por Jean Pires de Azevedo Gonçalves
Mapa de Angelino Dardolo ou Dulcert: Ilha Brasil dentro do círculo vermelho |
Você sabia que antes de o Brasil ser “descoberto”, isto é, invadido, ocupado e forjado a ferro e fogo pelos europeus, uma Ilha Brasil já era representada no oceano Atlântico pela cartografia desde os anos de 1325?
Veja:
Reconstituição da carta de Paolo Toscanelli, de 1474. |
Mapa catalão de 1480. |
Mapa de Abraham Ortelius, de 1572. |
A origem da Ilha Brasil está associada a outras ilhas míticas, como Atlântida, Thule, ilhas Afortunadas, Antillia, São Brandão, Sete Cidades, Ilhas Azuis, da Terra dos Bacalhaus, e muitas outras.
Se
este tema lhe traz algum interesse para continuar a leitura, então se prepare
para uma jornada aos confins da terra, à deriva, por mares até então
insondáveis, o umbral intransponível, região nunca explorada das etéreas
eternas utopias. O embarque tem como destino o solo quimérico dos náufragos,
bem distante do ancoradouro das certezas, no imenso azul enigmático oceano, sem
fim: uma ilha perdida.
E
para lá navegam os Argonautas, em busca da felicidade...
Lugares
fantásticos, como a Ilha Brasil, povoam o imaginário da humanidade desde os
tempos primevos e, provavelmente, têm origem na construção idealizada de uma
terra supostamente real e distante onde a vida mundana seria transfigurada em
realidade transcendente redentora.
O
Dilmun, jardim dos deuses sumérios, localizado a sudeste da Pérsia, que influenciou
o Paraíso israelita, ou a Terra Prometida, que “mana leite e mel”, tal como as
Ilhas Afortunadas, descrita, entre outros, pelos poetas Homero e Hesíodo, onde
“a terra generosa em grãos oferece frutos doces como o mel que florescem três
vezes por ano”, bem como a Idade do Ouro ou os Campos Elíseos, da mitologia
grega, as ilhas da Odisseia, até chegar à Utopia de Thomas Morus, à Cidade do
Sol, de Campanella, e, enfim, à sociedade comunista do socialismo científico.
São exemplos conhecidos que encontram correspondentes em todas as culturas e
representam um desejo profundo dos seres humanos em sua busca infatigável pela
felicidade.
“Mas
quando a terra encobriu também essa raça,
de
novo ainda outra, a quarta sobre a terra que muitos nutre,
Zeus
filho de Crono fez, mais justa e valorosa,
a
raça divina dos homens heróis, que são chamados
semideuses,
a geração anterior à nossa na terra imensurável. (160)
Esses,
destruíram-nos a guerra má e o combate medonho,
uns
sob as muralhas de Tebas de sete portas, terra de Cadmo,
quando
lutavam pelos rebanhos de Édipo;
outros,
levando-os em naus sobre o grande abismo do mar,
para
Troia, por causa de Helena de coma adorável. (165)
Lá
o termo da morte envolveu, sim, alguns deles;
a
outros, conferindo-lhes vida e moradia à parte dos humanos,
Zeus
pai, filho de Crono, estabeleceu-os nos limites da terra. (168)
E
eles, o coração sem cuidados, habitam (170)
as
ilhas dos bem-aventurados [Nesoi Makarôn], junto ao Oceano
de fundos redemoinhos,
afortunados
heróis, para quem um fruto doce como o mel,
que
floresce três vezes ao ano, a terra fecunda traz”.
(HESÍODO,
Trabalhos e os Dias, por volta de 700 a.C.).
Gerardo Mercartor, de 1595. |
Ilhas Afortunadas, Pomponius Mela, 1 a.C |
Para os antigos, que, evidentemente, não conheciam a internet nem o satélite, o mar, de perder de vista, desaguava em um amedrontador abismo sem fim, mas, ao mesmo tempo, inspirava esperança. Para onde levam as marés? Como uma garrafa à deriva, o pensamento exilado, errante, em fuga permanente da vida recrudescida nas mazelas de um cotidiano aniquilador de sonhos reais, flutua sem destino em buscas de utopias...
Mas
no mundo urbano e tecno-científico-informacional, toda a superfície da Terra
foi esquadrinhada, explorada, desvelada, devassada, pormenorizadamente. Não
restou mais espaço para misteriosos lugares telúricos. Não mais.
A
era da razão, porém, não cumpriu a promessa de realizar a eterna felicidade. Ao
contrário, o desencantamento do mundo na modernidade e a devastação predatória
dos recursos naturais provocada pela era industrial conduziram a humanidade a
um beco sem saída. Só as estrelas ainda inspiram enigmas e sonhos
inexplorados... [Leia o eBook A saga de um andarilho pelas estrelas, uma utopia
pós-moderna].
Supertelescópios
vasculham os rincões infinitos atrás de cada astro cintilante, à procura
incansável de algum sinal de vida, de um planeta em condições habitáveis ou,
quem sabe, de uma civilização amiga detentora da paz e da justiça.
Para
os gregos e romanos do período clássico, entretanto, para além do mar
mediterrâneo, encerrado por uma cadeia de montanhas, situava-se o limite do
mundo real e o limiar do sobrenatural. Segundo a tradição mitológica
greco-romana, em “Os doze trabalhos de Hércules”, Héracles, para cumprir suas
tarefas penitentes, abriu com sua espada de bronze uma passagem entre as
montanhas fronteiriças dos dois mundos. Do outro lado, seguiria em direção ao
fim do mundo para então roubar o gado do gigante Gerião, que habitava uma das
ilhas das Hespérides, rodeada por correntes perigosas, a “Ilha Vermelha” [Nêsos
Erytheia].
