Introdução
Em meio a uma cena literária brasileira rica em romances de costumes, épicos históricos e narrativas intimistas, Rubem Fonseca emerge como uma voz singular. Sua escrita, seca, direta e implacável, chocou e fascinou gerações de leitores. E talvez em nenhuma outra obra essa intensidade seja mais palpável do que em A Grande Arte. Lançado em 1983, este romance policial se tornou uma das pedras angulares da literatura contemporânea nacional, um livro que transcende o gênero e se aprofunda na psicologia humana, na crueldade e nas complexas relações de poder.
A história nos apresenta o advogado de direito criminal Mandrake, um personagem que se tornaria icônico no universo de Fonseca. Ele é chamado para investigar a brutal morte de uma de suas clientes, e o que começa como um caso isolado rapidamente se transforma em uma teia de mistérios, violência e sexo, envolvendo figuras da alta sociedade e o submundo do crime. Mas 'A Grande Arte' não é apenas um livro sobre resolver um crime. É um retrato visceral de uma cidade — o Rio de Janeiro — e de uma sociedade em constante tensão, onde a arte de matar e a arte de viver se confundem de forma perturbadora.
Rubem Fonseca e a Gênese de um Mestre
Antes de mergulharmos nos meandros de 'A Grande Arte', é crucial entender quem foi Rubem Fonseca. Nascido em Juiz de Fora, Minas Gerais, e radicado no Rio de Janeiro, Fonseca foi um dos maiores expoentes do que se convencionou chamar de realismo brutalista na literatura brasileira. Sua formação como delegado de polícia e sua experiência na vida urbana do Rio de Janeiro se refletem diretamente em sua obra, que explora temas como a violência, a corrupção, a solidão e a sexualidade de uma forma crua e sem rodeios.
A obra de Rubem Fonseca sempre foi marcada por uma prosa concisa, diálogos afiados e a ausência de floreios narrativos. Ele não se preocupava em tornar seus personagens "agradáveis" ou suas histórias "confortáveis". Pelo contrário, sua escrita parece um soco no estômago, um convite a encarar as partes mais sombrias da natureza humana sem censura. A Grande Arte é o ápice dessa estética, um livro onde a violência não é apenas um motor da trama, mas um elemento estrutural, uma parte intrínseca do mundo que ele cria.
A Teia de 'A Grande Arte': Personagens, Motivações e Simbolismos
A força de A Grande Arte reside em sua complexidade. A trama principal, a investigação da morte, serve como pano de fundo para a exploração de uma série de temas e aprofundamento de personagens.
Mandrake: O Arquiteto da Noite
O protagonista Mandrake é, sem dúvida, um dos personagens mais memoráveis da literatura brasileira. Ele é um advogado que transita com desenvoltura entre os salões da elite e os becos do crime, um homem culto e pragmático, que conhece as leis e as entrelinhas do poder. Mandrake não é um herói, mas um anti-herói fascinante, movido por uma curiosidade quase filosófica sobre a natureza da violência e da maldade.
A Brutalidade como Estética
Um dos aspectos mais marcantes do livro é a forma como a violência é tratada. Em 'A Grande Arte', a violência não é glorificada, mas é apresentada como uma arte, uma habilidade que alguns personagens dominam com maestria. Seja através de técnicas de luta, do uso de facas ou da brutalidade psicológica, a crueldade é uma ferramenta, uma forma de expressão e de controle. Essa abordagem choca o leitor e o faz questionar os limites entre a civilização e a barbárie.
O Rio de Janeiro como Palco e Personagem
O Rio de Janeiro de 'A Grande Arte' não é o cartão-postal das praias e do samba. É uma metrópole suja, perigosa e corrupta, onde a lei é relativa e a sobrevivência é o objetivo principal. Os diferentes cenários — escritórios de advocacia, becos escuros, apartamentos luxuosos — constroem um mapa social da cidade, mostrando a coexistência de mundos completamente distintos, mas que se tocam e se chocam de forma violenta.
Por Que 'A Grande Arte' Continua Relevante?
Lançado há mais de quarenta anos, 'A Grande Arte' mantém sua relevância por diversos motivos. A violência urbana, a corrupção e as desigualdades sociais exploradas no livro continuam sendo questões prementes no Brasil. A obra de Fonseca se tornou atemporal, um reflexo sombrio e incisivo de uma sociedade em constante ebulição.
