Pode se dizer que o disco (CD) “Rebelião Adolescente” da banda Fecaloma é um marco na história do punk nacional, já que foi o primeiro, com uma tiragem de mil cópias, a trazer estampado o preço na capa – R$ 3,00 reais, o que equivalia, na época, a um dólar. Ademais, no encarte, a banda inusitadamente fazia uma prestação de contas, discriminando os custos de gravação, arte, prensagem etc., e que demonstrava o quanto era barato a produção de um CD independente – que era vendido pelo preço de 10 a 20 reais. (Bandas do mainstream chegavam a vender por 40 reais ou mais).
Embora incomum no Brasil, a
prática surgiu nos anos 80 como uma reação à campanha antipirataria encampada
pela indústria fonográfica, que, àquela altura, mirava suas munições contra a
fita cassete, através da declaração de guerra: “A gravação caseira está
acabando com a música – e é ilegal”. Muitas bandas e fanzines parodiaram o
slogan. A banda anarcopunk holandesa The Ex acrescentou na advertência das
gravadoras o sugestivo: “já não era sem tempo!”. A versão em cassete do EP In
God We Trust, Inc, de 1981, do lendário Dead Kennedys, deixava virgem o lado B
da fita, que vinha com a seguinte inscrição: “A gravação caseira está acabando
com os lucros da indústria de discos!”, portanto, “deixamos um lado virgem para
você fazer a sua parte”. Estampas de camiseta da banda punk californiana Rocket
from the Crypt também alertavam, em tom sarcástico: “A gravação caseira está
acabando com a indústria musical – e daí?!!!”. Porém, ainda mais emblemático
foi o álbum Workers Playtime, de 1988, do compositor inglês de folk music e
punk rock, Billy Bragg, que, além da mensagem “o capitalismo está acabando com
a música”, fixava na capa o preço do disco em £ 4,99 e, logo abaixo, “não pague
mais”.
Curiosamente, a iniciativa
do Fecaloma não foi muito bem recebida na cena punk brasileira, sendo,
inclusive, objeto de crítica. Um país pobre como o Brasil, vai entender...
Em homenagem aos 20 anos do
lançamento do CD “Rebelião adolescente”, transcrevemos aqui integralmente o
texto impresso na sua contracapa:
Rebelião
adolescente
Não
fiz 18 anos, não sou maior de idade, não fiz 21 anos, não alcancei a maioridade
civil, deixem-me envelhecer dignamente. O que esperam de mim, que
arrume um emprego, que passe 10 horas numa firma, saia para almoçar num
restaurante self-service com um bando de chatos, entre numa faculdade, repita
como um papagaio estúpido palavras do tipo mercado de trabalho, campo profissional,
capacitação, (...), vista roupas sociais, beba cerveja com os amigos, fume um
baseado, comprei um carro, um celular, tenha no bolso mil cartões de créditos,
de banco, seguro de vida? Não mesmo! Não vou me corromper. Querem que eu faça
parte da Ordem, que renuncie
todas as minhas aspirações, esperanças, sonhos e utopias. Nunca! Não vou me
render, desistir dos planos de rebelião da minha adolescência. Odeio arrogância
do mundo adulto, a sua seriedade e má-fé. Odeio a frieza e a indiferença dos
adultos, seu calculismo e desrespeito. Onde está aquele mundo de fantasia que
me prometeram? Não existe. Só que eu acreditei. Por que me ocultar na verdade?
Quando eu era criança nem a verdade podia destruir a minha felicidade, então
porque não me disseram tudo? Não sou de guardar ressentimentos, mas não me
obriguem a fazer parte do sistema. A minha adolescência é eterna, e a essência da
minha revolta e crença na liberdade, a minha recusa ao mundo adulto. Conclamo a
todos os adolescentes, à rebelião! À rebelião!
Não tenho medo das
autoridades que me vigiam o tempo todo e me tratam como suspeito. Sou suspeito,
sim, sou inimigo da sociedade, que é conivente a toda injustiça e crimes
praticados pela ordem estabelecida. A hipocrisia das autoridades não me engana,
sou seu eterno inimigo. Estou armado com ideias mais explosivas que mil
dinamites juntas. Querem que eu faça 18 anos logo, para que assim eu possa
responder penalmente, e justificarem com o meu “consentimento” uma eventual
prisão. Mas não sou um criminoso comum, sou um revolucionário. Meu inimigo não
são as pessoas humildes, estes são os das autoridades; meu inimigo é a ordem.
Tenho espírito adolescente, a confusão não me é estranha, o tumulto é
divertido, a esperança é um sonho. À
rebelião, adolescentes! À rebelião!
Sou inconformado com este
mundo corrupto, se envelhecer é corromper-se, então eu não quero envelhecer.
Não vou fazer 21 anos, conquistar minha Independência civil e oficializar a
desonestidade. Jamais! Não quero sentir vergonha do passado, e quando eu
estiver maduro arrepender-me de qualquer ato de covardia. Sou um
revolucionário, não concordo com a indignidade e traição dos adultos que se
entregam sem a menor resistência ao sistema. Entregam-se ao mercado de
trabalho, ao campo profissional, à capacitação, à hipocrisia, sem sequer se
importarem com o destino sombrio das milhares de pessoas excluídas da ordem.
Não, sou um adolescente, detesto o trabalho como odeio a escola, amo a
liberdade como adoro o recreio. Quero viver no futuro próximo, no mundo
igualitário e livre, sem governo sem patrão. Conclamo à revolta, adolescentes!
À rebelião!
Fecaloma
Começo do século XXI (2001).
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