Em
seu penúltimo trabalho, o herói deve colher maçãs de ouro que são vigiadas, a
mando da deusa Hera, por uma serpente de cem cabeças, em um jardim localizado
nos confins da terra, no extremo Ocidente, o Jardim das Hespérides. A caminho,
Hércules encontra o titã Atlas, condenado por Zeus a carregar a Terra e os céus
sobre os ombros. Então, ambos firmam um trato: enquanto Héracles segura a
Terra, o titã colhe as maçãs em seu lugar. Assim feito e diante da recusa de
Atlas em cumprir o acordo, Héracles tem de ser astuto (pholukerdéa) e por meio
de uma artimanha consegue as maçãs devolvendo o pesado fardo ao titã condenado.
Todavia,
na Antiguidade Clássica, não apenas a poesia constituiu suas teodiceias, a
filosofia também.
No
diálogo Timeu-Crítias, Platão faz uma descrição pormenorizada de Atlântida,
ilha que teria afundado após a derrota dos atlantes diante de Atenas. A civilização
de Atlântida é descrita em detalhes pelo filósofo como um Estado ideal e foi o
protótipo de sua célebre República.
“Em
tempos, este mar podia ser atravessado, pois havia uma ilha junto ao estreito a
que vós chamais Colunas de Héracles – como vós dizeis; ilha essa que era maior
do que a Líbia e a Ásia juntas, a partir da qual havia um acesso para os homens
daquele tempo irem às outras ilhas, e destas ilhas iam diretamente para todo o
território continental que se encontrava diante delas e rodeava o verdadeiro
oceano. (...) Foi o próprio Posídon que organizou o centro da ilha (...). A
todos eles atribuiu nomes: ao mais velho – o rei –, deu-lhe o nome do qual toda
a ilha e também o mar, chamado Atlântico, receberam uma designação derivada – o
primeiro que reinou tinha então o nome Atlas. (...) A ilha produzia tudo em
abundância, e, no que respeita aos animais, alimentava convenientemente os
domesticados e os selvagens, incluindo a raça dos elefantes que nela existia em
grande número” (PLATÃO, Timeu-Crítias, V a.C.).
Ultrapassar
as Colunas de Hércules (hoje, Estreito de Gibraltar), era, para os antigos, um
feito igualável à viagem à Lua.
É
provável que náufragos e aventureiros retornassem de suas viagens repletos de
histórias para contar, como ilhas mágicas que se afastavam no vasto oceano
quando se tentava aproximar.
Os
fenícios, seguidos por seus descendentes cartagineses, certamente foram os
pioneiros a cruzar a estreita passagem entre o mar Mediterrâneo e o oceano
Atlântico. Teriam estabelecido relações comerciais com produtores de estanho na
Galícia e na Britânia, a ilha dos povos celtas conhecidos por bretões.
Por
volta do ano 350 a.C., o mercador grego Pítias desbravou aquelas paragens até
então insólitas. Seguindo a rota do estanho pela Gália, circundou a costa
noroeste da Europa, rumo ao norte. Na obra “Sobre o Oceano”, o explorador
relata em detalhes a geografia local, mencionando, inclusive, a aurora boreal,
ilhas vulcânicas e uma terra “onde o sol nunca se põe”, identificada por ele
como a mítica Thule (pesquisadores modernos acreditam ser a Islândia). Na
mitologia grega, Thule era a capital da nação dos hiperbóreos, povo semidivino
que vivia em plena felicidade, paz e prosperidade.
Olaus Magnus, 1539. |
Muitos anos depois, na virada da era cristã, na Mauritânia, terra onde se localiza o monte Atlas, o rei da Cesareia, região da atual Argélia, Juba II, homem educado entre os romanos, famoso por sua extensa erudição, organizou expedições no Atlântico atraído pelas lendárias Ilhas Afortunadas. Nas Ilhas Púrpuras (Marrocos ocidental?), Juba II restabeleceu o antigo comércio de tintura de tecidos praticado pelos fenícios e cartagineses: um corante de cor azul. Mas em sua Naturalis Historia, Plínio, o Velho, refere-se às Insulae Purpurariae, provavelmente, o Arquipélago da Madeira, ao mencionar um corante, que, supõe-se, seria extraída da planta dragoeiro (Dracaena draco) – o sangue do dragão –, liquens ou moluscos, matéria-prima da púrpura getúlica, muito apreciada entre os romanos.
“Plínio
fala de várias ilhas, denominadas Insulae Purpurariae, cujos habitantes eram
famosos pelo corante da cor chamada púrpura getúlica que auferia grandes lucros
ao rei Juba, o primeiro a descobrir tais ilhas. O padre Arduino, tendo
verificado que Plínio colocava estas ilhas entre o Estreito (de Gibraltar) e as
Ilhas Afortunadas, é da opinião de que essas ilhas são as que hoje chamamos
Porto Santo e Madeira” (FERRARIO, Giulio, “Il costume antico e moderno”, per
Alessandro Fontana: Torino, 1830, p. 444).
