131.
Absolutamente
tudo,
Eu.
Puro
nada absoluto,
Sou.
132.
O
coração fala, pelo olhar
Mas
os olhos são mudos
Que
idioma fala o coração?
Uma
língua sem palavras
Sem
gramática, sem regras
O
coração vê, ao beijar
A
boca, que é cega
Que
enxerga o coração?
Uma
verdade verdadeira
Imediatamente,
revelada
O
coração escuta, ao tocar
O
peito, um surdo palpitar
Que
ouve o coração?
Um
abraço, um gemido, o amor
Pulsar,
pulsar, pulsar
O
coração sente, ao sonhar
A
alma, intocáveis infinitos
Que
sente o coração?
Um
suspiro, um desejo
Amar,
amar, amar
133.
Não
sou poeta
Jamais
poderia ser... poeta
“Ser
Poeta”
O
que faço
É
verso errado
Mais
escrito com o coração
Do
que cérebro e mão
Confissão,
grito
Sem
interlocução
Sem
audição
Solidão...
Escritos
Sentidos
Somente
sentido
Infinitos...
Em
todas as direções
Lidos
Fingidos
Engano
verídico
Relido...
Refletidos,
em mim
Espelho-imagem
Sem
forma sem eu
Estranho,
desconhecido
Estrangeiro
Diante
de mim
Só...
Só eu, vazio, sem poesia
134.
Mal havia chegado na festa e
um conhecido, o Carlão, gritou o meu nome: “João! João!” Fui ao seu encontro e
o cumprimentei em meio a uma roda de cinco rapazes. “João, me disse, eu quero
te apresentar um grande poeta, o poeta Luizinho, um grande poeta, um poeta de
mão cheia, um poeta e tanto, um Álvares de Azevedo do antropoceno, um Gonçalves
Dias da globalização. Este sim é um poeta com “p” maiúsculo. Este sim! Você tem
que ler os poemas do poeta Luisinho; você precisa ler os poemas do poeta Luizinho!”
O poeta Luisinho era um homem negro, de estatura muito baixa, magro, roupa
social, uma lata de cerveja na mão. Recebia os elogios de meu cicerone da
literatura com um leve sorriso de soslaio que sinalizava um não sei quê de
arrogância ou falsa modéstia. Acenei para ele que apenas me respondeu com um abaixar de cabeça.
Ao se recompor, o poeta manteve a mesma expressão de antes. Então, após uma
troca de cordialidades com o pessoal do grupo, que eu não conhecia, o Carlão se
afastou a pretexto de cumprimentar alguém que ele, provavelmente, não via havia
muito tempo, tamanho seu entusiasmo e a pressa com que desapareceu, me deixando a sós com os cinco desconhecidos. Luizinho, o célebre poeta, não se abalou com
a saída de Carlão e permaneceu com o meio sorriso no rosto. Os outros não sabiam
o que fazer da minha presença. Embaraçado, procurei uma desculpa e me retirei
dizendo que logo voltaria. A festa estava lotada, uma algazarra de vozes
femininas e masculinas que pronunciavam palavras incompreensíveis em um
turbilhão de conversas emaranhadas por um caos sintático sem sentido. Eu andava
por entre a multidão a procura de diversão ou, melhor, da felicidade nos beijos
da tão sonhada mulher amada que eu esperava conhecer naquela patuscada, quando
me deparei, à distância, com o poeta Luisinho, num canto, sozinho, envolto por uma
aura de silêncio, segurando a lata de cerveja, o sorriso pela metade. Passava
um camarada que reconheci da roda de amigos e eu disse: “Ninguém se importa com
o poeta Luizinho”. Ele apenas olhou, sorriu e continuou o seu caminho. Eu segui
o meu, atrás do amor da minha vida, que eu encontraria se a sorte me
favorecesse naquela noite animada. O tempo passava e eu já sentia os efeitos do
álcool que minava pouco a pouco minha timidez. Subitamente, cantava alto,
gritava feliz e tudo me parecia maravilhoso. Mas... lá estava outra vez o
solitário poeta Luizinho, bem na minha frente. A mesma lata de cerveja, o mesmo
sorriso em um lado da face. Só que desta vez não era o mesmo sorriso de
superioridade que esboçava na véspera, mas o de um palhaço triste e abandonado
