quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

"Eu versos eu" - (Parte 9) - Antologia

Antologia poética

11.

Vão-se os anos

E eu ainda te amo

Vai-se a vida

Sem sentido perdida

E eu ainda te amo

 

Chega de versos sem métrica

Chega de versos sem rima

Chega de versos

Tenho vinte e oito anos

E já me sinto cansado

Da vida

Mas

Olha, aquele estrelinha

Perto do horizonte

Só pode ser, só pode ser

A esperança

 

12.

Meus olhos

Quando te olham

Devem ser tristes

Como o céu

De noite

Infinito

 

De algum modo

Devem dizer

Eu sei que dizem

Que a minha paixão

Por você

Ainda vive

E a falta

Não é de seus beijos

Não é de seu corpo

Mas do seu amor

 

Procuro você

Nos lugares

Em que frequentávamos

E só encontro sua lembrança

 

13.

Quem disse que o corpo é matéria

Não o sinto, parece vácuo

Feito de vazio

Minha alma é a única realidade concreta

Única certeza em um mundo

Feito de sonho

 

14.

Meus pensamentos

São como catapultas:

Lançam para os céus

Meus próprios

Pensamentos

Que se repartem

Em infinitas

Constelações

Por eles mesmos inventadas

E a beleza do universo

De infinitas estrelas

Consola minha solidão miserável

Esqueço das tristezas telúricas

E concluo, refletidamente

Que não voltem mais

E assim

Um corpo machucado

Pelo próprio coração

Refugia-se em pensamento distante

 

15.

Eu não tenho filhos

Talvez porque perdi

O meu grande amor

Além do quê, estou

Tão pobre que ser

Pai agora seria uma

Irresponsabilidade

mas tenho sobrinhos

crianças de colo ainda

uma tem dois anos

outro apenas um

Eu admiro meus irmãos

 

16.

Como a vida é triste

 

Esteja com Deus, Luiz

 

17.

A realidade é o todo

Incompleto

Faltando sempre

É uma figura geométrica

Inconcebível

Simetria assimétrica

Mesmo que o que

Escrevo

Redunda redundâncias

Em todos os sentidos

Sensentidos, em todas

E nenhuma

A felicidade é um pouco

Um pouco de tudo

De um pouco

 

Conforme a lei do valor

Um carro vale mais que

Uma bicicleta

Mas isso é discutível

 

O amor, que não cabe

Nessa lei

Vale mais que um carro

Mas isso é discutível

 

A vida vale mais

Do que um carro

Uma bicicleta, amor, juntos

Mas isso

Isso também é discutível

 

Sexta-feira, à noite

Vou sair

Desisti de tentar

Descrever o vazio

Que se sente

Nesta cidade, à noite

Enormes edifícios

Cobrem o horizonte

Montanhas de tijolo

Ferros, arames

Erguidos por pessoas de carne e osso

 

Resta ainda um pouco de céu

Esmaecido pela fumaça eterna

 

Caminho até um ponto de ônibus

Espero

Vem o veículo, motorrosnando

Entro

As ruas e construções passam

Pela janela

Desço

Vou a pé

Ao invés de pegar o metrô

Para economizar 25 centavos

Última moeda

Nos bolsos furados vazios

Da minha calça

 

Paro numa grande avenida

No ponto de ônibus

Há muita gente à minha volta

Diria: Pessoas impessoais

Se é que a expressão

Não é banal

Mas, de fato, não são pessoas

Realmente não são pessoas

Não são senão fantasias

 

Não

 

Escuto risadas atrás de mim

Uma moça que conversa

Com a amiga

 

Uma luminosidade intensa

E colorida num relógio público

Com uma propaganda estampada

Horas

Marca vinte

Outro, adiante, dezenove

Em qual confiar

No adiantado da hora

Ou no da hora atrasada

Temperatura

Um: treze graus

Outro: dezenove

Imagino: se houvesse

Um anúncio de aquecedor

Um terceiro

Informaria temperaturas

Invernais

 

Um lugar comum

Como tantos nesta cidade

 

Luzes é que não faltam

Nem pessoas impessoais de carne e osso

Numa confusão de andares

Paralá-paracá paracá-paralá

Subindo-descendo

Arranha-céus de incontáveis

Andares

Formas

Vazias

 

Multidões

Passos, andares

Sem ritmo

Movimento, movimento

Caótico

Promessas e festas

Sorriso nos jovens

Promessas de felicidade

Ah, hoje eu encontro

O amor da minha vida

Logo vem a manhã

Logo vem a desilusão

 

Muita solidão nesta noite

Ser é não ser

Se Shakespeare me concedesse a

Licença poética de trocar a conjunção

Pelo verbo de ligação

E assim tem fim a oposição

Na conjunção

Mas a língua portuguesa admite

Pequena variação

O ser não é estar

O ser está ou não está

Ser sem ser

Estar ou não estar

Na cidade, só contradição

É e não é: existo não existo

Está e não está: sou não sou

Tudo ao mesmo tempo

 

