Autor: Jean Pires de Azevedo Gonçalves
É quase
um consenso na teoria literária que o romance moderno surge com a ascensão da
burguesia à condição política de classe dominante. Tal fato se dá no contexto
das Revoluções Burguesas, culminando com a Revolução Francesa, em 1789. Com a
queda do Antigo
Regime e a derrocada dos últimos resquícios feudais, os valores
burgueses não apenas se tornam hegemônicos como também universais. Os direitos
civis e individuais são estabelecidos e garantidos pelo Estado moderno. Se
ainda é nos permitido pensar em termos de superestrutura e estrutura, para usar
um jargão extraído da seiva marxista, o que subjaz a superestrutura é a
consolidação definitiva e estrutural do modo de produção capitalista. A classe
burguesa, enfim, se realiza de fato e de direito.
Feitas estas
considerações iniciais, é importante pensar, do ponto de vista da economia
capitalista, os termos da transição que se opera com as revoluções. A tradição
de lealdade, os laços de sangue e clientela, que legitimam a propriedade e a
rígida hierarquia feudal, são substituídos pela riqueza móvel, isto é, o
dinheiro. No capitalismo, não é a esfera política, o fator social determinante,
mas a econômica. A mobilidade social, alcançada pelo enriquecimento, produz
novos padrões estéticos, mais condizentes com a realidade burguesa. O cotidiano
passa a ser retratado a partir de então pela prosa, com os seus personagens
vulgares, movidos apenas pelo enriquecimento. “O verdadeiro princípio que, em
última análise, determina a unidade do romance é o processo da evolução social.
A verdadeira ação consiste na ascensão social e no triunfo do capitalismo”
(LUKÁCS, 1964, pp. 101 e 102). Nesse sentido, o romantismo que se pretendia
questionar a sociedade burguesa encontra na figura de Balzac a passagem para o
realismo. Em Eugênia
Grandet, assim como em outros romances balzaquianos, o amor romântico não
resiste às questões materiais, ou seja, financeiras. “Balzac retrata esse
processo de transformação da literatura em objeto de troca em toda sua
complexidade: do papel às convicções, às ideias, aos sentimentos dos
escritores, tudo se transforma em mercadoria” (Ibidem, p. 98).
Isto é, a
expressão do que se denominou na escola marxista de fetiche da mercadoria, ou,
nos termos lukacsianos, reificação:
quando as coisas passam a ter relações sociais e os seres humanos são
convertidos em coisas. A mercadoria (o dinheiro) é o fator de sociabilização e
intermedeia todas as relações humanas através da lógica da equivalência. Os
próprios seres humanos, individualmente, são convertidos em mercadorias, em
última instância, enquanto força de trabalho, fundamento de toda alienação.
Na
América Latina, condenada ao status de colônia, a formação dos Estados
nacionais modernos com os movimentos de independência não seguiu o modelo clássico dos
países centrais. Em certo sentido, o liberalismo era estranho em uma sociedade
de economia dependente e que sequer tinha um mercado interno consolidado.
Muitas vezes, a teoria liberal serviu justamente para reafirmar a sua estrutura
social arcaica, fundada na grande propriedade fundiária e no trabalho
compulsório. Por isso a América Latina vive a ambiguidade do arcaico e do
moderno, como afirma Roberto Schwarz e outros.
Sob esse
prisma, traçando um paralelo com a realidade brasileira, o romance realista Martín Rivas, do
autor chileno Alberto Blest Gana, as relações amorosas, que parecem se dar, a
princípio, num embate de gênero, no qual o amor para os homens só é possível
mediante o acesso ao dinheiro, enquanto para as mulheres é o sentimento em si
que importa, ou seja, o amor romântico,
no final, após um sinuoso transcurso dialético, simboliza uma conciliação dos
extremos numa dada situação sui generis,
característica da modernização na America Latina. Assim, o romantismo, com sua
reação ao capitalismo e sua busca pelas origens autênticas, imaculadas pelo
mercado e nacionais, poderia representar, de certa forma, os interesses
conservadores das oligarquias; e o realismo, inversamente, os interesses
progressistas da insipiente burguesia nacional. Porém, ao contrário do que
ocorreu nos países onde ocorreram revoluções burguesas, na América Latina,
oligarquia e burguesia tecem alianças, tanto no plano político como econômico,
à revelia e independentemente da vontade popular. Dito de outro modo, a
construção dos estados nacionais nas ex-colônias ibéricas não contou com a
participação do povo. O conflito interno à classe dominante se resolve num
acordo de cavalheiros e o conceito de nação é formulado de cima para baixo,
excluindo as camadas sociais inferiores.