atrás das cortinas, na coxia, ao longe do picadeiro. Ah, o poeta Luisinho, ninguém
liga para o poeta Luizinho – pensei. Segui em frente alucinado, absorto em
divagações: Será que um dia vão publicar as poesias do poeta Luisinho? Excelsa
obra nascitura das letras no altar das inspiradoras Musas! Não, ele é pobre,
nunca viajou para Paris, não tem padrinho, não tem pistolão. Ó poeta Luizinho,
não és senão patinho feio, desprezado por todos, nunca conhecerás a glória dos
graciosos cisnes que navegam no lago do parque. E só agora me dou conta, o
Luisinho do poeta Luizinho é com “z” ou com “s”? Até aqui tenho misturado alhos
com bugalhos. Mas vejam como são as coisas deste mundo; um pequeno fonema e um
problema homérico. Ser ou não ser... Tomemos a questão com mais rigor: Luiz tem
som de “s”; Luisinho tem som de “z”; pelo sim, pelo não: Luis-zinho. Um hífen e
tudo está resolvido: eis uma bela capa, digna de um poeta, a do poeta Luis-zinho! Desgraçadamente, a insigne
antologia é apenas um capricho da minha imaginação, pois, que diferença faz,
afinal, nunca vão publicar o poeta Luizinho. Que seja com “s” ou com “z”, dane-se...
Nunca vão publicá-lo. Quantos Camões em potência! Quantos Camões em aparência! Quantos
em ato? Quantos de fato? Não, não, senhoras e senhores, o poeta Luizinho nunca se sentará com ar de importância atrás de uma mesa diante de uma fila de fãs ávidos por tirar uma selfie com seu ídolo sorridente numa sessão de autógrafos! Sejamos realistas. E de repente a multidão se abriu diante de mim como um
mar vermelho, desvelando no centro pouco iluminado a figura desajeitada do
poeta Luisinho, segurando a lata de cerveja, sorrindo de través, desesperado; quer
revelar ao mundo toda a sutiliza de sua sensibilidade; sonha em abrir as largas
asas e alçar voo sobre universos oceânicos para alcançar altitudes telúricas e
pousar no majestoso panteão dos deuses da poesia! Então me dei conta que só
existia ele na festa, que era a única alma viva, de carne e osso, já que a
multidão de pessoas não passava de sombras voláteis, fugidias, impalpáveis, que
evanesciam quando me defrontava com a minha própria solidão. Gritei: Onde estão
todos? Não há ninguém aqui! Se soubessem o quanto deve ser caro para o poeta
Luizinho seus rasurados cadernos de poesia; o quanto se agarra a eles de
maneira sovina como um náufrago se aferra a um pedaço de madeira enquanto afunda
num pântano escuro e abissal? Para depois dizer tristemente para mim mesmo: De
que adianta? Ninguém dá bola para o poeta Luisinho! Dei uma gargalhada e
avancei furiosamente sedento a procura de qualquer substância transcendental que
me elevasse às sublimes dimensões inauditas das utopias. A madrugada avançava,
e eu já me arrastava, cambaleando, melancólico, terrivelmente derrotado. Sem
conseguir dar mais um passo, tropecei; despenquei no infinito. De bruços com o
rosto colado no chão, consegui virar meu corpo. Diante de mim, o misterioso céu
noturno estrelado. Lindo. Um milhão de estrelas. Perfeição. Olhem: um milhão de
estrelas! Onde estão todos? Venham ver! Cadê o poeta Luizinho? Eu preciso ler
as poesias do poeta Luisinho! Cadê o poeta Luizinho? Ainda me sobrava um resto
de força. Levantei-me e o procurei. Numa clareira vazia, tal qual um palco de
piso carcomido, encontrei uma lata de cerveja vazia caída no chão. Ali estava o
poeta Luisinho. Ah, o poeta Luizinho! Passado alguns meses, encontrei o meu
amigo Carlão. Então, perguntei, e o poeta Luisinho? Ele me olhou com um ar
interrogativo e respondeu: Que poeta Luizinho?
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