"Des-tino"
é uma peça escrita em dez atos que indaga sobre a autonomia plena da mulher,
ainda a ser conquistada, na sociedade do século XXI. Em homenagem ao Dia
Internacional da Mulher, entre o dia 8 e 12 de março o eBook estará disponível
gratuitamente na Amazon Brasil. Publicamos aqui o primeiro ato.
Personagens
Florisa,
uma estudante.
Caio,
marido de Florisa.
Mariana,
amiga de Florisa.
Lili, mãe
de Florisa.
Daniela,
amiga de Florisa.
Dylan,
jovem rebelde.
Tatiana,
namorada de Dylan.
Professora.
Jairo,
dono de um bar.
Julia,
amiga de infância de Florisa.
Dois
seguranças.
Um colega.
Um vigia.
PRÓLOGO
Respeitável
público, senhoras e senhores, a história que será apresentada a partir de
agora, talvez, não seja um primor de originalidade, por se tratar de mais uma
história de amor. E, muito embora este sentimento seja raro entre os humanos,
em sua essência o amor é bem vulgar. Portanto, se algumas passagens parecerem
familiares, peço compreensão e boa vontade, pois isso se deve ao fato
inexorável da vida sempre se repetir. Uma lei do Universo determina que tudo
volte ao mesmo lugar, para sempre. Por isso, se um dia o soturno Amor por um
acaso bater à porta, insano coração, abra – mas abra depressa! – para que a
tortura do arrependimento não o atormente, em lembranças, pela eternidade.
Quanto a mim, deixo minha apresentação pessoal para o final. Isso pode parecer
estranho a princípio, mas há uma explicação, que só terá sentido mesmo no
último ato. Por ora, minha participação, assaz discreta, fica restrita a este
prólogo, porém, conto-lhes uma novidade, estarei por perto o tempo todo,
escondido. Esperem. Silêncio! Ouço passos. Alguém está chegando!
PRIMEIRO
ATO
Cena 1
Na sala
de um espaçoso apartamento. Entra dona Lia e Florisa.
Lili: Não
está certo! Não está certo! Isso não vai acabar bem.
Florisa:
Mamãe!
Lili:
Filha, você já passou da idade de fazer faculdade.
Florisa:
Mãe, eu tenho que aproveitar esta oportunidade.
Lili:
Mas, filha! Você é uma mulher casada. Você tem que cuidar do seu marido. E não
dar mais trabalho a ele. Imagina, sair todo dia e voltar às 11 horas da noite!
Se ainda você não mudasse de horário.
Florisa:
Eu não aguentava mais estudar de manhã. Chegava atrasada todos os dias. E a
faculdade só tem dois horários, matutino e noturno.
Lili: Eu
continuo achando essa história um absurdo. No meu tempo, a gente dizia que
mulher ia à faculdade só para arrumar um bom marido. E um bom marido você já
tem.
Florisa:
Que coisa mais retrógrada, mamãe!
Lili: Foi
o meu caso. Foi na faculdade que conheci seu pai, embora ele não passe de um
traste. Só que a diferença é que eu era uma mocinha de 17 anos e não uma mulher
de quase trinta. E, ainda por cima, casada.
Florisa:
Eu e o Caio nos damos muito bem, mamãe. Somos muito unidos. Todos os dias de
manhã vamos à academia juntos. Mas, depois, o Caio vai trabalhar e só volta de
noite. Eu fico muito tempo sozinha, em casa, entediada. Não aguentava
mais passar os dias assistindo televisão ou fofocando no zap.
Lili:
Você é uma dona de casa. Certamente, tem muitos afazeres.
Florisa:
Quais, mamãe? A Leslie faz tudo.
Lili: Mas
o Caio é um rapaz bom, tão esforçado. Dar esse desgosto pra ele!
Florisa:
Que desgosto? Eu estou tão feliz. Estou conhecendo tantas coisas novas. Fiz
novas amizades. Por que tanta preocupação?!
Lili: O
clima de faculdade não é bom. Eu conheço muito bem, viu, queridinha! Muitas
festas, álcool, drogas e...
Florisa:
“E” o quê?! Eu não vou a festas. Eu só tenho amigas mulheres e os meus amigos
homens, você sabe, jogam no nosso time. Eu nem sei e nem quero saber onde fica
o famoso “fumódromo”. Minhas amigas são todas caretas. Todas patricinhas, como
eu. Você faz um juízo errado de mim, dona Lia.
Lili: Eu
só acho essa ideia estapafúrdia. E depois que você se formar? Vai trabalhar
também? O Caio ganha tão bem. Um empresário promissor. Nunca vai lhe faltar
nada. Por que arrumar problemas onde não têm.