O livro também é uma prova do poder da literatura em transcender o entretenimento. 'A Grande Arte' não é um livro para ser consumido de forma passiva. Ele desafia o leitor a pensar sobre a natureza do mal, os limites da moralidade e a complexidade das motivações humanas.
Perguntas Frequentes sobre 'A Grande Arte'
'A Grande Arte' é um livro difícil de ler? A prosa de Rubem Fonseca é direta e envolvente, mas o conteúdo pode ser perturbador. O livro contém cenas de violência explícita e sexualidade, o que pode ser um desafio para alguns leitores. No entanto, a narrativa é tão bem construída que a leitura se torna compulsiva.
A trama do livro foi adaptada para o cinema? Sim, 'A Grande Arte' foi adaptado para o cinema em 1991, com direção de Walter Salles e estrelado por Peter Coyote, Tarcísio Meira e Amanda Pays. O filme, conhecido como 'A Grande Arte' no Brasil e 'Exposure' no exterior, buscou capturar a atmosfera sombria do romance.
Mandrake aparece em outros livros de Rubem Fonseca? Sim, o advogado Mandrake é um personagem recorrente na obra de Rubem Fonseca. Ele é o protagonista de outras histórias, como 'O Caso Mandrake', 'Mandando Ver', entre outros, e sua figura é revisitada em diversos contos do autor.
Conclusão
A Grande Arte de Rubem Fonseca é mais do que um simples romance policial. É uma obra-prima da literatura brasileira, um retrato implacável da violência e da complexidade humana. O livro desafia gêneros, choca e fascina, e nos convida a uma reflexão profunda sobre a natureza do mal e o papel da arte na representação da realidade. Se você busca uma leitura que o tire da zona de conforto e o mergulhe em um universo literário único, com personagens inesquecíveis e uma trama instigante, este livro é uma escolha certeira.
(*) Notas sobre a ilustração:
A ilustração é uma representação vibrante e sombria, que captura a essência do universo de Rubem Fonseca em "A Grande Arte". O estilo da arte lembra as capas clássicas de romances noir ou pulp fiction, com cores contrastantes e uma atmosfera de suspense e perigo.
No centro, domina a figura de Mandrake, o advogado/detetive. Ele é retratado como um homem de meia-idade, vestindo um sobretudo e um chapéu fedora — elementos icônicos do investigador particular clássico. Seu rosto tem uma expressão séria e perspicaz, com o cigarro entre os lábios e um olhar penetrante, sugerindo sua natureza cínica e observadora. Na mão, ele segura uma faca ensanguentada, que aponta para baixo, um símbolo direto da violência central na trama. A faca, com sua lâmina afiada e o sangue escorrendo, reforça o tema da "arte" da violência.
Ao fundo, uma cidade densa e caótica, provavelmente o Rio de Janeiro, se estende com arranha-céus e edifícios mais antigos, pontuada por sinais de neon que gritam "A Grande Arte", solidificando o título da obra dentro do cenário. Gotas de sangue escorrem do alto dos edifícios e das letras, criando uma sensação de opressão e perigo constante que permeia a metrópole.
Diversos elementos visuais fazem referência aos temas do livro:
Pessoas em ação: Pequenas silhuetas de pessoas se movem, algumas em poses de luta ou perseguição, sugerindo a ação e a violência que se desenrolam nas ruas.
Cartas de baralho: Um "Rei de Espadas" e outras cartas estão espalhadas no ar, simbolizando jogos de poder, traição e os riscos envolvidos no submundo do crime.
Peças de xadrez: Um cavalo e um peão de xadrez aparecem, metaforizando as complexas estratégias e os movimentos calculados dos personagens.
Uma figura feminina enigmática: No canto superior direito, o rosto de uma mulher emerge da escuridão, com uma expressão misteriosa, remetendo às mulheres que se entrelaçam na vida de Mandrake e nos mistérios do romance.
Dinheiro e carros: Pilhas de dinheiro e carros antigos transitam pelas ruas, representando a corrupção e o pano de fundo da sociedade na qual Mandrake se move.
A paleta de cores é dominada por tons escuros — pretos, azuis profundos, marrons — contrastando com vermelhos vibrantes (o sangue) e amarelos/laranjas (a fumaça do cigarro e os neons), que atraem o olhar para os detalhes mais dramáticos. O estilo gráfico, com traços fortes e angulares, amplifica a tensão e o caráter hard-boiled da obra.
No geral, a ilustração é uma capa de livro ideal para "A Grande Arte", encapsulando sua atmosfera de crime, mistério, violência e a figura inconfundível de Mandrake.
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