No
início da Idade Média, o santo irlandês, São Brandão, o Navegador (século VI
a.C.), também atravessou a soleira dos limites intransponíveis da cartografia
fantástica. São Brandão se notabilizou como grande missionário, mas ainda mais
por suas enigmáticas expedições marítimas que teriam, inclusive, alcançado o
Paraíso ou a Terra Prometida – Terra Repromissionis:
São Brandão |
“As lendas em torno de suas maravilhosas viagem pelo mar, comumente chamadas por ‘Terra da Felicidade’, ‘Terra Prometida dos Santos’ e ‘Ilha Abençoada’, podem ter sido originadas ainda durante sua vida. Elas foram muito disseminadas no século IX e recorrentemente descritas nos séculos X e XI. Embora permaneça em volta de mistério, a história é baseada, sem dúvida, em uma viagem real pelo mar. Brandão disse ter navegado, em companhia de cerca de sessenta monges, em busca de um tipo de Paraíso. De acordo com Navigatio Sancti Brendani, escrito por um monge irlandês anônimo do século X, São Brandão finalmente chegou a Terra repromissionis, descrita Poe ele como uma terra belíssima, de vegetação luxuriante. No caminho, disse ter vivido inúmeras aventuras: uma baleia levantou o navio em seu dorso; São Brandão viu milhares de aves maravilhosas; cristais voavam sobre os céus(*); chamas o atingiram (**); rochas exalavam um cheiro putrefato ao longo de uma grande ilha, etc.” (BRUHN, Siglind, Saints in the Limelight: Representations of the Religious Quest on the Post-1945 Operatic Stage, New York: Pendragon Press, 2003, p. 267).
(*) Icebergs (Nota minha).
(**) Vulcões (Nota minha)
O misterioso Paraíso ficou
conhecido por Ilha de São Brandão, Ilhas Afortunadas, ou ilhas brendanianas. A
viagem do santo irlandês fomentou ainda mais os relatos sobre ilhas de
localização incerta no oceano Atlântico.
Ora, navegar no oceano
Atlântico por estas épocas era como tatear cegamente sob uma noite sem luar à
procura do caminho de casa. A vista (ou a descoberta) de uma ilha poderia ser
equiparada à visão de um oásis em um deserto escaldante. Ao contrário do mar
Mediterrâneo, pouco se sabia sobre o Atlântico. Devido a técnicas rudimentares,
para os padrões modernos – não se conhecia bastante bem a bússola nem havia
sido inventado o astrolábio –, os marinheiros se orientavam pelas estrelas, o
Sol, a direção dos ventos, a posição de correntes marítimas etc. Pedaços de
tronco, aves ou nuvens podiam indicar a presença de terra, muitas vezes
salvadora. Foram muitos os que se perderam...
muitos os que não voltaram...
“Em 1291, os cruzados
perderam Acre, o último bastião cristão na Terra Santa. Nesse mesmo ano,
coincidentemente, dois irmãos genoveses, Vadino e Ugolino Vivaldi, navegaram
além do Gibraltar e entraram no Atlântico com o propósito de circundar a
África. Nunca mais foram vistos, o que não era de surpreender...
...Os Vivaldi podem não ter
morrido no mar ou na costa da África. Mesmo em sua imprópria embarcação, podem
ter alcançado as Canárias, a Madeira ou os Açores, ilhas todas a uma semana ou
menos de Gibraltar, desde que com ventos favoráveis” (CROSBY, Alfred W.,
“Imperialismo ecológico: a expansão biológica da Europa 900-1900, São Paulo:
Companhia das Letras, 2011, p. 82).
Aventurar-se além da linha
do horizonte era demasiado perigoso; era como adentrar em um mundo incógnito,
possivelmente habitado por monstros terríveis, mas pleno de maravilhas, às
quais a imaginação extrapolava e encontrava farto material nas historias dos
viajantes.
Apesar do encantamento do
oceano profundo e de seus inúmeros perigos reais, o espírito humano teimava em
desafiá-lo. Desafiava-se, não só a natureza, também o sobrenatural. Atravessar
o portal entre a realidade e os mares fascinantes era garantia certa de grandes
recompensas.
O comércio de artigos
luxuosos durante esta época foi realmente muito lucrativo e interligava
mercados que iam das repúblicas italianas, as quais monopolizavam o comércio
com o Oriente, até o Mar o Báltico, controlado pela Liga Hanseática, passando
por escalas como Barcelona, Portugal e Bruges. Mesmo assim os barcos não se
afastavam muito da costa; praticava-se, portanto, a navegação de cabotagem,
interligada por portos litorâneos.
“Até o começo do século XIV,
a navegação das cidades italianas arriscava-se somente em casos excepcionais a
cruzar o estreito de Gibraltar. Porém, Veneza e Gênova organizaram, por volta
de 1314, frotas destinadas à Flandres e à Inglaterra. Quanto aos barcos da
Hansa, que desde o século XII vieram substituir, nas águas setentrionais, a
antiga navegação dos escandinavos, não desciam além do golfo da Gasconha, em
direção ao Sul, onde se abasteciam de sal, na baia de Bourgneuf, e de vinho, em
La Rochelle” (PIRENNE, Henri, “História econômica e social da Idade Média”, São
Paulo: Mestre Jou, 1982, p. 95).
Entretanto, o comércio
desempenhava uma função residual no feudalismo. A cartografia, por exemplo, não
estava a serviço dos interesses comerciais, não se preocupava em descrever
fielmente a geografia, para tornar as rotas de navegações mais seguras. Os
mapas reportavam-se à cosmovisão da estática sociedade feudal. Por isso, o
mapa-múndi medieval tinha um cunho político e religioso, não instrumental, e
exercia a função de entretenimento das cortes nobilitárias. Estes mapas
temáticos ilustravam eventos, cidades e reinos descritos em passagens bíblicas,
além de situarem o local do Paraíso, e podem estar na gênese das lendas sobre a
viagem de São Brandão.