Milhares de carros passam na avenida

Com faróis acesos

Um rapaz se joga entre eles

Driblando a carga mirada

Corre, para, dá um passo, adiante

Corre, para, dá um passo, atrás

Enfim, chega no outro lado

Voou o Ícaro do asfalto

Ao meu lado, a moça

Conta a história de sua vida

Idêntica a inúmeras outras

O namorado, pronome ele e tal

Repete, repete originalmente

Até parece que ninguém tem

A menor criatividade em viver

Vive-se aquilo que se vive

Tudo igual

Igual aos outros

Exatamente igual

E nada mais do que igual

Um homem desafia os automóveis

Em alta velocidade

Estufa o peito e se atira aos dragões de ferro

Olha, orgulhoso, feroz

Olha ameaçadoramente

Triunfante, atravessa a avenida

Como se ele, feito de carne e osso, fosse feito de ferro

O ferro dos carros, do ônibus e caminhões

Passou. Agora

Uma ambulância

Grita aflita

Apita

Pede licença

Passando por cima

Grita

Para o ferro dos carros, do ônibus e caminhões

Parados no farol vermelho

Passa ambulância, grita meu coração aflito

Passa, enfim

Boa sorte

 

O ônibus

Vem vem-vindo indo

Com meus desejos

Subo

Inacreditavelmente

Três pessoas embarcam

O cobrador

Sem os dentes da frente

Conversa sobre poesia

Trovadorismo, classicismo, romantismo

Penso nos versos que escrevo

Em noites de insônia

 

Versos livres

Versos fáceis

Versos prosa

Prosa virada

Vertical prosa

Versificada

Vertida

Vertiginosa

Vertigem

Vórtice

Voltagem

Universos

Inversos

Multiverso

Verso

Retos

Para baixo

Restos

Caindo

Sem fim

 

Não é poesia

Não tem valor literário

Poesia sem poesia

Não sou poeta

Souversos

 

Quem sabe, poesia moderna

Para redimir pecados

Amigo, você também é poeta

 

O modernismo e seus versos livres

Hoje tão antigos como o barroco

O mundo de agora expulsou a poesia

Hoje todo mundo é poeta

Depois do modernismo

O pós-modernismo o

Pós-moderno

Pós-poesia o

Pós-poeta

 

Vem antes do moderno

O pós

Não é moderno

É depois

E não significa nada

Apenas por falta

De outra palavra melhor

 

É o ciclo natural

O dinheiro é o valor supremo

O deus moderno

O deus pós-moderno

Que não é nada somente

Onipotente

 

Apesar da profunda desconfiança

Que tenho sobre meus versos

Continuo escrevendo

 

Espelho de letras

Estes meus versos

 

Escrevo para encontrar

Uma metáfora que caiba em mim

Tal qual truque

O segredo por trás da mágica

Escrevo para me enxergar

 

Versos passados

Sentidos como agora

 

Dentro da noite da minha vida

Abdico de todos os sentidos

 

Minhas sensações

Rebelam-se

 

Pensar, não

Melhor deixar

O ônibus

Conduzir a minha vida

O meu destino

 

18.

Jogo de espelhos

 

eu

olho para

este espelho

espelho esse

olha para

mim

 

Espelho

Eu

Visto no

Infinito

Nisto Nisso

Infinito                     

Visto em

Mim...

Espelho

 

Eu

Neste

Espelho

Nesse

Eu

 

Eu

este-esse

não-Eu

 

este eu-tu esse

 

espelho os olhos-teus

e vejo nos meus-olhos eus

 

neles um outro

 

primeira-segunda pessoas

 

espelha tu-eu no espelho

espelhas-me se te-espelho

 

espelho-me em espelhos

 

você: terceira pessoa

 

Eu plural-só

Nós singular-amor

 

eu

Infinitos

em mim

 

me

ver-só

rever

seres

em ti

 

se...

 

Somos um

 

Eu

versos

Eu

 

Jogos de espelho

 

19.

Não há nada de errado

Com a promiscuidade

Mas com o desrespeito

O libertino pode ser digno

O moralista sem caráter

Como costuma acontecer

O problema é

Que as pessoas

Não sabem discernir

Promiscuidade e desrespeito

Por desconhecerem a semântica

Ou por pura hipocrisia

Como costuma acontecer

 

20.

Medíocre

É a palavra preferida

Dos medíocres

 

Medíocre

É a palavra preferida

Dos professores universitários

 

Nada mais piegas

Do que a palavra

Piegas

 

Nada mais piegas

Do que eu

 

Coisas da vida

Coisas vocabulares

 

Eu?

Eu não sei

Eu queria voltar

Pra casa

Cair nos braços

Da minha mãe

E chorar

E confessar como é difícil

Viver

Mas sei que não é isso

Que ela quer ouvir de um filho