É neste
cenário que se desenrola o romance de Blest Gana. Martín Rivas, o herói do
romance de título homônimo, é um jovem provinciano e pobre que, de posse de uma
carta de seu falecido pai, vai para a cidade grande a procura de Don Dámaso
Ensina, homem que enriqueceu, inclusive, graças à especulação dos negócios
paternos de Rivas. Há aqui, sem dúvida nenhuma, uma relação clientelística,
caracterizada pela troca de favor, típica das relações hierárquicas
aristocráticas pré-burguesas. A pobreza de Martín Rivas, em grande causada por
D. Dámaso, é, assim, ilustrativa. No início do romance, o personagem, que se
veste com roupas puídas e mal ajambradas, é construído de tal forma tão
degradante, que chega a ser preso por causa de uma briga com vendedores de
sapato. Esta passagem é emblemática da situação de penúria de Rivas e merece
uma transcrição:
El
zapatero se levantó, en efecto, y arremetió al joven con furia. Una riña de
pugilato se trabó entonces entre ambos, con gran alegría de los otros, que
aplaudían y animaban, elogiando com imparcialidad los golpes que cada cual
asestaba con felicidad a su adversario.
(...)
En vano quiso Martín explicarle
el origen de lo acaecido, el policial nada oía, y siguió llamando con su pito
hasta que se presentó un cabo seguido de otro soldado. Con éstos, su elocuencia
fracasó Del mismo modo. El cabo oyó impasible la relación que se le hacía, y
sólo contestó con la frase sacramental del cuerpo de seguridad urbana:
—Páselos
pa entro.
Ante tan
uniforme modo de discutir, Rivas conoció que era mejor resignarse, y se dejó
conducir con su adversario hasta el cuartel de policía. (Martín Rivas,
p.21).
Mas, com
o passar do tempo, graças a sua firmeza de caráter e competência, assume os
negócios de D. Dámaso, auferindo grandes lucros para este, até se tornar sócio
capitalista de seu benfeitor, conquistando ainda o coração da filha do patriarca,
a bela Leonor. A ascensão social do personagem, bem como o casamento, é a
reconciliação dos dois paradigmas antagônicos assinalados acima. Representa a
conciliação dos setores mais arcaicos das sociedades latino-americanas e os
ideais liberais da burguesia ascendente, alavancada pelo dinheiro.
Para
corroborar nossa análise, seria interessante discorrer sobre o conceito de mediação de
René Girard (2009). Este autor observa que em grandes obras literárias os
personagens muitas vezes são motivados por relações triangulares, isto é,
sujeito – modelo (ou mediação) – objeto. D. Quixote é impulsionado pelo modelo
de cavalaria encarnado na figura de Amadis e toda a trama do romance se
desenrola sob a mediação configurada entre o sujeito e objeto. “A linha reta
está presente no desejo de Dom Quixote, porém ela não é o essencial. Acima
desta linha, há o mediador que se irradia ao mesmo tempo em direção ao objeto.
A metáfora espacial que expressa essa tripla relação é obviamente o triangulo. O
objeto muda a cada aventura, mas o triangulo permanece. A bacia de barbear ou
as marionetes de Mestre Pedro substituem os moinhos de vento. Amadis, em
contrapartida, está sempre presente” (GIRARD, 2009, p. 26).
O vértice
mediador em D. Quixote é fácil perceber: o modelo é transcendental e
inatingível. Girard denomina este triangulo de mediação externa.
Há, porém, um outro tipo de mediação, mais sutil e complexa, que o referido
autor chama de mediação
interna, que pode ser definida por Girard da seguinte maneira:
“O
impulso em direção ao objeto é no fundo impulso na direção do mediador, na
metáfora interna, esse impulso é quebrado pelo próprio mediador já que este
mediador deseja, ou talvez possua esse objeto. O discípulo, fascinado por seu
modelo, vê forçosamente, no obstáculo mecânico que este último lhe impõe, a
prova de uma vontade perversa para com ele. Longe de se declarar vassalo fiel,
esse discípulo não pensa senão em repudiar os laços da mediação. Esses laços,
no entanto, estão mais sólidos do que nunca pois a hostilidade aparente do
mediador, longe de lhe diminuir o prestígio, não faz senão aumentá-lo. O
sujeito está persuadido de que seu modelo se julga demasiadamente superior a
ele para aceitá-lo como discípulo. Então, o sujeito experimenta por esse modelo
um sentimento dilacerante formado pela união dos dois contrários que são a mais
submissa veneração e o mais intenso rancor. Eis aí o sentimento que chamamos ódio. (Ibidem, p.