Mapa-múndi de Esbstorf (1236) de Gervais de Tilbury, feito para patrocinar as cruzadas. Tem 3,5 m de diâmetro.
|
O
renascimento urbano, fomentado pelo incremento paulatino do comércio e, por
conseguinte, do surgimento de uma burguesia, ainda muito incipiente, estremeceu
as bases estruturais da ordem feudal. Acompanhando as mudanças, o movimento
cultural em franca oposição ao ideário teocrático, denominado pelos
historiadores modernos de Renascença, foi beber no rico manancial dos autores
clássicos greco-romanos (em grande parte, traduzidos e transmitidos pelos
árabes). Além disso, o desenvolvimento do comércio implicava também um avanço
técnico sem precedentes. Neste contexto, as cartas portulanos, inventadas na
Itália do final do século XIII, ao contrário do mapa-múndi medieval, eram
bastante fieis à realidade geográfica e tinham utilidade prática para a
navegação, com suas linhas direcionais e acidentes geográficos demarcados e
nomeados. Mas, se o mar Mediterrâneo era bem conhecido e bem representado pelas
cartas portulanos, o oceano Atlântico, ao contrário, continuava ainda um espaço
das incertezas.
“As
cartas portulanos foram a representação gráfica dos itinerários descritos em
livros chamados portulanos e foram desenhadas com vista à prática da navegação
no Mediterrâneo. Atingiram uma notável perfeição, bem adequada aos métodos de
navegação da época. Quando porém saiam das Colunas de Hércules para o
Atlântico, a imprecisão de tais cartas torna-se evidente” (LOURENÇO, C. R.,
“Apontamentos sobre a navegação e a cartografia dos Descobrimentos Marítimos”,
Coimbra: Bibl. Univ. Coimbra, 1994, p. 167).
Os
ecos do passado sobre ilhas fantásticas, remontando a Antiguidade e a lendas
medievais, se não foram determinantes nesse processo de transformação
histórica, acabaram, por sua vez, por alimentar projetos de navegação marítima
no sentido de ultrapassar os limites do mundo conhecido. Foram certamente
precursores das rotas comerciais que, desde a tomada de Constantinopla pelos
turcos otomanos, abririam caminho ao Oriente via Ocidente e, por fim,
resultaram nos “grandes descobrimentos”. De fato, muitas ilhas foram
descobertas por acaso e depois nunca mais encontradas. Os inúmeros retalos,
entretanto, suscitavam a certeza de que havia algo além dos limites do oceano
visível.
No
caso da lenda da Ilha Brasil, muito difundida, hoje, na internet, esta ilha
estaria sempre encoberta por uma névoa ou aparecia a cada sete anos. O que
inspira esta “lenda internética” (em analogia à “lenda urbana”) é o fato da
Ilha Brasil aparecer representada “misteriosamente” em cartas náuticas, desde o
início do século XIV até o século XVIII.
“Desde
há séculos, as Afortunadas, as Hespérides, as Gorgonhas, e mais tarde, numa
nova mitologia, as ilhas de S. Brandão, figuravam sobre os mapa-múndi, mas as
primeiras cartas portulanos não as representavam. Em geral essas cartas
reservavam pouco espaço ao Atlântico que, vazio de terras, não tinham interesse
para os navegadores-comerciantes do Mediterrâneo. (...) Parece ser a carta de
Angelino Dardolo, 1325 (*), a primeira a incluir a ilha hoje não reconhecida, a
“Insula de Motorius, sive de Brazil” (**), ao largo da Irlanda. Angelino
Dulcert, 1339, repetiu a ilha, se é que os dois Angelinos não são a mesma
pessoa. Assim fizeram um bom número de cartógrafos, pondo a ilha a viajar um
pouco a todo Atlântico Norte. (...) A partir daí, a multiplicação de ilhas
fantásticas foi uma constante da cartografia, até tempos assaz recentes”
(Lourenço, op. cit., pp. 168 e 169).
(*)
Em uma de nossas referências bibliográficas, a carta foi datada de 1330:
FREITAG, Barbara, em “Hy Brasil: The Metamorphosis of an Island: From
Cartographic Error to Celtic Elysium” Amsterdam – New York: Rodopi, 2013.
(**)
“Insula de moutonis sive de brazile”, Dulcert/Dardolo; Florence, Prince Corsini
Collection. Variações: Insula de Montonis sive de brasile (Babc.); Insula de
montoniis sive de brazill (Westr. I, 241); Insula de moutonis sive de brasile
(Westr. I, Plate XX); Insula de moutoniis sive de brazill (Westr. II, 415);
Insule de montonis sive de brazile (Hennig, 1956, IV, 325); Insula de moturius
siue de brazile (Cortesão, 1953, Table II)” (Barbara Freitag, op. cit. p. 267).
Embora seja frequente em sites da internet a menção da grafia “Bracile” para
este mapa, ao que tudo indica, tal referência parece equivocada.
Porém,
sua origem pode ser bem mais trivial do que os devaneios da imaginação humana,
ávida pelo extraordinário. Pois, conforme aponta ainda Lourenço, a demanda do
produto induzia a criar toponímicos nas áreas de sua exploração:
“O
professor Luis de Albuquerque citando Marco Polo informa que a palavra brasil
aparece pela primeira vez na Idade Média, no livro do Genovês (*). Nessa
citação tratava-se de grãos que davam um corante vivo. O mesmo brasil, mas sob
a forma de madeira, era procurado nas canárias e aparece mencionado na carta de
Bocaccio sobre a expedição de 1341. Parece que era necessário haver uma ilha de
brasil, tal como uma ilha da canela e uma ilha das especiarias” (p. 171).
(*)
Sua ocorrência como brasile encontra-se em Liber iurium, no documento Historiae
patriae, de Gênova, datado de 1140; e a primeira ocorrência de sua variante com
z, isto é, brazile, sete anos depois, também de cariz genovês, conforme
encontrado no Codex diplomaticus” (Barbara Freitag, op. cit., p. 13). Nos anos
de 1193, a expressão “grana de brasil” é arrolada entre mercadorias em um
acordo comercial entre o Duque de Ferrara e Módena.
