quinta-feira, 2 de maio de 2019

Transitividade verbal pela abordagem funcionalista


O presente texto discute a transitividade dos verbos – notadamente os verbos transitivos diretos – tanto do ponto de vista semântico como de sua organização estrutural na oração (sintaxe) e, sob este contexto, suas implicações na sala de aula, tendo por pressuposto e fundamento teórico a linguística cognitivo-funcional. Para isso, foram analisados quarto narrativas faladas e escritas extraídas do Corpus Discurso & Gramática: a língua falada e escrita na cidade de Natal (FURTADO DA CUNHA, 1998).

É importante salientar que a linguística cognitivo-funcional além de se deter sobre gêneros do discurso abrange também a questão da pragmática dos discursos, portanto, do uso de que se faz da língua, principalmente, ao nível da fala, que é muito distinta da norma prescritiva convencionada pela gramática tradicional e centrada na escrita. Isto quer dizer que a fala é muito mais “anárquica” e distante do modelo prototípico estabelecido, como, por exemplo, no caso dos verbos transitivos diretos, estruturado em sujeito + verbo + objeto direto.

Para a abordagem funcionalista, o gênero discursivo em questão depende do contexto discursivo-pragmático, isto é, de sua funcionalidade no discurso em diferentes ocasiões, situações e ambientes, nível cultural dos falantes etc., pela qual se infere positiva ou negativamente a transitividade de um verbo.

Na gramática tradicional a transitividade é uma propriedade de um verbo e daí os elementos da oração coocorrem. Já para a linguística funcional, especificamente a de matriz norte-americana, de autores como Givón, Bybee, Hopper, Thompson e Chafe, a transitividade é uma propriedade contínua de toda a oração, ou seja, das várias relações entre o verbo e seus argumentos que especificam sua transferência conforme suas particularidades em toda oração. Disso resulta que dez parâmetros sintáticos podem ser inferidos: quantidade dos participantes; cinese; aspecto (perfectivo ou não perfectivo); pontualidade do verbo; intencionalidade; agentividade do sujeito; polaridade (afirmativa ou negativa); modalidade da oração (modo realis ou irrealis); ao afetamento; e a individuação do objeto.

Tendo-se em vista esses parâmetros, os autores do artigo retomam a questão anteriormente sugerida, das relações sintático-semânticas da oração, e desdobram os aspectos sintático e semântico da transitividade. Neste sentido, do ponto de vista sintático, a transitividade apresenta dois argumentos do verbo: o sujeito (S), que é o agente de uma determinada ação, e o objeto direto (OD), que é paciente, ou seja, afetado pela ação do sujeito. Semanticamente, a transitividade prototípica é definida pelas propriedades do agente, do paciente e do verbo na oração. Deste modo, a transitividade exige um argumento que completa o verbo caracterizando-a. Caso contrário, quando o verbo carrega um sentido autossuficiente, ocorre o evento intransitivo.

Tal definição prototípica é posta em cheque na manifestação discursiva quando elementos pragmáticos, não expressos no discurso, alteram significativamente a estrutura sintática e semântica da transitividade.

Na oração, o verbo (predicativo) é tomado como elemento fundamental e pode ser acompanhado de um elemento nominal. Assim, os verbos podem assumir um caráter prototípico quando realizam ações de um agente ou fugir do padrão quando o sujeito não cumpre o papel de agente.

Após este aprofundamento teórico da função semântica e sintática do evento transitivo, os autores analisam variações em alguns dados quantitativos de ocorrência da estrutura argumental dos verbos transitivos, levando-se em conta a) os verbos transitivos acompanhados de objeto direto nominal ou oracional, b) o objeto direto implícito no texto e c) os verbos de ação-processo acompanhados de objeto indireto ou direto. Dos resultados obtidos, os autores comprovam que nem sempre há uma correspondência entre estrutura argumental semântica e sintática, observando-se também uma maior maleabilidade na valência dos elementos distintos de uma oração que podem aumentar ou diminuir de status conforme os motivos discursivo-pragmáticos e/ou cognitivos.

Através dos dados também se efetuou uma classificação dos verbos em quatro categorias – ação, processo, ação-processo e estado – e verificou, quantitativamente, a maior ou menor ocorrência das respectivas ocorrências.

Importa salientar aqui que, tanto na fala como na escrita, nos verbos, de uso mais frequente, no caso daqueles de ação-processo, não houve um afastamento do ponto de vista semântico tampouco sintático da estrutura transitiva prototípica. O mesmo evento não ocorreu em relação às categorias de verbos de ação, de processo e de estado, que se desviaram da estrutura transitiva prototípica S + V + OD.

Segundo os funcionalistas, isso se explica porque o padrão gramatical pode também ser explicado pela estrutura discursiva. Neste caso, “os verbos são armazenados no léxico com molduras (frames) que determinam quais argumentos são obrigatórios ou opcionais”. Ou seja, as estruturas mais convencionais fornecem molduras que serão alicerces de outras construções por onde o falante escolhe os elementos que serão maximizados ou rebaixados.

Em seguida, os autores formulam uma proposta didática para o ensino fundamental e médio e analisam pormenorizadamente uma narrativa recontada nos termos conceituais expostos acima, visando tornar o ensino de gramática mais compreensível.

Em suma, os estudos da Linguística Cognitivo-Funcional têm demonstrado que a língua natural é muita mais organizada num fluxo continuun do que numa estrutura rígida de fronteiras bem demarcadas. Tal contribuição pode ser muito relevante para o aprendizado no ensino médio da gramática da língua portuguesa e de suas idiossincrasias do português brasileiro (PB).

FURTADO DA CUNHA, M. A. & BISPO, E. B. Relações sintático-semânticas da oração. In: Roza Palomanes; Angela Marina Bravin. (Org.). Práticas de ensino do português. 1ed.São Paulo: Contexto, 2012.

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