34).
De fato, em Martín
Rivas, o personagem principal é movido pelo amor de Leonor – que o ama em
segredo – contudo, para conquistar sua amada, a ascensão social lhe aparece
como condição sine
qua non. Isto é, para que seu desejo se concretize, é necessário antes a
interposição do pré-requisito fetichista (econômico). O personagem não está
altura de sua amada, porque é pobre. O modelo do “homem rico” é o mediador
entre o sujeito e o objeto. Já no caso de Leonor é exatamente o amor romântico
que surge como obstáculo, pois seu amado é um jovem pobre. Ambas as mediações
são internas, pois os personagens se amam de verdade, e, por isso, possuem seu
objeto, pelo menos de modo pressuposto, mas tal posse é, ao mesmo tempo,
inatingível. Fato que faz da obsessiva mediação um impeditivo, obstruindo a
relação direta entre os polos do desejo. O que daí resulta em frustração,
rancor e ódio reprimido e inconfessável.
Desse
triângulo, que poderíamos dizer estrutural, desdobra-se um triângulo aparente
entre personagens. Num primeiro plano, aparece o triângulo de Leonor-Martín-Eldemira;
e, num segundo plano, o de Rafael-Matilde-Agustín.
Tal
relação reificada, em que o dinheiro centraliza as circunstâncias pessoais da
trama narrativa, é tipicamente moderna. Em Eugênia Grandet,
a relações amorosas escondem um jogo de interesses que têm por fundo interesses
materiais, ou melhor, financeiros. Os pretendentes da filha de Felix Grandet,
Eugênia, cobiçam a herança de Felix, que, por sua vez, também calcula para
tirar proveito da situação. Porém, Eugênia se apaixona por seu primo Charles
que também lhe jura amor, mas, falido, decide abandoná-la e se aventurar pelo
mundo atrás de fortuna até contrair casamento com outra mulher. Eugênia herda a
riqueza do pai e recebe uma carta de Charles relatando seus insucessos. Eugenia
lhe envia dinheiro – que de certa forma é, ao mesmo tempo, um modo de
humilhá-lo e uma admoestação moral à sua cobiça cega – e passa a negociar um
casamento com o senhor Cruchot.
No
romance Senhora de
José de Alencar tal determinante econômico é tão poderoso que os sentimentos
são comercializados como qualquer mercadoria. “Para começar, vejamos o
desenrolar da história. – Aurélia, moça muito pobre e virtuosa, ama Seixas,
rapaz modesto e muito fraco. Seixas pede-a em casamento, mas depois desmancha,
em favor de outra que tem um dote. Aurélia herda de repente. Teria perdoado a
Seixas a inconstância, mas não lhe perdoa o motivo pecuniário. Sem dizer quem
é, manda oferecer ao antigo noivo um casamento no escuro, com dote grande, mas
contra recibo. O rapaz, que está endividado, aceita. É onde começa propriamente
o enredo principal. Para humilhar o amado e vingar-se, mas também para pô-lo em
brios e finalmente por sadismo – de tudo isso há um pouco – Aurélia passa a
tratar o marido recém-comprado como uma propriedade: reduz o casamento de
conveniência a seu aspecto mercantil, cujas implicações por suprema ofensa vão
comandar a trama. A tal ponto, que as quatro etapas da história são chamadas “O
preço”, “Quitação”, “Posse”, “Resgate”. Como indica este rigorismo na condução
do conflito, enredo e figura são de linhagem balzaquiana” (SCHWARZ, 2007, p.
52).
Outro
exemplo que poderíamos citar é romance romântico Amor de Perdição,
do escritor português Camilo Castelo Branco, que, inclusive, guarda um paralelo
com Martín
Rivas, no seguinte aspecto. Também neste romance há dois triângulos
amorosos entre os personagens Simão-Teresa-Baltasar e Teresa-Simão-Mariana.