A
carta de Angelino Dulcert, de 1339, parece confirmar a afirmação de Lourenço,
pois a ilha (ou o arquipélago) é grafado como Insula de braxil (*), e
provavelmente designava as Ilhas das Canárias, redescoberta pelos portugueses
em 1336, sob o comando do navegador italiano Lancelotto Malocello.
(*) Ampliei a carta e me parece evidente que está grafado com "x": "Insula de braxil"
|
A
carta anterior de Angelino Dardolo [Dulcert?] de 1325 [1330?] pode se reportar
ainda à primeira viagem às Canárias, realizada pelo mesmo Malocello, vinte
quatro anos antes, ou seja, nos anos de 1312. Nesta data, sob o pretexto de
resgatar os irmãos Vivaldi, o comandante italiano desembarcou nas Canárias,
onde construiu um forte, sendo expulso depois, em 1332, pelos nativos.
O
fato de a Ilha Brasil estar situada nas cartas de Angelino ao largo da costa
sudoeste da Irlanda tem intrigado muita gente. É provável que diante das
informações cruzadas, de fontes diversas, que iam desde os textos clássicos à
viagem de São Brandão e às navegações comerciais da época, inclusive, a
expedição de Malocello, Angelino tenha identificado a Ilha de São Brandão às Canárias.
Provavelmente, a exploração de um corante já teria sido iniciada logo à chegada
do italiano ao arquipélago, e daí o nome Ilha do Brasil.
Ressalta-se
ainda, como aventado anteriormente, que as primeiras cartas portulanos, ao
contrário dos mapas medievais, restringiam-se ao mínimo de informações
desnecessárias ou teológicas e primavam pela exatidão, embora fossem muito
difusas quanto ao oceano Atlântico. O fato de a ilha aparecer em outros mapas,
também não deve causar estranheza, haja vista que os cartógrafos da época
costumavam copiar informações de cartas antigas acrescentando-se novas.
O
cartógrafo Mediceo Laurenziano, por exemplo, em sua carta de 1351, associou a
Ilha Brasil ao arquipélago dos Açores – (re)descoberto pelos portugueses entre
1340 e 1345 – designando a ilha Terceira de
“insule de Brazil”.
Atualmente,
o conjunto de ilhas atlânticas formado pelas Canárias, Açores e Madeira recebe
o nome sugestivo de Macaronésia, referência explícita às ilhas Afortunadas
(Nesoi Makarôn).
Se
você chegou até aqui, a essa altura deve estar tomado de um sentimento de
inquietação e se perguntando se o nome do país Brasil tem alguma coisa a ver
com a Ilha Brasil.
Ora,
não é incomum lugares fictícios ou lendários, que muitas vezes foram
cartografados em mapas imaginários, nomearem regiões, ilhas ou mesmo países,
como é o caso da Austrália que, evidentemente, é uma alusão a Terra Australis.
Então,
sim, é possível.
À
medida que o Atlântico ia se tornando conhecido, os mapas iam ficando cada vez
mais precisos. Porém, como já mencionado anteriormente, os cartógrafos
continuavam a reproduzir os erros de mapas antigos em suas cartas. Estas cartas
iam sendo transmitidas e conhecidas até o ponto que, se uma ilha existia no
mapa, logo deveria existir também no oceano, isto é, na realidade. Talvez,
seria o caso da Ilha Brasil.
O
Auto da Fama, de 1510 [1516?], obra em tom ufanista do dramaturgo português Gil
Vicente, demonstra como a Ilha Brasil e a “terra do Brasil” poderiam estar
relacionadas, na alvorada da modernidade.
(...)
Com
ilhas mil
deixai
a terra do Brazil
tende-vos
à mão do sol
E
vereis homens de prol
gente
esforçada e baronil.
(...)
Na
“Farsa dos Almocreves” (1527), Brasil parece indicar a colônia americana:
(...)
Quando
fordes namorado,
Vireis
a ser mais profundo,
Mais
discreto e mais sutil,
Porque
o mundo namorado,
He
lá, senhor, outro mundo,
Que
está além do Brasil.
O
meu mundo verdadeiro!
(...)
(GIL
VICENTE, Obras, Tomo III, Hamburgo, Langhoff, 1834).
Há
ainda uma controvérsia, referida por Afrânio Peixoto, em História do Brasil, na
qual não vamos tocar aqui, acerca do uso do termo “Brasil” para nomear a
colônia americana remontando aos anos de 1504, em documentos oficiais mal
traduzidos. Sobre isso, citaremos apenas a conclusão do próprio Afrânio
Peixoto:
“Certa
é a carta de Afonso de Albuquerque, de 1 de Abril de 1512, da Índia, a el-Rei
D. Manuel, “a qual (carta de um piloto) tinha ho cabo de Bôoa Esperança,
Portugal e a terra do Brasyll...” (Alguns documentos... do Tombo, cit., p.
261). Por certo é também de 1512 o mapa de Jerônimo Marini — Orbis Typus
Universalis Tabula Hieronimi Marini fecit Venetia MDXII” (PEIXOTO, A. “História
do Brasil, Cia. Editora Nacional, 1944 [versão digital – 2008], p.40).
Portanto,
oficialmente, o nome do país é atribuído ao pau-brasil, do italiano verzino, e
daí “terra do (pau) brasil” e não à Ilha Brasil.
“(...)
por artes diabólicas se mudava o nome de Santa Cruz, tão pio e devoto, para o
de um pau de tingir panos" (Joannes de Barros, "Década primeira
[-terceira] da Asia: Dos feitos que os portugueses fezerão no descobrimento
& conquista dos mares & terras do Oriente” [data da primeira edição
1552], Lisboa: impressa per Jorge Rodriguez: aa custa de Antonio Gonçalvez
mercador de livros, 1628).
