Quando voltei para casa,
encontrei em um gaveteiro há muito esquecido dois cadernos empoeirados,
carcomidos pela umidade e pelas traças, desgastados pelo mofo e pelo tempo, com
versos que escrevia em noites de insônia quando eu me encontrava na casa dos
meus 20 anos. Lembro-me de que havia ainda um terceiro; mas nada restou nos
vestígios de minha memória de seu paradeiro. Quanto à antologia que apresento
aqui, no entanto, suspeito que haja qualquer valor poético, em versos
indecisos, imprecisos, infantis, rascunhos de um diálogo de meus pensamentos
atormentados, indomáveis, pouco rigorosos, e espontâneos. Em todo caso, tomei a
decisão de transcrevê-los e publicá-los. Não perco nada com isso, e talvez eu
ainda descubra ao ver este espelho se existe algum valor profundo para mim
mesmo de mim mesmo que jamais compreendi. Sendo assim, todo dia 15 de cada mês,
será publicado 10 “poemas” de cada vez de uma coleção organizada e intitulada
por mim de “Eu Versos Eu”.
EU
VERSOS EU
Jean Monti
Caderno
1
1.
Em primeiro lugar
Não sou poeta
Escrevo versos
Versos livres
Sem métrica sem rima
Sem melodia sem ritmo
Versos
Não é poesia
São versos
Não sou poeta
Apenas desabafo
Eu em versos
Que sou
Versos, eu
2.
A vida é:
Queda livre
Vertiginosa
Lançar-se de
Olhos vendados
Penso:
Se uma gota dágua
Caísse duma nuvem
Demoraria toda uma vida
Para tocar o chão
3.
Fabíola:
O que me faz sentir assim
Medo, vergonha
Embriagado de você
Estonteado por você
Meu coração revolto
Inimigo meu?
Amor?
Que loucura é essa?
O amor
Seriam apenas reações químicas
Hormônios, energia elétrica?
Matéria, matéria, matéria! Matéria?
NÃO! Existe algo
(tem que existir!)
Mágico e misterioso
Desconhecido e engraçado
No fundo
Sinto raiva de mim mesmo
E, às vezes, estou feliz
Se você é tudo o que eu quero
Por que então fujo de você?
Nadando contra a correnteza que sou
eu?!
Ah, solidão!
Bastava estar com você, e pronto!
Suas lembranças
Tudo o que tenho agora
Lembranças
Guardadas, bem guardadas
Lembranças salva-vidas
Que no futuro me agarro
E agora terei
Inveja do passado
4.
Oh! Voz doce – de onde vem?
– entre notas musicais
Num canto suave
Que me suplica pra voltar
E não demorar
Sereia encantadora
Enfeitiçou o pescador
Nas profundezas do mar
Escuro
Mergulhou
Para nunca mais voltar
A luz do Sol ilumina oblíqua
No entardecer da saudade
A música continua
Lembro o meu primeiro beijo
Que não foi o primeiro
Mas sempre é o primeiro,
Quando é
Beijo de amor
Ah, quanta saudade!
O peito dói, e a dor
É lágrima
É versos
Ando desconsolado
A cor da minha casa
Já não é mais a mesma
Apesar de ser a mesma
Nunca mudou!
O sol é que é diferente
As flores, antes tão pacíficas
São agora girassóis de Van Gogh
O real se realiza angustiosamente
Mas o real é impassível, constante
Matéria-prima moldada e esculpida
Por nossos sentimentos sentidos
A essência é que é imutável
Ainda que podemos transformá-la,
destruindo
Deus! Me de forças, meu Deus!
Para não apagar esta chama
Que iluminava tão vivamente
Como antes iluminou
Minha vida
5.
Ora, mas o que é poesia
Pra que serve
Se ela não expressa o que sinto?
Palavras, palavras
Não expressam o que eu sinto
Palavras não sentem
Não dizem palavras
Eu não quero ser poesia
Quero ser sentimento
É por isso que me descrevo ao
desescrever poesia
Em versos canhestros
Sem poesia
Quero sentimento não poesia
Ou será que sou tão ignorante de mim
mesmo
E não conheço as palavras
Que expressam o que sinto?