Teresa e Simão, oriundos de famílias burguesas, se amam, mas por motivo de uma
rivalidade familiar, o pai da moça, Tadeu de Albuquerque, tem planos para que
sua filha se case com seu sobrinho fidalgo, Baltasar Coutinho. Diante da recusa
de Teresa e do fato da mesma declarar seu amor por Simão, seu pai decide
mandá-la para um convento. Após algumas peripécias, Simão mata Baltasar e é
condenado ao degredo. Eis que surge o amor incondicional de Mariana, filha de
um ferreiro, que lhe presta dedicação integral, mesmo sabendo que Simão ama
Teresa (paralelo com Martín e Edelmira). Nota-se, entretanto, que o amor de
Teresa e Simão só não foi viabilizado, numa eventual fuga, porque faltava o
elemento monetário, descrito de forma exemplar nesta passagem:
E ficou
pensando na sua espinhosa situação. Deviam de ocorrer-lhe ideias aflitivas que
os romancistas raras vezes atribuem aos seus heróis. Nos romances todas as
crises se explicam, menos a crise ignóbil da falta de dinheiro. Entendem os
novelistas que a matéria é baixa e plebéia. O estilo vai de má vontade para
coisas rasas. Balzac fala muito em dinheiro; mas dinheiro a milhões. Não
conheço, nos cinquenta livros que tenho dele, um galã num entre ato da sua
tragédia a cismar no modo de arranjar uma quantia com que um usurário lhe
lança, desde a casa do juiz de paz a todas as esquinas, donde o assaltam o
capital e o juro de oitenta por cento. Disto é que os mestres em romances se
escapam sempre. Bem sabem eles que o interesse do leitor se gela a passo igual
que o herói se encolhe nas proporções destes heroizinhos de botequim, de quem o
leitor dinheiroso foge por instinto, e o outro foge também, porque não tem que
fazer com ele. A coisa é vilmente prosaica, de todo o meu coração o confesso.
Não é bonito deixar a gente vulgarizar-se o seu herói a ponto de pensar na
falta de dinheiro, um momento depois que escreveu à mulher estremecida uma
carta como aquela de Simão Botelho. Quem a lesse, diria que o rapaz tinha
postadas, em diferentes estações das estradas do país, carroças e folgadas
parelhas de mulas para transportarem a Paris, a Veneza, ou ao Japão a bela
fugitiva! A estradas, naquele tempo, deviam ser boas para isso, mas não tenho a
certeza de que houvesse estradas para o Japão. Agora creio que há, porque me
dizem que há tudo.
Pois eu
já lhes fiz saber, leitores, pela boca de mestre João, que o filho do
corregedor não tinha dinheiro. Agora lhes digo que era em dinheiro que ele
cismava, quando Mariana lhe trouxe o caldo rejeitado.
A meu
ver, deviam atribulá-lo estes pensamentos:
Como
pagaria a hospitalidade de João da Cruz?
Com que
agradeceria os desvelos de Mariana?
Se Teresa
fugisse, com que recurso proveria à subsistência de ambos?
Ora,
Simão Botelho saíra de Coimbra com a sua mesada, que não era grande, e quase
lha absorvera o aluguel da cavalgadura, e a gorjeta generosa que dera ao
arreeiro, a quem devia o conhecimento do prestante ferrador.
As
relíquias desse dinheiro dera-as ele à portadora da carta naquele dia. Má
situação!
(CASTELO BRANCO, 2006, pp. 76 e 77).
ANÁLISE
Em Martín Rivas há
dois planos sobrepostos. Em destaque, o enredo amoroso entre os personagens
citados. Como pano de fundo, aparece o cenário político que se dá num embate
entre conservadores e liberais. Também aqui, há uma questão de gênero. Pois o
referido embate manifesta-se em reuniões familiares e são protagonizados por
pelo casal D. Fidel e Doña Francisca. Embora Francisca seja lúcida e
inteligente, seu marido, que não goza das mesmas qualidades, repreende-a a todo
momento nos debates sobre as conjunturas políticas, com a justificativa de que mulher não entende de
política. Estes dois planos vão coincidir com o episódio histórico do
levante liberal em 5 de novembro de 1851. A revolução liberal é o clímax do
romance é onde os nós serão desatados, sejam eles políticos (público), sejam
sentimentais (privado).