“O
Modo é este: vão-nos buscar doze, quinze e ainda mais vinte léguas distante da
Capitania de Pernambuco, onde há o maior concurso dele, porque se não pode
achar mais de perto pelo muito que é buscado, e ali entre grandes matas o
acham, o qual tem uma folha miúda e alguns espinhos pelo tronco, e estes homens
ocupados neste exercício levam consigo para a feitura do pau muitos escravos de
Guiné e da terra, que, a golpes de machado, derrubam a árvore, à qual, depois
de estar no chão, lhe tiram todo o branco, porque no âmago dele está o brasil;
e por este modo uma árvore de muita grossura vem a dar o pau que a não tem
maior de uma perna, o qual, depois de limpo, se ajunta em rumas, donde o vão
acarretando em carros por pousas, até o porem nos passos para que os batéis e
possam vir a tomar (Ambrósio Fernandes Brandão, “Diálogos das Grandezas do
Brasil”, ABL (1930), provavelmente escrito entre 1590 e 1618).
Pelo
texto acima dá para se ter uma ideia da importância econômica do pau-brasil e
da devastação que isso resultou. Não é de se admirar, portanto, que os
franceses, desde o início da invasão europeia no novo continente, sempre
cobiçaram a matéria-prima da tintura e que, sob os nomes oficiais de França
Antártica (1555-1567) ou França Equinocial (1612-1615), chamavam, mesmo antes dos
portugueses, de brésil as terras nativas do “pernambuco” (Paubrasilia
echinata), isto é, o pau-brasil.
“O
nome Brasil vem de longe. Disse Humboldt, vem de Samatra, e levou quatro mil
anos para nos chegar... É o nome de uma madeira tintorial, a Cesalpina
ecchinata, especiaria trazida do Oriente à Europa, nome variamente escrito —
braxile, bresillum, brisilium, bersi, verzi, verzino, como recentemente, há
cinco séculos, o chamavam os Venezianos. Já dele falam o geógrafo árabe Abuzeid
El Hacen (IX século), Endrisi e Chrestien de Troyes no século XII: este escreve
mesmo Braisil, que dá, em francês, a pronúncia do nome atual nesse idioma.
Teria vindo à Europa depois dos primeiros Cruzados, por volta de 1140.
Tirava-se, do toro, a casca e o líber, e apenas o cerne vermelho servia para
tingir panos e fazer tinta, para iluminar manuscritos, dando tons róseos às
miniaturas. A madeira, dura e corada, também aproveitava à marcenaria”
(Peixoto, op. cit. p. 41).
Assim
sendo, a palavra “brasil” designava um corante de procedência bastante variado,
que poderia abranger desde grãos à madeira.
Segundo
o etimólogo José Pedro Machado: “O voc. em português se documenta, pelo menos,
em 1377: ‘Jtem de Sene E de çofeína E de brasil que trouuerem ou leuarem também
vezjnhos pagam dizjma…’, em Descobrimentos Portugueses, I, p. 53. Denomina
produto que não oriundo do solo português, nem mesmo do hispânico, o pau
deve-nos ter vindo por intermediários negociantes italianos, intermediários,
durante os últimos séculos da Idade Média, entre a Europa oriental e a Ásia. O
substantivo brasil esta no italiano brasile, de que se ocupa D. E. T. cujo
texto transcrevo: brasile: ‘(sec. XII, Itália); tipo de madeira vermelha
oriental para tinturas; cfr. fr. brésil (XII séc.), prov. brezil, espagn.
brasil; lat. medioev. grana de brasil (a. 1193, Italia sett.), de kerka brisilli
(a. 1163;. Kerka = quercia - carvalho), braxile (a. 1264, Bologna), etc.; sic.:
birczi, verczi, virzi (séc. XVI, Scobar), pela wars, uma planta amarela
semelhante ao gergelim, nativa do Iêmen, com a qual se prepara a água usada
contra verrugas (inchaços) e uma substância corante ... Diretamente do árabe
pode derivar a voz calabr. virz´idda, biz´ z´idda cocciuola, pequeno inchaço,
virz'ilu orzaiuolo, etc., formas que exigem hum adj. ar. warsi...’ A origem
última do étimo é o vocábulo árabe wars, que designa certa planta utilizada em
tinturaria para dar o tom amarelo-avermelhado e em medicina como linimento para
inchaços, cujo nome científico é Memecylon tinctorium. Era bem conhecida de
Maomé, que proibiu seu uso, bem como o do açafrão, no tingimento das roupas dos
peregrinos que se dirigiam a Meca, que deveriam ser sóbrias e modestas. Ao lado
dos verbos warrasa (“tingir um tecido com aquela planta”) e awrasa (“produzir
[um solo] em abundância a mesma planta; cobrir-se de folhas [uma árvore];
tornar-se amarelo”), existe o adjetivo warssii, “amarelo-avermelhado”. Por
analogia, os árabes aplicaram o mesmo nome ao pau-brasil-da-índia, que
proporcionava uma tonalidade semelhante” (MACHADO, J. P., “Dicionário
Etimológico da Língua Portuguesa”, (1952), verbete “Brasil”).
