O presente texto discute a transitividade dos
verbos – notadamente os verbos transitivos diretos – tanto do ponto de vista
semântico como de sua organização estrutural na oração (sintaxe) e, sob este
contexto, suas implicações na sala de aula, tendo por pressuposto e fundamento
teórico a linguística cognitivo-funcional. Para isso, foram analisados quarto
narrativas faladas e escritas extraídas do Corpus
Discurso & Gramática: a língua falada e escrita na cidade de Natal (FURTADO
DA CUNHA, 1998).
É importante salientar que a linguística cognitivo-funcional
além de se deter sobre gêneros do discurso abrange também a questão da
pragmática dos discursos, portanto, do uso de que se faz da língua, principalmente,
ao nível da fala, que é muito distinta da norma prescritiva convencionada pela
gramática tradicional e centrada na escrita. Isto quer dizer que a fala é muito
mais “anárquica” e distante do modelo prototípico estabelecido, como, por
exemplo, no caso dos verbos transitivos diretos, estruturado em sujeito + verbo
+ objeto direto.
Para a abordagem funcionalista, o gênero
discursivo em questão depende do contexto discursivo-pragmático, isto é, de sua
funcionalidade no discurso em diferentes ocasiões, situações e ambientes, nível
cultural dos falantes etc., pela qual se infere positiva ou negativamente a
transitividade de um verbo.
Na gramática tradicional a transitividade é
uma propriedade de um verbo e daí os elementos da oração coocorrem. Já para a
linguística funcional, especificamente a de matriz norte-americana, de autores
como Givón, Bybee, Hopper, Thompson e Chafe, a transitividade é uma propriedade
contínua de toda a oração, ou seja, das várias relações entre o verbo e seus
argumentos que especificam sua transferência conforme suas particularidades em
toda oração. Disso resulta que dez parâmetros sintáticos podem ser inferidos:
quantidade dos participantes; cinese; aspecto (perfectivo ou não perfectivo);
pontualidade do verbo; intencionalidade; agentividade do sujeito; polaridade
(afirmativa ou negativa); modalidade da oração (modo realis ou irrealis); ao
afetamento; e a individuação do objeto.
Tendo-se em vista esses parâmetros, os
autores do artigo retomam a questão anteriormente sugerida, das relações
sintático-semânticas da oração, e desdobram os aspectos sintático e semântico
da transitividade. Neste sentido, do ponto de vista sintático, a transitividade
apresenta dois argumentos do verbo: o sujeito
(S), que é o agente de uma determinada ação, e o objeto direto (OD), que é paciente, ou seja, afetado pela ação do
sujeito. Semanticamente, a transitividade prototípica é definida pelas
propriedades do agente, do paciente e do verbo na oração. Deste modo, a
transitividade exige um argumento que completa o verbo caracterizando-a. Caso
contrário, quando o verbo carrega um sentido autossuficiente, ocorre o evento
intransitivo.
Tal definição prototípica é posta em cheque
na manifestação discursiva quando elementos pragmáticos, não expressos no
discurso, alteram significativamente a estrutura sintática e semântica da
transitividade.
Na oração, o verbo (predicativo) é tomado
como elemento fundamental e pode ser acompanhado de um elemento nominal. Assim,
os verbos podem assumir um caráter prototípico quando realizam ações de um
agente ou fugir do padrão quando o sujeito não cumpre o papel de agente.
Após este aprofundamento teórico da função
semântica e sintática do evento transitivo, os autores analisam variações em
alguns dados quantitativos de ocorrência da estrutura argumental dos verbos
transitivos, levando-se em conta a) os verbos transitivos acompanhados de objeto
direto nominal ou oracional, b) o objeto direto implícito no texto e c) os
verbos de ação-processo acompanhados de objeto indireto ou direto. Dos
resultados obtidos, os autores comprovam que nem sempre há uma correspondência
entre estrutura argumental semântica e sintática, observando-se também uma
maior maleabilidade na valência dos elementos distintos de uma oração que podem
aumentar ou diminuir de status conforme
os motivos discursivo-pragmáticos e/ou cognitivos.
Através dos dados também se efetuou uma
classificação dos verbos em quatro categorias – ação, processo, ação-processo e
estado – e verificou, quantitativamente, a maior ou menor ocorrência das
respectivas ocorrências.
Importa salientar aqui que, tanto na fala
como na escrita, nos verbos, de uso mais frequente, no caso daqueles de
ação-processo, não houve um afastamento do ponto de vista semântico tampouco
sintático da estrutura transitiva prototípica. O mesmo evento não ocorreu em
relação às categorias de verbos de ação, de processo e de estado, que se
desviaram da estrutura transitiva prototípica S + V + OD.
Segundo os funcionalistas, isso se explica
porque o padrão gramatical pode também ser explicado pela estrutura discursiva.
Neste caso, “os verbos são armazenados no léxico com molduras (frames) que determinam quais argumentos
são obrigatórios ou opcionais”. Ou seja, as estruturas mais convencionais
fornecem molduras que serão alicerces de outras construções por onde o falante
escolhe os elementos que serão maximizados ou rebaixados.
Em seguida, os autores formulam uma proposta
didática para o ensino fundamental e médio e analisam pormenorizadamente uma
narrativa recontada nos termos conceituais expostos acima, visando tornar o ensino
de gramática mais compreensível.
Em suma, os estudos da Linguística
Cognitivo-Funcional têm demonstrado que a língua natural é muita mais
organizada num fluxo continuun do que
numa estrutura rígida de fronteiras bem demarcadas. Tal contribuição pode ser
muito relevante para o aprendizado no ensino médio da gramática da língua
portuguesa e de suas idiossincrasias do português brasileiro (PB).
FURTADO DA CUNHA, M. A. & BISPO, E. B. Relações sintático-semânticas da oração.
In: Roza Palomanes; Angela Marina Bravin. (Org.). Práticas de ensino do
português. 1ed.São Paulo: Contexto, 2012.
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