O que
interessa aqui, porém, é o primeiro plano, que articula estas contradições
conduzindo-as a um desfecho conciliatório.
Como já
foi dito repetidas vezes aqui, a questão financeira compreendida como um
impedimento para o êxito das relações amorosas de pessoas de classes diferentes
é colocada como grau de verdade pelo personagem principal Martín. O diálogo com
seu amigo, Rafael San Luis, deixa isso bem claro:
—Porque
lo peor que puede suceder a un joven pobre como usted es el enamorarse de una
niña rica. Adiós estudios, porvenir, esperanzas exclamó San Luis, empinando con
febril entusiasmo un vaso de vino—. Usted me pidió consejos ayer; pues bien,
ahí tiene usted uno, y es de los más cuerdos. El amor, para un joven
estudiante, debe ser como la manzana del paraíso: fruto vedado. Si usted quiere
ser algo, Martín, y le digo esto porque usted parece dotado de la noble
ambición que forma los hombres distinguidos, rodee su corazón de una capa de
indiferencia tan impenetrable como una roca.
—No
pienso enamorarme —contestó Martín—, y tengo para ello muy poderosas razones:
entre ellas, la que usted acaba de apuntar. (Martín Rivas,
p.36).
Nesta
outra passagem e circunstância, na casa de D. Dámaso, uma conversa entre este,
seu filho Agustín e Leonor, a opinião acima é endossada por pai e filho:
En casa
de don Dámaso habló Martín de su nuevo amigo, a quien Agustín había nombrado.
—Ese
mocito es muy intrigante dijo don Dámaso, y busca niña con buena dote.
—Pero,
papá —replicó Leonor—, es necesario no ser injusto; yo tengo mejor idea de San
Luis.
—Es un
parvenido —dijo Agustín—, papá tiene razón. A la época donde estamos, todos quieren
plata.
—Y hacen
bien, cuando hay pobres que la merecen más que muchos ricos exclamó Leonor.
Para D.
Dámaso e Agustín o que está por trás do amor de Rafael por Matilde é o
interesse material pura e simplesmente. Leonor replica e acredita na pureza dos
sentimentos que Rafael nutre por sua prima. Ironicamente, o próprio Rafael,
como já ficou explícito na citação anterior, compartilha da opinião de D.
Dámaso e Agustín, sendo taxativo na impossibilidade da realização de uma paixão
entre um rapaz pobre e uma moça rica. Já Martín Rivas, que ama Leonor, longe de
lutar contra as convenções sociais, compactua com a opinião masculina, aceita-a
e resignando-se a um conformismo estoico.
—¡Cuidado,
Martín!, no olvides mi consejo. El amor, para un estudiante pobre, debe ser
como lamanzana del paraíso: si lo pruebas, te perderás. (p. 40).
(...)
—Es
verdad —dijo Martín.
—Por eso
te decía que tu mal no es irreparable, puesto que no eres amado; todavía puedes
olvidar.
—¡Olvidar
cuando el amor principia no es fácil! —exclamó Rivas —prefiero sufrir.
—Trata de
amar a otra, entonces.
—No
podría. Además, mi pobreza me cierra las puertas de la sociedad o a lo menos me
enajena su consideración
—Fue lo
que me sucedió —dijo Rafael. (...) (pp. 72 e 73).
Isso é expresso sem meias
palavras por Martín a Leonor, sua amada, quando esta o questiona acerca de seus
sentimentos. Para Martín, o amor é apenas um complicador, gerador de sofrimento,
e, por isso, melhor seria renunciar a seus encantos, que, como sempre, estão
condicionados à materialidade.
—¿Está
usted enamorado?
Martín no
pudo ocultar la sorpresa que semejante pregunta le causaba, ni tampoco el deseo
irresistible que le arrastró a manifestar a Leonor que en el pecho de un pobre
y oscuro joven de província podía alentar un corazón digno de los elegantes que
siempre la habían rodeado.
—Una
persona en mi posición —dijo— no tiene derecho a estarlo; pero sí puede creer
en el amor como en una esperanza que le dé fuerza para la lucha a que la suerte
le destina.
(...)
—¿De
dónde nace entonces la fe que usted acaba de manifestar? Usted dice que cree en
el amor.