Entretanto,
a origem obscura do nome “brasil” não escapou às observações de Afrânio
Peixoto. E aí a Ilha Brasil volta a aparecer:
“A
geografia apoderar-se-ia do nome, e terras do Brasil houve, antes da nossa:
Krestchmer encontrou em mapas medievais as seguintes variantes: Brazi, Bracier,
Brasil, Brasiel, Brazil, Brazile, Braziele, Braziel, Bracil, Braçil, Braçill,
Bersill, Braxil, Braxili, Braxiel, Braxyili, Brisilge... É uma ou mais ilhas do
Ocidente, no grupo dos Açores, ou na altura da Bretanha, ou não longe da
Irlanda. Ainda hoje há uma pedra Brazil Rock, na Irlanda, e um monte Brasil,
junto à cidade de Angra, na Ilha Terceira, dos Açores. Num mapa de 1351 já
aparece esta “ínsula do Brazil”, nesse Açores. Em 1480 partiram de Bristol navios
à procura da Ilha Brasil. Em 1497 Ayala, legado de Espanha junto à Corte de
Inglaterra, dizia que de sete anos àquela parte partiam de Bristol, anualmente,
navios à mesma pesquisa. Lá está, no mapa de Toscanelli, (1474) ao norte e
oriente, a ilha Brasil... Até 1875 o Almirantado inglês manteve nas suas cartas
essa ‘Brasil Rock’.
“Diz
a erudição que os Árabes chamavam ao pau bakkam, que traduziram em latim
brasilium, procurando a analogia da raiz semítica bakkham (ardente) com a
ariana bradsch, em português brasa, italiano brace, francês braise. Como se deu
tal nome à geografia, é controvertido: Brasil, indicaria fenômenos vulcânicos
notados no arquipélago açoreano; ou aí se teria encontrado senão o verdadeiro
brasil, pelo menos algum sucedâneo, talvez a urzela. Contudo Capistrano de
Abreu, reparando que nas formas gráficas e geográficas de Kretschmer não se
vêem formas congêneres do verzi ou verzino, diz poder-se concluir que o Brasil,
ilha ocidental, nada tem com o produto oriental. Conclui que natural é proceda
o nome do celta, e há quem o decomponha braza, grande, i: em todo o caso
Brasil, ilha, aparece sempre no Atlântico e sempre a W de terras primitivamente
habitadas por Celtas. Os índios chamavam à planta arabutan ou ibirapitanga”
(Peixoto, op. cit., p.43).
Na
contramão da história oficial, muitos pesquisadores acreditam que o nome não só
teria relação com a Ilha Brasil, como também à mitologia irlandesa; não apenas
porque nas cartas a ilha estava próxima à costa da Irlanda, mas porque o nome
“brasil” e variações é muito comum no léxico da língua irlandesa. É o caso de
Capistrano de Abreu, historiador muito criticado pelo sociólogo Gilberto
Freyre, por atribuir à formação social do Brasil uma origem ariana, em
detrimento das importantes influências semíticas (judeus, cristãos-novos,
marranos e mouros), africanas (diversas etnias) e ameríndias (idem).
Entre
as pesquisas recentes neste sentido, descartando, porém, o aspecto etnológico
de viés racista, encontra-se o livro de Geraldo Cantarino (leitura obrigatória
para quem se interessa pelo tema).
Em
uma das passagens mais notáveis de seu livro “Uma Ilha Chamada Brasil: o
Paraíso Irlandês no Passado Brasileiro”, Cantarino narra um acontecimento
pessoal bastante singular, embora surpreendente, durante uma estadia na
Irlanda, quando consultou, a título de curiosidade, uma lista telefônica:
“Mitchell
[Angus, Introdução de Irish origins of Brazil, de Roger Casement] segue
informando que a palavra Brazil como sobrenome é muito comum tanto na Irlanda
como em Portugal, além de dar nome a ruas e lugarejos. Aproveitei que estava na
Irlanda, resolvi consultar a lista telefônica e me surpreendi com o resultado.
Numa rápida olhada, encontrei os seguintes sobrenomes: Brassil Brassill,
Brazil, Brazill, Brazzill. Mitchel diz ainda que a palavra Brazil e suas muitas
variações podem ser encontradas, facilmente, em antigos manuscritos irlandeses.
Breasail, por exemplo, é o nome de um semideus pagão” (CANTARINO, Geraldo, “Uma
Ilha Chamada Brasil: o Paraiso Irlandes no Passado Brasileiro”, Ed. Mauad,
2004, p. 33).
Noutra
passagem bastante significativa, sobre anedotas históricas, lendas e mitologia
irlandesa, Geraldo Cantarino, apoiando-se em outros estudiosos, defende a ideia
de que a ilha Brasil seria uma versão celta da Atlântida platônica. Para
justificar esta tese, Cantarino enumera relações entre a palavra brasil e
personagens da cultura irlandesa, como um rei chamado Bresal; um missionário
cristão, Breasal; um feiticeiro druída, Bresil ou Bresal; e o santo Bressalius
de Durthach, ou Saint Bressal.
Em
seu artigo sobre como a ideologia constituiu uma imagem do país Brasil
concernente às utopias paradisíacas, a filósofa Imaculada Kangussu também toca
na questão do mito irlandês:
“O
nome ‘Brasil’ pode ter tido origem no gaélico Breasil (nome de um antigo deus
pagão), e, nessa língua, ambas as sílabas, Breas e ail, denotam forte
admiração. ‘Ambas possuem significados altamente laudatórios, de modo que
‘breas-si’l poderia ser traduzido como ‘soberbamente fino’ (superbly fine),
‘grandioso e maravilhoso’ (grand and wonderful) ou ‘o mais dos mais excelentes’
(the most of the greatest)’ (RAMSAY, R. H., “No Longer on the Map. Discovering
places that never were”, Nova York: Viking Press, 1986, p. 86). Breasil
tornou-se conhecido na forma mítica como Hi Brazil, O’Breasil ou alguma
variante de um dos dois. Ambos os prefixos – Hi e O – realçam o elemento
lendário, por serem formas da palavra gaélica que significa ‘ancestrais’”
(KANGUSSU, Imaculada, “O Brasil e as utopias”, Trama Interdisciplinar, São
Paulo, v. 5, n. 2, p. 22-37, ago. 2014).
