segunda-feira, 15 de julho de 2019

Conversa Afiadíssima e gênero textual

Até bem pouco tempo atrás, a internet era uma fonte bem pouco confiável de conhecimento e informação. Todavia, a imprensa convencional não oferecia alternativa satisfatória, dada a parcialidade dos órgãos de imprensa, dominados pelos monopólios de mídia. Na verdade, tais órgãos atuam sempre politicamente, visando mobilizar a opinião pública em geral na defesa dos interesses particulares – nunca expressos – das oligarquias representadas por estas grandes empresas.

Foto do Paulo Henrique Amorim

Ao conhecer o blog Conversa Afiada, percebi que havia ocorrido uma drástica mudança no conteúdo veiculado pela internet: um surpreendente e repentino salto de qualidade. O Conversa Afiada me levou a conhecer outros blogs, todos excelentes, como o Tijolaço, o Viomundo, entre outros, não necessariamente jornalísticos, mas relacionados à literatura, música, ciência etc. E a leitura assídua desses blogs me incentivou a fazer o Verso, Prosa & Rock’n’Roll. Não é à toa que Fernando Brito chamou Paulo Henrique Amorim de patrono da blogosfera.

A crítica do PH, o célebre e ansioso blogueiro, à imprensa merece uma reflexão, dentro da teoria da enunciação, pois o jornalismo se configura como um dos diversos gêneros discursivos. A teoria da crítica textual pressupõe a noção chave de “gênero”, abordado tanto por Mikhail Bakhtin como Luiz Antônio Marcuschi. Evidentemente, a importância do conceito ultrapassa o âmbito literário, pois, segundo Bakhtin, “entende-se por gênero não no sentido formalista, mas como zona e campo da percepção de valores e da representação do mundo” (BAKHTIN, p. 418). Portanto, o gênero é uma produção específica de comunicação, anterior ao diálogo e condicionada política, histórica e socialmente. Sendo produto de cultura, os gêneros são variados e abertos a inovações ou transformações, na mesma proporção em que se intensificam as relações dinâmicas e a complexidade social. Neste sentido, uma ou cada esfera específica produz um discurso com características próprias, o que implica as condições de uso e do contexto das diversas atividades humanas em jogo. A cristalização de um gênero discursivo se realiza a partir de enunciados concretos da prática em questão, supondo um estilo comum a uma determinada esfera e a estabilidade dos códigos da linguagem envolvidos. Por óbvio, um gênero não existe por si mesmo. As relações sociais pelas quais um gênero é produzido são bastante determinantes no processo de sua formação, muito embora estas também sejam condicionadas pelo gênero produzido.

Da inter-relação entre língua e práticas sociais é construído objetos do discurso que são ativados ou desativados ao longo do texto. Os discursos expressam uma intenção que nem sempre se mostra como tal e muitas vezes dissimula o próprio discurso. É exatamente o ponto fulcral do “gênero jornalístico”, cuja crítica é interditada por interesses ocultos dos atores envolvidos. Ora, o “gênero jornalístico” de modo algum busca criar uma representação linguística da realidade, ainda que se venda jornal sob a áurea da imparcialidade e objetividade. O jornalista é um funcionário, empregado por uma empresa, a quem deve satisfações; caso contrário, sua contratação seria inviabilizada ou a demissão seu destino mais provável. A relação patrão-empregado implica em coações avassaladoras e implícitas das quais acabam por marcar o “gênero jornalístico” de modo inescapável. Assim, não é fácil para o leitor filtrar na matéria a informação da manipulação social, haja vista a suposta isenção e neutralidade das quais se pretende o “gênero jornalístico”.

Em contrapartida, os blogs ofereceram um discurso jornalístico mais honesto, já que não escondem suas posições políticas. Por isso, a noção de fake news é equivocada. Afinal, boatos são usados como arma política desde Roma, senão, em tempos ainda mais antigos, antediluvianos. Além disso, como distinguir fake news de edições completamente tendenciosas feitas pela grande mídia? Somente os tolos ou hipócritas acreditam nessa bobagem. Cabe ao leitor uma atitude ativa diante da notícia, procurando sempre perscrutar os fatos, não se contentado com as aparências, e, daí, tirar suas próprias conclusões através do juízo bem formado (e informado).

Hoje, a internet e os blogs, como o Conversa Afiada, oferecem instrumentos para uma pesquisa inteligente perante os fatos, sem cair na alienação.

Bibliografia

MARCUSCHI, L. A. “Análise da conversação”. São Paulo: Editora Ática, 1999.

MARCUSCHI, L. A. “Gêneros textuais: definição e funcionalidade”. In: DIONÍSIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (Org.). Gêneros textuais e ensino. 4. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.

BAKHTIN, M. “Os gêneros do discurso”. Paulo Bezerra (Organização, Tradução, Posfácio e Notas); Notas da edição russa: Seguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016.

BAKHTIN, M., “Questões de Literatura e de Estética”. São Paulo: Editora HUCITEC & UNESP, 1988.

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