—Mi fe se
funda en mi propio corazón; hay algo que me dice con frecuencia que no está
formado para latir únicamente por el curso regular de la sangre; que la vida
tiene un lado menos material que las especulaciones con que todos buscan el
dinero; que en los paseos, en el teatro, en las tertulias, el alma del joven va
buscando otro placer que el de mirar, que el de oír o que el de conversaciones
más o menos insípidas.
—Y ese
placer, ese algo desconocido lo llama usted amor. ¿No es así?
—Y creo
que el que desconoce su existencia— replicó Martín con cierto orgullo—, o ha
nacido con una organización incompleta, o es más feliz que los demás. (p. 81).
(...)
Las
últimas palabras de Leonor le dejaron aterrado y decían bien claro que a sus
ojos ni el corazón ni la inteligencia podían tener valor ninguno si no iban a
acompañados por la riqueza o un distinguido nacimiento. (p.83).
Num diálogo entre Leonor e sua
prima Matilde, esta suspeita que Leonor está apaixonada por Martín e argumenta
que pobreza não significa nada quando duas pessoas se amam; ela própria,
Matilde, é apaixonada por Rafael, que não goza de uma situação financeira muito
melhor do que Martín.
—¡Ah!
¿Estás enamorada?
En la
viveza con que esta pregunta fue hecha por Matilde veíase que por un momento la
mujer vencía a la amante, la curiosidad al placer de hablar de su amor.
Leonor
contestó con igual viveza, pero poniéndose colorada:
—¡Yo! no,
hijita.
—Mientes.
—¿Por qué?
—No eres
ahora, Leonor, lo que eras antes. ¿Cuándo estabas nunca pensativa como ahora te
veo muchas veces? Dime, no seas reservada. Mira que yo a veces soy adivina.
¿Cuál de los dos, Clemente o Emilio?
Leonor no
contestó más que avanzando ligeramente el labio inferior con magnífico desdén.
Matilde
nombró, entonces, a muchos de los elegantes de la capital, y obtuvo la misma
contestación. Por fin añadió en tono de exclamación:
—¿Será
Martín?
—¡Oh!
¡Qué locura!
Las
mejillas de Leonor se encendieron con vivísimo encarnado.
—¿Y por
qué no? —repuso Matilde—: Martín es interesante.
—¿Te
parece? —preguntó Leonor, fingiendo la más absoluta indiferencia.
—Yo lo
encuentro así, y ¿qué tiene que sea pobre? (p. 233).
Numa conversa, desta vez entre
Leonor, seu irmão Agustín e Martín, o embate de gênero é ainda mais reforçado.
Agustín insinua que há bons pretendentes para a irmã, isto é, ricos, que estão
interessados nela. Leonor, porém, é enfática: “¡Qué me importan los ricos!”
Perante esta exclamação, Agustín questiona: “¿Preferirías algún pobre,
hermanita?” A esta pergunta, ela deixa entender que sim. Então o irmão retruca:
“Não compreende o nosso tempo”. Leonor responde: “Hay muchas cosas que pueden
valer más que la riqueza”. Ao ser inquerido, Rivas afirma que a riqueza é não
só uma necessidade mas um pressuposto do amor: “Cuando un hombre, por ejemplo,
considera la riqueza como un medio para llegar hasta la que ama”. Esta mercantilização
dos sentimentos e a reificação das relações humanas, principalmente, envolvendo
sexo feminino, tratado como mero objeto ou mercadoria, é veementemente
contestado por Leonor: “Pobre idea tiene usted de la mujeres, Martín”.
—Los
franceses —añadió Agustín— dicen: l'amour fait rage et l'argent fait mariage;
pero aquí el amor hace de los dos: rage et mariage.
—Creo que
ahora es la niña más feliz de Santiago —repuso Leonor.
—¿Por qué
no la imitas, hermanita? —dijo Agustín—; tú puedes ser tan feliz como ella
cuando quieras, ¿no tienes dos elegantes enamorados?
Martín
fijó en la niña una mirada profunda y palideció.
—¿Dos no
más? —preguntó riéndose, Leonor.
Con estas
palabras, la palidez de Martín cambió de repente en vivo encarnado.
—Cuando
digo dos —replicó Agustín—, hablo de los que más te visitan, mi toda bella; ya
sabemos que puedes elegir entre los más ricos, si quieres.
—¡Qué me
importan los ricos! —exclamó con desdeñoso tono Leonor.
—¿Preferirías
algún pobre, hermanita?
