quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Poesia 1

AUTOPSICOGRAFIA

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

(Fernando Pessoa)


CANTIGA SUA PARTINDO-SE

Senhora, partem tam tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

Tam tristes, tam saudosos,
tam doentes da partida,
tam cansados, tam chorosos
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.

Partem tam tristes os tristes,
tam fora d'esperar bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.
(João Ruiz de Castelo Branco)


CONFRONTO

Bateu Amor à porta da Loucura.
"Deixe-me entrar - pediu - sou teu irmão.
Só tu me limparás da lama escura
a que me conduziu minha paixão".

A Loucura desdenha em recebê-lo,
sabendo quanto Amor vive de engano,
mas estarrece de surpresa ao vê-lo,
de humano que era, assim tão inumano.

E exclama: "Entra correndo, o pouso é teu.
Mais que ninguém mereces habitar
minha casa infernal, feito breu,

enquanto me retiro, sem destino,
pois não sei de mais triste desatino
que essa mal sem perdão, o mal de amar.

(Carlos Drummond de Andrade)


(FRAGMENTOS)

Ai quantas vezes,
ai quantas, quantas
no turvo mar,
o mar penteado
pelas rajadas
como a desordem
da cabeleira
de uma mulher,
eu suspirei
morto de saudade
pela doçura
de regressar.


(Arquíloco)

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