Segue clássico monólogo de Hamlet e, abaixo, notas de Nietzsche em "O Nascimento da Tragédia".
Resumo comentado de "O nascimento da tragédia" clique aqui.
Nietzsche: O homem dionisíaco se
assemelha a Hamlet: ambos lançaram alguma vez um olhar verdadeiro à essência
das coisas, ambos passaram a conhecer e a ambos enoja atuar; pois sua atuação
não pode modificar em nada a eterna essência das coisas, e eles sentem como
algo ridículo e humilhante que se lhes exija endireitar de novo o mundo que
está desconjuntado. O conhecimento mata a atuação, para atuar é preciso estar
velado pela ilusão - tal é o ensinamento de Hamlet e não aquela sabedoria
barata de João, o Sonhador, que devido ao excesso de reflexão, como se fosse
por causa de uma demasia de possibilidades, nunca chega à ação; não é o
refletir, não, mas é o verdadeiro conhecimento, o relance interior na horrenda
verdade, que sobrepesa todo e qualquer motivo que possa impelir à atuação, quer
em Hamlet quer no homem dionisíaco. Agora não há mais consolo que adiante, o
anelo vai além de um mundo após a morte, além dos próprios deuses ; a
existência, com seu reflexo resplendente nos deuses ou em um além-mundo
imortal, é denegada. Na consciência da verdade uma vez contemplada, o homem vê
agora, por toda parte, apenas o aspecto horroroso e absurdo do ser, agora ele
compreende o que há de simbólico no destino de Ofélia, agora reconhece a
sabedoria do deus dos bosques, Sileno: isso o enoja.
Aqui, neste supremo perigo da vontade,
aproxima-se, qual feiticeira da salvação e da cura, a arte; só ela tem o poder
de transformar aqueles pensamentos enojados sobre o horror e o absurdo da
existência em representações com as quais é possível viver: são elas o sublime,
enquanto domesticação artística do horrível, e o cômico, enquanto descarga
artística da náusea do absurdo. O coro satírico do ditirambo é o ato salvador
da arte grega; no mundo intermédio desses acompanhantes dionisíacos esgotam-se
aqueles acessos há pouco descritos.
(...)
A articulação das cenas e as imagens
perspícuas revelam uma sabedoria mais profunda do que aquela que o próprio
poeta pode apreender em palavras e conceitos: o mesmo se observa em
Shakespeare, cujo Hamlet, por exemplo, em um sentido semelhante fala mais
superficialmente do que age, de modo que não é ; partir das palavras, porém da
visão e da revisão aprofundadas do conjunto que se deve inferir aquela doutrina
do Hamlet antes mencionada.