—Quien
sabe.
—No
comprendes el siglo, entonces; te compadezco.
—Hay
muchas cosas que pueden valer más que la riqueza —dijo la niña.
—Grave
error, ma charmante; la riqueza es una gran cosa.
—¿Y usted
piensa lo mismo que Agustín? —preguntó Leonor, dirigiéndose a Rivas.
—Pienso
que en ciertos casos puede ser una necesidad —contestó Martín.
—¿En qué
casos?
—Cuando
un hombre, por ejemplo, considera la riqueza como un medio para llegar hasta la
que ama.
—Pobre
idea tiene usted de la mujeres, Martín —díjole la niña en tono serio, no todas
se dejan fascinar por el brillo del oro.
—Sí, pero
todas rafolan por el lujo —exclamó Agustín.
—Me he
puesto en el caso de un hombre oscuro y que aspire muy alto —repuso Martín com
resolución.
—Si ese
hombre vale por sí mismo —replicó Leonor—, debe tener confianza en hallar quien
le comprenda y aprecie; usted es muy desconfiado.
Estas
palabras las dijo Leonor levantándose del piano y en circunstancias que Agustín
se acababa de alejar.
—Desconfío
—dijo Martín— porque me encuentro tan oscuro como el hombre que he puesto por
ejemplo.
—Ya ve
usted que para mí —le contestó la niña con voz conmovida— la riqueza no es uma
recomendación, y hay muchas como yo. (pp. 237 e 238).
No triângulo amoroso, por assim
dizer, Rafael se torna noivo de Matilde graças a um acordo de arrendamento de
uma propriedade entre o tio deste e o pai de Matilde, D. Fidel. No entanto, o
noivado não dura muito, pois Rafael teve um envolvimento com uma moça pobre,
engravidando-a e abandonado ela e a seu filho. O caso vem à tona e o noivado é
rompido. Num diálogo entre Agustín, Leonor e Martin sobre o rompimento de
Rafael e Matilde, Leonor deixa claro a divergência entre a concepção feminina e
masculina: “Nenhum homem é capaz de amar”.
—¿Y qué
devendrá Rafael con esto? —preguntó el elegante, encendiendo un cigarro puro yo
freciendo otro a Martín.
—Se ha
ido esta mañana muy temprano a la Recoleta —dijo Rivas.
—¡Es
romántico eso! Le compadezco de todo mi corazón —exclamó Agustín.
—Me dejó
una carta; está desesperado —añadió Martín.
—No
comprendo esa desesperación —dijo Leonor—, cuando podía distraerse con otros
amores como lo ha hecho ya.
—Hermanita,
hay amores y amores —repuso Agustín—, es necesario no confundir.
—¡Ah!, no
sabía —replicó Leonor.
—Se puede
amar por gusto y por pasión —continuó el elegante.
—Lo que
veo —dijo Leonor, mirando fijamente a Rivas— es que no hay hombre capaz de
amar. (p. 258).
Esta divergência é posta a
exaustão. Rafael especula se Martín seria capaz de declarar o seu amor a
Leonor. Aquele novamente coloca a questão de classes sociais no centro da
conversa:
—Estoy
seguro que aunque vivas con ella otro tiempo igual al que has pasado en la
casa, nunca te atreverás a declararle tu amor.
—Si no
fuese tan rica y no debiese a su padre tantas atenciones, tal vez me atrevería
contesto Rivas. (p. 308).
Martín só se declara numa
situação extrema, durante o levante liberal de 5 de novembro quando ele próprio
toma parte ao lado dos liberais. Mas o faz por carta. Feito prisioneiro,
condenado à pena capital, e, por outro lado, sabendo de que era correspondido
por Leonor, a impossibilidade do amor torna-se finalmente possível. Como foi
dito acima, ao citar Girard, a mediação interna permeava
toda a trama e era um fato consumado. O que separava Martín e Leonor era o
modelo que ambos tomavam para si como meta do desejo. Durante todo tempo,
estiveram ligados por uma forte paixão sem poder, no entanto, realizá-la. No
momento em que Martín parece estar perdido, as mediações se desfazem:
—Hemos
sido muy locos, Martín —díjole la niña, perdiendo su mirada en el ardiente
reflejo de los ojos con que él la contemplaba extasiado—. ¿No nos habíamos
dicho varias veces con los ojos que nos amábamos? Ah, es muy cierto. Usted
tiene siempre razón; yo he tenido la culpa. De todos los hombres que me
rodeaban, usted, el de más humilde posición, me parecía el más noble y tenía
miedo de confesarme a mí misma la preferencia de mi corazón; pues bien, desde
ahora sabré enmendarme, porque su amor me enorgullece.