Florisa:
Eu quero ter minha profissão. Vai saber o dia de amanhã. E se um dia a gente se
separa?
Lili: Eu
sabia! Eu sabia! Você já está pensando em se separar. Na certa arrumou um
namoradinho na faculdade!
Florisa:
Que absurdo, mamãe! Eu tô muito feliz no meu casamento. Eu só disse isso porque
a gente não sabe o dia de amanhã.
Lili:
Então é o Caio? Ele está frio com você.
Florisa:
Não é nada disso. A relação está ótima. O Caio me trata muito bem, é um sonho.
Eu só quero me sentir um pouco útil, ter uma vida social. Eu conheci o Caio
muito cedo. Naquela época eu não pensava em estudar. Achava que o casamento
bastava.
(Entra o
Caio e beija Florisa)
Caio:
Olá, meninas!
Florisa:
Oi amor.
Lili:
Olá, Caio.
Caio: O
que estavam conversando? Espero que não falavam mal de mim.
Lili:
Imagina!
Florisa:
Mamãe estava reclamando do meu curso na faculdade.
Caio: É
dona Lili, nossa garota resolveu virar uma intelectual.
Lili: É
um pouquinho tarde para isso, não é.
Caio: Eu
não diria tarde. Eu prefiro entender como um passatempo.
Florisa:
Ai, que coisa horrível!
Caio: Eu
não quis desmerecer seu curso, só acho que não é necessário.
Florisa:
Puxa vida! Vocês me tratam como uma criança. Será que não conseguem se colocar
no meu lugar? Este curso é muito importante para mim. Independentemente
se vou algum dia trabalhar ou não, não percebem como estes questionamentos me
magoam?
Caio: Desculpa,
amor. Não vou mais questionar. Eu só quero te ver feliz.
Florisa:
Mamãe, o Caio tem tantos hobbies, tantas atividades, seu dia está sempre tão
cheio. E eu? Por que eu não posso realizar um sonho?
Lili:
Florisa, Florisa. Você não é mais uma adolescente. Ouça a sua mãe. Deus deu
maturidade primeiro às mulheres, porque os homens precisam de seu apoio. Não
seja você infantil.
[Saem]
Cena 2
Florisa,
Daniela e Mariana estão sentadas na primeira fila de carteiras da sala de aula
aguardando um professor.
Mariana:
Florisa, como foi o final de semana?
Florisa:
Ah, foi maravilhoso! Eu e o Caio tivemos um desentendimento por causa de uma
discussão que eu tive com minha mãe por conta da faculdade. Depois, então, para
se desculpar e comemorar nossa felicidade, ele me levou a um restaurante
maravilhoso nos Jardins. De repente, todos saíram e só ficamos nós dois no
restaurante. Só eu e ele! Então o Caio se levantou e foi tocar piano, um que
havia no meio do salão...
Mariana:
Que romântico, Florisa!
Daniela:
Gente, olha só quem entrou na sala...
Mariana:
Não acredito!
Florisa:
Quem é?
Daniela:
Florisa, seja discreta. Não olhe agora... Tá vendo um cara indo sentar no
fundão. Mas, seja bem discreta, dá uma disfarçadinha, e olha sem ele perceber.
Florisa
olha.
Daniela:
É o cara fazendo tipinho de rebelde sem causa, meio James Dean, meio galã de
boteco.
Florisa:
Hã, sim. Eu o vi passar hoje pelo corredor.
Daniela:
Esse é o cara mais treze da faculdade. Pensa num cara sem noção: é ele! Ele é
totalmente previsível: vai começar a assistir à aula hoje, vai sair antes de
acabar e depois vai passar o resto do semestre bebendo cerveja no Jairo.
Florisa:
Ele é engraçado. Olha a gola alta da jaqueta que ele usa, totalmente fora de
moda. O sujeito parece ter saído do tempo da brilhantina!
Daniela:
Não olha agora! Ele tá olhando pra cá.
(Risos
discretos).
Daniela:
Ele é bonito.
Mariana:
Isso ele é, sim.
Florisa
olha de novo.
Florisa:
Ai, não acho não.
Daniela:
Não acha?!
Florisa:
Tá, ele tem a sua graça. Mas o estilo dele, as roupas que ele veste, sei lá, eu
não olharia para um cara assim. Não faz meu tipo. Muito largadão.
Daniela:
Claro, amiga. Você é casada. Eu já pegaria ele fácil.
Mariana:
Jamais trocaria meu noivo por ele. Ele é total sem futuro. Agora, você,
Daniela, tá na vida louca...
Florisa:
Como ele se chama?
Daniela:
Dylan.
Florisa:
Tá explicado o figurino. Deve ser mal de família.
