres, do chorar das
crianças, das lamentações dos fracos, do vozear dos índios, dos conselhos
desencontrados, das discussões calorosas, aqueles que deviam tomar providências
para o bem geral e assumir a responsabilidade de uma resolução imediata, quer
no sentido de resistência, quer no de pronta retirada, perderam a cabeça e
deixaram-se arrastar pelo movimento da população, que, a 6 de janeiro, em peso
abandonou Miranda na mais extraordinária confusão”.
3. Pacalalá tem em comum com
os demais líderes indígenas do romantismo gonçalvino e alencarino o fato, já
salientado acima, de possuir constituição física extraordinária ao lado de um
caráter extremamente virtuoso, de integridade moral inquestionável, e também a
pureza imbuída na ideia da inocência do “bom selvagem”. Sobre ele, escreve
Taunay: “Tinha ele pouco mais de 20 anos; mas era um soberbo índio, cor de
cobre vermelho, com feições angulosas, maçãs do rosto salientes, dentes
acerados, olhos pequenos e inteligentes, queixo acentuado e denunciando
energia”. A mim, me lembrou muito a resignação, a valentia e o heroísmo de
Peri, este quase um sobre-humano.
4. A igreja é representada
pelo vigário de Miranda, o frei capuchino Marianno Bagnaia. Frei Bagnaia é o
elo entre as populações indígenas e brancas nas terras brasileiras, e dada sua
posição, embora quase sempre desprestigiada, não mede esforços para trazer a
paz entre as nações contendoras, ao buscar a compaixão para os seus dos
inimigos invasores. No entanto, a principal característica do frei é descrita
na obstinação por construir, com magros rendimentos e condições adversas, a
igreja de Miranda. “Havia na vila uma razão que o atraía com força
irresistível: era a igreja matriz que construíra com grande trabalho,
empregando nela os seus magros vencimentos e tudo quanto conseguia da caridade
dos fregueses”. Esta foi totalmente destruída, levando a ira do frei, que
acabou preso por isso, e, por conseguinte, malogrando de uma vez por todas as
frágeis possibilidades de diplomacia na região.
5. Diante do assédio das
tropas paraguaias lideradas pelo comandante Resquin à vila de Miranda, aparecem
comunidades indígenas, como as dos terenos, laianos (nação chané),
quiniquinaus, guanás, guaicurus e cadiuéos, em busca de armas para defesa
própria e da comunidade, através da guerra de emboscadas. Tal atitude, não é
por acaso. Para os índios, os “castelhanos” eram inimigos históricos. Porém,
nem todos os grupos indígenas se aliaram aos brasileiros, como fora o caso dos
quiniquinaus, guanás e laianos. Os terenos evitaram a luta e se isolaram,
enquanto os cadiuéos passaram a atacar ambos os lados do conflito. Mas, de
fato, o que levou os índios a entrarem no conflito foram questões territoriais
que os ligavam à região. Conforme escreve Taunay: “Os terenos, em número talvez
superior a três mil indivíduos, estavam estabelecidos ao Naxedaxe, a seis
léguas da vila, no Ipêgue, a sete e meia; e na Aldeia Grande, a três: os
quiniquinaus no Agaxi, a sete léguas N. E.: os guanás, no Eponadigo e no
Lauiád; os laianos, a meia légua – estes todos da nação chané. Dos guaicurus
havia aldeamentos no Lalima e perto de Nioac. Quanto aos cadiuéos moravam em
Amagalobida e Nabileke, também chamado Rio Branco”. Evidentemente, no conto, o grupo
indígena de maior destaque é quiniquinau, já que os protagonistas Pacalalá e
sua mãe Camirã pertencem a esta etnia.
6. Pacalalá é um exemplo e
admirado por todos. Diante da invasão das tropas estrangeiras, e na ausência de
um chefe capaz para liderar brasileiros e portugueses, Pacalalá, apesar de
muito jovem, “pouco mais de 20 anos”, é eleito o líder da resistência. Antes da
guerra, Pacalalá defendia os interesses dos índios perante o assédio dos
brancos, tendo sempre êxito, pois contava com a admiração e o respeito de
brancos e índios. Sua mãe sentia por ele um imenso orgulho, mas sempre com
muita discrição. Como descreve Taunay: “Camirã tinha orgulho em ser mãe daquele
filho, orgulho imenso, mas oculto no ádito de sua alma. Não só por índole, como
pelos costumes dos seus, nunca deixara transparecer a afeição intensa que
sentia por ele, nunca correra ao seu encontro ou o abraçara, quanto mais
beijá-lo ou tecer-lhe elogios!” Ao saber, da morte do filho em combate, Carimã
se veste de muda tristeza e vai ao encontro do corpo insepulto do filho para
render-lhe homenagens através de um enterro digno, libertando, então, a alma de
Pacalalá que estava presa ao corpo. E, assim, Carimã põe fim a própria vida ao
se sacrificar junto à cova de Pacalalá. Neste caso, a atitude da índia é muito
diferente do velho tupi, pai de I-Juca Pirama, que só se concilia com o filho
ao mandá-lo de volta ao ritual de sacrifício feito pelos índios timbiras quando
então I-Juca Pirama redime-se ao provar sua bravura dizimando os guerreiros
inimigos.
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