—No sé si
soy el más digno de su amor —dijo Martín—, pero aseguro sí que soy el más
amante. ¿Qué poder tenía yo para defenderme de su belleza? Me dejé vencer por
ella sin preguntarme lo que podía esperar, y cuando quise combatir, me hallaba
ya sin fuerzas contra la pasión que se había apoderado de mi pecho. Desde
entonces nada pudo arrancarla ya del corazón: ni el sentimiento de dignidad ni
la falta de esperanza ni el desdén con que usted a veces recibía mis miradas;
así fue que esta mañana jugaba com placer mi vida, porque me creía despreciado
por usted y veía que sólo la muerte podía extinguir mi amor. (p. 326).
Leonor e
Agustín planejam a fuga de Rivas, contando com Edelmira, que amava
abnegadamente Martín, e seu irmão, o ganancioso e corrupto Amador, guarda da
prisão. A fuga é bem sucedida. Leonor convence seu pai a ajudar Martín e
declara seu amor pelo rapaz. Diante das objeções de D. Dámaso, Leonor, enfim,
cede as determinações econômicas, afirmando que Martín tem caráter e firmeza
para se tornar um homem rico.
—No
debías hacer esa confesión.
—¿Y por
qué no? Martín, aunque pobre, tiene alma noble, elevada inteligencia; esto
basta para justificarme. ¿Preferiría usted que ocultase lo que siento? ¿No son
ustedes los naturales depositarios de mi confianza?
(...)
Leonor
prosiguió:
—Usted
sabe, papá, que Martín es un joven de esperanza: usted mismo lo ha dicho muchas
veces; es también de muy buena familia no le falta, por consiguiente, más que
ser rico, y estoy segura de que, con las aptitudes que usted le reconoce, nunca
será pobre (...). (p. 333).
É o que se passa. O romance
termina com uma carta de Martín para sua irmã, relatando os auspícios de sua
história de amor.
Cinco meses de ausencia, mi
querida Mercedes, parece que en vez de entibiar han aumentado el amor profundo
que alimenta mi pecho. He vuelto a ver a Leonor, más bella, más amante que
nunca. La orgullosa niña, que saludó con tan soberano desprecio al pobre mozo
que llegaba de una provincia a solicitar el favor de su familia, tiene ahora
para tu hermano tesoros de amor que le deslumbran y hacen caer de rodillas ante
su mirada angelical. Son los mismos ojos cuya mirada bastaba para hacerme
palidecer los que me prestan ahora sus divinos fulgores para lanzar mi alma
palpitante en las indefinibles regiones de la pasión más pura y más ardiente a
un mismo tiempo; es la misma frente majestuosa que se inclina ahora ante mis
ojos con la poética sumisión de amorosa solicitud; los mismos rosados labios,
desdeñosos antes, que ahora me sonríen y articulan los castos juramentos que
afianzarán nuestra unión; es en fin, querida mía, la bella la imponente Leonor
de antes, figurada por la misteriosa influencia del amor.
Conclusão
Embora há um
antagonismo entre concepções representadas pelas diferenças de gênero, toda a
possibilidade da realização amorosa está assentada na questão econômica. Mesmo
quando Leonor ou Matilde negam sua importância, a reificação está presente e é
central, ainda que de modo pressuposto. O dinheiro é nexo da trama articulando
todas as contradições até uma conciliação positiva. No romance Martín Rivas,
somente dentro de uma esfera bem definida – a classe dominante – há vencedores.
Bibliografia
BLEST
GANA, A., “Martín Rivas” (extraído da internet).
CASTELO
BRANCO, C., “Amor de perdição”, São Paulo: Martin Claret, 2006.
GIRARD,
R., “Mentira romântica & verdade romântica”, São Paulo: Realizações, 2009.
LUCÁCS,
G., “Ensaios sobre literatura”, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964.
SCHWARZ,
R. “Ao vencedor as batatas: forma literária e processo social nos inícios do
romance brasileiro”, São Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2007.
Trabalho
para aula de "Romance hispânico-americano", Letras - USP
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