Autor:
Castelo Hanssen
Eram os
anos 70 do Século XX na pequena e até então pacata cidade de São Sebastião do
Morro. Aproximava-se o tempo da eleição municipal, e pela primeira vez na
História ela seria disputada. Disputadíssima. Aliás. Já ocorriam brigas feias
nas feiras e botecos entre eleitores e cabos eleitorais de Sebastião Mangano e
Sebastião Silvestre. A família Mangano possúía um alambique no bairro Cascavel,
produtor da caninha Cascavel, considerada entre os entendidos como uma das
melhores da região. Sua maior concorrente era justamente a caninha Silvestre,
do bairro do Jacu. Agora, quando os dois Sebastiões decidiram entrar na
política, a briga das cachaças se transformava em briga eleitoral.
As
eleições anteriores tinham sido quase simulacros. Havia sempre dois candidatos,
da Arena 1 e da Arena 2, mas muitas vezes os dois eram compadres ou primos. A
disputa era decidida na mesa de negociação presidida pelo poderoso Cipriano Canela.
Mas os dois Sebastiões, além da briga etílica das famílias, já tinham uma
quizilia antiga. Ambos tinham a mesma idade e frequentaram a mesma escola, o
Colégio Brasil, o único estabelecimento particular da cidade, onde estudavam os
filhos das famílias mais abastadas. Disputavam o primeiro lugar na classe,
depois passaram a disputar as namoradas. Ambos eram bons nos esportes, mas o
técnico do time do colégio não podia escalá-los no mesmo time, pois
machucavam-se mutuamente, para alegria do adversário.
Silvestre
só se candidatou porque Mangano se candidatou primeiro. Mangano foi para Arena
1, Silvestre para a 2. Muito ricos, cada um arrebanhou o maior número de cabos
eleitorais, e a disputa ficou brava.
O
povinho, sempre apático em política, passou a se interessar, e a coisa pegou
fogo. O pobre Canela inutilmente gastou seu latim e seu dinheiro para acomodar
os dois no mesmo ninho, debaixo da galinha-mãe, o
governo.
Entre os
dois adversários, havia algo em comum: ambos eram fervorosos devotos de São
Sebastião, padroeiro da cidade. Ambos rezavam todos os dias pedindo a proteção
do santo, e na medida em que se aproximava o dia da convenção partidária, mais
aumentavam as esmolas à igreja. O bom padre Olegário, que no princípio tentara
conciliar os dois, em nome do padroeiro, descobriu que quanto maior era a briga
maiores eram as esmolas, e desistiu. Durante as missas, quando anunciava as
doações, havia verdadeira torcida entre os partidários de um e de outro. O
vigário chegou a pensar em dividir a igreja em duas alas, uma para cada
candidato. O pobre santo, coitado, não sabia a quem atender.
Alguns
políticos menos importantes da cidade, não satisfeitos com Cipriano Canela,
viram nessa briga uma oportunidade de virar a mesa, depois de tantos anos, e
fundaram uma regional do MDB. São Sebastião do Morro não era uma cidade
importante no contexto nacional e estadual, mas o vice-governador tinha
interesses particulares na região, e mexeu os pauzinhos para que o governador
interviesse. A pretexto de inaugurar uma obra qualquer, representando o
governador, o vice foi à cidade, e convidou os dois brigões ao gabinete do
prefeito, onde fez um discurso conciliador, em nome do país, do estado e do
partido. Os dois ouviram e nada responderam. O vice-governador entendeu o
silêncio como consentimento, e na hora da inauguração fez questão que
participassem do palanque oficial e usassem da palavra. O primeiro a falar foi
Mangano, que não conseguiu evitar algumas palavras que Silvestre entendeu como
ofensivas, e retrucou asperamente. Daí para o bate-boca foi um passo, e do
bate-boca para a troca de porradas foi outro. A galera se entusiasmou, e o
quebra-quebra foi geral. O palanque foi quase destruído, o prefeito correu e
sobrou pancada para o vice-governador, que sofreu algumas fraturas.
A pequena
e modesta São Sebastião do Morro virou manchete nacional. Os governistas
atribuíram o fato a corruptos e subversivos interessados em roubar a
tranquilidade até nas pequenas cidades da nossa hinterlândia. Os oposicionistas
deram ao incidente caráter maior do que ele merecia, festejando o fiasco do
partido governista. O governador, pressionado pelos governistas e pelos
oposicionistas, resolveu tomar medidas severas. Com o aval do presidente do
partido, intimou os briguentos a comparecer ao Palácio do Governo para dar
satisfação aos correligionários e à opinião pública.
Em visita
nada cerimoniosa, o próprio secretário de Segurança chegou à cidade, em carro
oficial, numa manhã nebulosa. Mangano e Silvestre, de cara fechada, sem abrir a
boca, nem responderam ao cumprimento seco, mas aparentando cortesia, do
secretário e embarcaram na porta traseira da viatura, e sentaram, evitando se
tocar com as pernas. O secretário sentou-se no banco dianteiro, e a viatura
partiu para uma viagem nada agradável.
Quase na
saída da cidade, na serra do Mataburro, existe o morro de São Sebastião, onde
há uma enorme estátua do padroeiro. Justamente nesse lugar uma carreta que
vinha descendo em sentido contrário perdeu o freio e colidiu violentamente
contra o carro oficial. O veículo rolou pela ribanceira, incendiando. Sebastião
Mangano e Sebastião Silvestre morreram carbonizados, encerrando a velha
rivalidade. O motorista e o secretário, milagrosamente, escaparam ilesos. São
Sebastião não permitiria que duas pessoas estranhas ao caso sofressem por sua
difícil decisão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário