Até bem pouco tempo atrás, a internet era uma fonte bem pouco
confiável de conhecimento e informação. Todavia, a imprensa convencional não
oferecia alternativa satisfatória, dada a parcialidade dos órgãos de imprensa,
dominados pelos monopólios de mídia. Na verdade, tais órgãos atuam sempre
politicamente, visando mobilizar a opinião pública em geral na defesa dos
interesses particulares – nunca expressos – das oligarquias representadas por
estas grandes empresas.
Ao conhecer o blog Conversa Afiada, percebi que havia ocorrido uma
drástica mudança no conteúdo veiculado pela internet: um surpreendente e
repentino salto de qualidade. O Conversa Afiada me levou a conhecer outros
blogs, todos excelentes, como o Tijolaço, o Viomundo, entre outros, não
necessariamente jornalísticos, mas relacionados à literatura, música, ciência
etc. E a leitura assídua desses blogs me incentivou a fazer o Verso, Prosa &
Rock’n’Roll. Não é à toa que Fernando Brito chamou Paulo Henrique Amorim de
patrono da blogosfera.
A crítica do PH, o célebre e ansioso
blogueiro, à imprensa merece uma reflexão, dentro da teoria da enunciação,
pois o jornalismo se configura como um dos diversos gêneros discursivos. A
teoria da crítica textual pressupõe a noção chave de “gênero”, abordado tanto
por Mikhail Bakhtin como Luiz Antônio Marcuschi. Evidentemente, a importância do
conceito ultrapassa o âmbito literário, pois, segundo Bakhtin, “entende-se por
gênero não no sentido formalista, mas como zona e campo da percepção de valores
e da representação do mundo” (BAKHTIN, p. 418). Portanto, o gênero é uma
produção específica de comunicação, anterior ao diálogo e condicionada política,
histórica e socialmente. Sendo produto de cultura, os gêneros são variados e
abertos a inovações ou transformações, na mesma proporção em que se
intensificam as relações dinâmicas e a complexidade social. Neste sentido, uma
ou cada esfera específica produz um discurso com características próprias, o
que implica as condições de uso e do contexto das diversas atividades humanas
em jogo. A cristalização de um gênero discursivo se realiza a partir de
enunciados concretos da prática em questão, supondo um estilo comum a uma
determinada esfera e a estabilidade dos códigos da linguagem envolvidos. Por
óbvio, um gênero não existe por si mesmo. As relações sociais pelas quais um
gênero é produzido são bastante determinantes no processo de sua formação,
muito embora estas também sejam condicionadas pelo gênero produzido.
Da inter-relação entre língua e práticas sociais é construído objetos do
discurso que são ativados ou desativados ao longo do texto. Os discursos
expressam uma intenção que nem sempre se mostra como tal e muitas vezes
dissimula o próprio discurso. É exatamente o ponto fulcral do “gênero
jornalístico”, cuja crítica é interditada por interesses ocultos dos atores
envolvidos. Ora, o “gênero jornalístico” de modo algum busca criar uma representação
linguística da realidade, ainda que se venda jornal sob a áurea da
imparcialidade e objetividade. O jornalista é um funcionário, empregado por uma
empresa, a quem deve satisfações; caso contrário, sua contratação seria
inviabilizada ou a demissão seu destino mais provável. A relação
patrão-empregado implica em coações avassaladoras e implícitas das quais acabam
por marcar o “gênero jornalístico” de modo inescapável. Assim, não é fácil para
o leitor filtrar na matéria a informação da manipulação social, haja vista a
suposta isenção e neutralidade das quais se pretende o “gênero jornalístico”.
Em contrapartida, os blogs ofereceram um discurso jornalístico mais honesto,
já que não escondem suas posições políticas. Por isso, a noção de fake news é
equivocada. Afinal, boatos são usados como arma política desde Roma, senão, em
tempos ainda mais antigos, antediluvianos. Além disso, como distinguir fake
news de edições completamente tendenciosas feitas pela grande mídia? Somente os
tolos ou hipócritas acreditam nessa bobagem. Cabe ao leitor uma atitude ativa
diante da notícia, procurando sempre perscrutar os fatos, não se contentado com
as aparências, e, daí, tirar suas próprias conclusões através do juízo bem
formado (e informado).
Hoje, a internet e os blogs, como o Conversa Afiada, oferecem instrumentos
para uma pesquisa inteligente perante os fatos, sem cair na alienação.
Bibliografia
MARCUSCHI, L. A. “Análise da conversação”. São Paulo: Editora Ática,
1999.
MARCUSCHI, L. A. “Gêneros textuais: definição e funcionalidade”. In:
DIONÍSIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (Org.). Gêneros textuais e
ensino. 4. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
BAKHTIN, M. “Os gêneros do discurso”. Paulo Bezerra (Organização,
Tradução, Posfácio e Notas); Notas da edição russa: Seguei Botcharov. São
Paulo: Editora 34, 2016.
BAKHTIN, M., “Questões de Literatura e de Estética”. São Paulo: Editora
HUCITEC & UNESP, 1988.
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