Eugênia Grandet, de Balzac, e Armindo e Florisa, de Filinto Elísio
Para
realizar um estudo comparativo entre as narrativas das obras Eugênia Grandet,
do romancista francês, do século XIX, Honoré de Balzac, e Verdadeira história
dos sucessos de Armindo e Florisa, do escritor e poeta português Filinto
Elísio, do século XVIII (e parte do XIX), conforme estipulado na proposta da
primeira avaliação da disciplina de Literatura Portuguesa II, achou-se
necessário, para fins metodológicos, estabelecer a narrativa épica ou clássica
por referência antes de entrar em detalhes sobre o objeto central desta
avaliação. Obviamente, não será dito muita coisa sobre a narrativa épica,
apenas que seu narrador possui um status onisciente,
mas, ao mesmo tempo, não se intromete nos fatos narrados, assumindo, assim, uma
posição de distanciamento e neutralidade. Tanto nos romances de Eugênia Grandet e Armindo e Florisa os
narradores tomam uma perspectiva bastante diferente. A começar por Armindo e Florisa,
cuja escola literária poderia ser classificada como pré-romântica (ou mesmo
romântica), o narrador toma parte da história logo no prefácio e apresenta-se
na figura de Rodrigo Marques, um suposto parente de um dos protagonistas. Este
adota uma posição narrativa de testemunha da
história que tem como centro o amor de Armindo e Florisa, ambos filhos de
famílias rivais, tal como em Romeu e Julieta,
obra à qual inspirou Filinto Elísio, e que é o mote de toda a trama. Depois de
uma apresentação sucinta e formal, o narrador inicia uma descrição bastante
objetiva dos fatos que se desenrolarão, mas sua familiaridade com o ambiente em
questão é tão grande que, talvez, movido por um ímpeto de nostalgia
sentimental, chega a descrever a paisagem com uma subjetividade surpreendente:
“Ainda hoje tenho na memória, tam vivamente pintados, como se hontem, e não
depois de 38 anos, delles já me despedira...” (p. 10). Tal aspecto
da narrativa reforça a posição de testemunha do narrador e dá certo grau de
verossimilhança à obra. Talvez, por meio deste artifício, o autor inova e
escreve um romance histórico, em que o protagonista, Armindo, toma parte nas
conquistas ultramarinas do Império Português, tendo, assim como nos Lusíadas,
desfecho melancólico: fim do sonho messiânico português? Mas, é o plano ideal,
ou seja, honra e a tradição familiar, que move o protagonista sem esperança de
consumar seu amor com Florisa. Antes de passar para Eugênia Grandet,
cabe ainda ressaltar quão pouco dramática é a narrativa, predominando o
discurso indireto e marcada pela ausência de diálogos entre os personagens, que
se manifestam em poucas intervenções, de caráter esporádico e não dialógico,
através do discurso direto. O romance Eugênia Grandet já
apresenta uma estrutura mais familiar ao leitor moderno, apresentando uma
riqueza descritiva muito próxima do real, quase e que caracteriza os textos de
Balzac e, posteriormente, o realismo. Neste sentido, o autor descreve longa e
pormenorizadamente os fatos históricos, o ambiente, a cidade de Saumur, a casa,
o cotidiano etc. e o contexto que envolvem os personagens que só são
compreendidos através dessa descrição minuciosa. Tem em comum com Armindo e Florisa o
fato de ser também um romance com fundo histórico: a história de Eugênia Grandet passa-se
pós Revolução Francesa. Porém, é realista demais, contrastando com o teor
fantástico – e, digamos, um tanto quixotesco – descritos de uma África ou uma
Índia idealizadas e de onde o protagonista se bate solitário com batalhões ou
um adversário à sua altura. Já a posição que ocupa o narrador em Eugênia Grandet é
bastante diferente. O narrador não se põe como uma testemunha da trama, mas
dele nada sabemos e é como se estivesse observando, por detrás de uma cortina,
as pessoas no tempo e no espaço. Ou seja, seu status é de
onisciência, porém, ao contrário do narrador épico, aquele, através do discurso
indireto livre, esmiúça a personalidade dos personagens extraindo deles uma
forte carga psicologizante. Além disso, o amor de Eugênia e Charles Grandet não
tem os mesmos laivos românticos de Armindo e Florisa. O amor descrito pelo
romancista francês não resiste às questões materiais, ou seja, financeiras.
Enquanto Armindo viaja o mundo para lutar por sua honra, Charles parte para
fazer fortuna. Se ambos os amores malogram, os motivos, no entanto, diferem.
Para concluir assim, diríamos que a narrativa de Armindo e Florisa é
muito mais idealista com seus protagonistas nobres e heroicos; já a de Eugênia Grandet,
escancara o que há de pior, em termos éticos, no ser humano, ou seja, ganância
por dinheiro e riqueza e é terrivelmente materialista.