Mas, se eu inventasse uma palavra
Uma palavra nova
Espelho dos meus sentimentos
Não. Não. Não adiantaria. Só eu
enxergaria
Esforço vão
Uma palavra inventada
Não é uma palavra
Mas eu sem significado
O que eu sinto
Só eu sinto só
Minha vida toda
Solidão, neste mundo
Eu sinto
Eu sinto as flores que olho
Sinto o vento que toca
Sinto a água que molha
Sinto as notas que toco
Sinto noite, Sol, dor
Sinto dia, Lua, amor
Agora sinto qualquer coisa
Eu sinto a vida sentindo
6.
Deixe o amor fluir
Como água da fonte no monte
Limpa, pura, tal qual cristal
Por obstáculos fluir
Egoísmo, inveja
Raiva, ciúme
Possessividade
Turvam o amor
Deixe o amor livremente
Como nuvem levemente
Colossal, sem igual
Flutuando, o azul profundo céu
Deixe o amor inundar transbordar
O coração
Cheio de alegria
Afogante felicidade
Deixe o amor seguir ir
Por caminhos infinitos enfim
Veredas celestes em mim
Glória Amor nas alturas
Amor sincero
Sem reservas
Indivisível
Indestrutível
Amor vivo
Sou um pequeno pedaço
Uma peça partida
No mundo quebra-cabeça
Com sentido-semsentido
Do amor
7.
Só escrevo aquilo que sai do meu
coração
Em versos simples
Sem rima sem métrica
Versos confusos como o meu coração
Poesia não sei escrever
Poeta não sou
Pois é tão difícil ser poeta
Ser poeta é ser tão difícil
Sou simples e fácil
Como os meus versos
Um pouco de cada pessoa
Condenada por sua inocência
A viver
Sou um nada anônimo
Seguindo a multidão
De sonhos
Sou tudo e pouco mais
E nem mesmo eu
Nem mesmo eu
Eu sei ser
8.
Tudo é sereno e calmo
Noites de insônia
Fantasias
Aventuras
Noites de insônia
Se ela soubesse o quanto a amo!
Sonhos...
Abraços enlouquecidos
Beijos furiosos
Carinhos sem fim
Tudo tão real
Mas ela não sabe
Embora ela seja os meus sonhos
Ela não pode vivê-los
Quando meus olhos cerrados
Despertos
Idealizam histórias e histórias
Mundos distantes
Enredos de amor
Suas mãos soltam das minhas e
Acordo!
(Sequer dormi!)
Acordo com os sorrisos maliciosos dos
meus amigos
Jamais saberiam onde eu estava voando
Meus sonhos são inexpugnáveis
Fortalezas
Se ela soubesse
9.
Folhas enferrujadas
De um pinheiro
Odores do passado
Sigo um velho caminho
O mesmo caminho
De retorno ao passado
Meu presente está lá
Nas lembranças remotas
Sonhos perdidos
Daqueles tempos
Onde tudo era tão lindo
Misterioso, alegre
E a dor era suportável
O sorriso nem se dava conta que sorria
Por ser seu estado natural e constante
Hoje parte da memória
Lagrimas eternas
Não tenho planos para o futuro
Só quero fugir
Viver em alfa
Buscar a felicidade
E sentimentos indescritíveis
Dentro de mim
Ontem sonhei com ela
Tão verdadeiro que
Se sonho era, então, não sei o que pode
ser real
Miragem: beijos absolutos
Não foi ilusão
Apenas a verdade de mim mesmo revelada
10.
Deus é Amor
Por isso não quer nada em troca
Deus é Grato
Por tudo que existe e criou
(ainda que o ser humano seja ingrato)
Deus apenas ama
Sem cobrança e interesse
Deus é bom
(mau é o ser humano)
Eu quando rezava
Fazia promessas, exigia
Implorava, chantageava
Ameaçava
E não amava
Eu complicava e misturava
Tantas coisas
Que pensava ser amor
Quantas vezes eu agi em nome do amor
Na defesa de meus interesses mesquinhos
E contrariado, devolvi moedas de ódio
Então eu filtrei tudo aquilo que diziam
amor
E encontrei Deus
Filtrei tudo aquilo que diziam Deus
E encontrei Amor
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