Daniela:
Ele faz sucesso com as meninas.
Florisa:
Só se for mesmo com as hipongas.
Mariana:
Gente, não olhe agora, ele tá sorrindo pra gente.
Florisa:
Ele tem um dente quebrado?!
Mariana:
Tem. Disse que quebrou numa briga. Mas, eu não acredito, ele é muito loroteiro.
Florisa:
Por que ele não corrige isso?
Daniela:
Florisa, é só uma pontinha, não dá nem pra perceber! Não fica feio. Não seja
maldosa!
Mariana:
É charme.
[A
professora entra e começa a aula].
Cena 3
Florisa e
Caio estão na cama do quarto do casal.
Caio: O
que foi, amor? O que é que você tem?
Florisa:
Nada, amor. Só estou indisposta.
Caio:
Aconteceu alguma coisa?
Florisa:
Não. Não aconteceu nada. Só estou cansada.
Caio:
Você sabe o que vai fazer no fim de semana?
Florisa:
Você tem que ir mesmo?
Caio:
Você sabe que todo ano eu vou. É uma tradição.
Florisa:
Mas não pode mudar essa tradição. Pelo menos uma vez.
Caio:
Você sabe que meus amigos não me perdoariam. Nós fazemos esta viagem todo ano,
desde quando estávamos no colégio.
Florisa:
Mas no domingo, você ainda vai ao jogo e só volta de madrugada. Não vamos
passar nem um minuto juntos.
Caio: É
só neste fim de semana. Depois volta tudo ao normal.
Florisa:
Não tem jeito mesmo. Vou fazer o quê?
Caio: Por
que você não vai à casa de seus pais?
Florisa:
Eu já marquei com a Julia no shopping. Vamos assistir um cinema e colocar o
assunto em dia.
Caio: Viu
só! Faz muito bem. Tá vendo, você tem as suas amigas, tem que ter seu espaço
também.
Florisa:
O problema é que você não abre mão dos seus amigos. Já eu não tenho escolha.
Caio: Eu
nunca impedi você de manter contato com suas amigas. Pelo contrário. E além do
mais, você conhece muito bem meus amigos. São todos uns ogros! E o Robertão te
adora. Sempre quando dá ele te manda um presentinho. Lembra da caixa de bombons
da semana passada? Vai dizer que não gostou? Eles te adoram. Não se justifica o
seu ciúme.
Florisa:
Eu não estou com ciúmes. Eu confio em você.
Caio:
Vamos fazer um trato, então. Vamos reservar o outro final de semana só para nós
dois. Eu vou desligar meu celular e não vou atender ninguém. Nem meus
fornecedores.
Florisa:
Então fica combinado.
Caio: Já
é tarde, vamos dormir. Amanhã temos que chegar cedo na academia e tenho uns
assuntos importantes para tratar no escritório. Não posso me atrasar.
Florisa:
Estou sem sono.
Caio:
Fecha os olhos e não pense em nada.
Florisa:
Vou tentar.
Caio: Boa
noite.
Florisa:
Tem um cara muito estranho na faculdade.
Caio: É?
Por quê?
Florisa:
Não sei. Imagina um cara que parece ter saído de um filme do tempo do Elvis
Presley.
Caio:
Sim. Tipo “Juventude Transviada”.
Florisa:
Isso mesmo! Vestido todo paramentado daquele jeito, fazendo pose de garoto
revoltado.
Caio:
Bizarro.
Florisa:
Ele passou por mim e ficou me olhando de um jeito esquisito. Depois ficou
encostado na entrada da sala de aula fazendo cara de mau.
Caio: Que
patético!
Florisa:
As meninas disseram que é um cara encostado, que vai para a faculdade só para
enrolar, passar o tempo, usando drogas.
Caio: Meu
Deus! Isso não muda! No meu tempo de faculdade tinha uns figuras assim. Um dia
desses vi um desses caras. O cara continua a mesma coisa. Não evoluiu nada.
Vidinha inútil.
Florisa:
Não gosto do olhar dele. Me dá medo.
Caio: Ele
pode ser um maníaco.
Florisa:
Tenho medo.
Caio:
Procure a segurança, fale com a direção, deixa a guarda de sobreaviso.
Florisa:
Acho que ainda é cedo para tomar providência.
Caio:
Qualquer coisa eu dou um apavoro nesse cara.
Florisa:
Não, ainda não precisa. Mas fica de alerta.
Caio:
Promete que você não vai resolver isso sozinha?
Florisa:
Cuida de mim, amor!
Caio: Eu
vou cuidar, meu amor. Vou cuidar. Agora vamos dormir.
Florisa: Boa noite!
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