Mas,
para essa hipótese ter um mínimo de razoabilidade, seria necessário encontrar
um fio condutor que ligasse Irlanda e Portugal. E esse fio condutor existe.
Para
seguirmos este fio de ponta a ponta, será necessário recuar a um tempo anterior
às Colunas de Hércules.
De
acordo com as pesquisas embasadas em farto material etno-arqueológico de Andrés
Pena Graña e Alfredo Erias Martínez, o riquíssimo universo mitológico grego
compôs-se, em um tempo difícil de precisar, de influências culturais estranhas
à cultura helênica, notadamente, o panteão céltico. Os pesquisadores atentam
para o fato de que, ainda na pré-história, povos de todas as partes da Europa e
além peregrinavam em direção ao Ocidente rumo a um santuário localizado no
extremo do continente europeu, um cabo ainda hoje chamado de Finisterra (na
Galícia, a 100 km de Santiago de Compostela). O mais longínquo pedaço de terra
do continente: o fim do mundo.
Este
caminho que, no medievo cristão tornou-se o Caminho de Santiago, coincidia com
o percurso, no qual, durante o dia, ia do nascer do Sol até o poente e, à
noite, seguia a estrada celeste de estrelas luminosas, chamada pelos romanos de
Via Láctea, conduzia ao fim do mundo – o Fisterra, na língua galega.
“A
grande atração da Galícia para os povos antigos da Europa e do Mediterrâneo não
se devia apenas à fama de seus metais (ouro, estanho...), que era muito
importante, mas a uma crença arraigada no mais fundo dos sentimentos da velha
Europa. A nossa Gallaecia (a forma Gallaike presente já no séc. V a. C., na
obra de Heródoto e um poeta médico do séc. IV a. C - López Férez - é muito mais
antiga do que a forma Kallaike) era o fim do mundo, o Finis Terrae, onde morria
o sol e onde a antiga Geografia Sagrada situava a porta do Paraíso. E as Águas
Santas das praias de nossos Finisterre atlânticos, chamadas ainda na Idade
Média ‘arenas Paradisi’, abrigavam as portas benditas onde embarcavam as almas
dos europeus no psicopompo Navio para a ilha maravilhosa dos Bem Aventurados”
(GRAÑA, A. P. & MARTÍNEZ, A. E., “O ancestral Camiño de perigrinación ó Fin
do Mundo: na procura do deus do alén,
Briareu/Berobreo/Breogán/Hércules/Santiago...”, Anuario Brigantino, 2006, no.
29, p.23).
Foi
esse o caminho trilhado por Hércules quando dos doze trabalhos, uma referência
às doze estações do ano. Mas, em tempos ainda mais remotos, as “Colunas de
Hércules” ainda não recebiam esse nome. Chamavam-se “Colunas de Briareu”,
correspondendo a uma divindade atlântica – Briareu – que foi incorporada à
mitologia grega sob a figura de um gigante de cem braços e cinquenta cabeças, o
guardião do tártaro. De fato, nas crenças antigas, os Campos Elísios
localizavam-se numa ilha do Atlântico ou no extremo ocidente e, na mitologia
céltica, Briareu era o barqueiro e o hospedeiro do Paraíso.
“Claramente,
o ancestral caminho de peregrinação aos Finisterre galaicos, ou seja, o fim do
Mundo, foi para os antigos, a viagem ao local onde morre o Sol e se embarca
para as Ilhas dos Bem-aventurados, a viagem depois do rastro solar que um dia
teriam de fazer suas almas. O Caminho de Briareo / Berobreo / Breogán /
Hércules ... do passado pagão não se perdeu no tempo e continuou no mundo
cristão com o Caminho de Santiago, um santo que, ligado à Via Láctea, cumpre
também as funções de um antigo deus solar” (Granã & Martínez, op. cit., p.
15).
Ainda
segundo Granã e Martínez, há evidências arqueológicas, linguísticas e
arqueológicas para ligar Briareu à outra divindade, Berobreu, sendo que ambos
estariam ainda na base da criação do lendário Breogão (ou Breogán).
Breogão
é um personagem mítico ou real compartilhado tanto por tradições galegas como
irlandesas. É irmão de Mile Espáine e aparece em um dos capítulos do Lebor
Gabála Érenn, o livro das invasões da Irlanda:
Reza
a lenda que o soldado Míle Espáine teria saído do Egito para conquistar a
Irlanda. Numa das batalhas foi morto na península ibérica. Então, Breógão
assumiu o trono e o reinado do povo Milesiano. Um de seus feitos foi o de
mandar construir uma torre – Torre de Breogão ou Torre de Hércules – na região
de Trás-os-Montes, na província de Bragança, Portugal. Do alto da torre, um de
seus filhos, Ith, avistou a verdejante costa da Irlanda, mas ao tentar
colonizá-la foi morto pelos habitantes da ilha, o povo semidivino Tuatha Dé
Danann. Seu irmão Mil partiu em vingança e, após vencer os Tuatha Dé Danann,
deu início à colonização céltica da Irlanda.
Alguns
sites na internet remetem Breogão ao mago druída Bresal. Em um site encontrei a
seguinte suposição etimológica:
“Etimologicamente,
Breasal vem do celta brestelo ou brusio ‘luta, batalha’ (Proto-Indoeuropeu
*bhreiH, ‘quebrar’) +*ual-os "chefe", de onde se derivaria
*Brisso-ualos, Bressual (arcaico) e Breasal "chefe dos guerreiros".
(Infelizmente não há registro da fonte).
Outros
inferem o radical “breas” de “bless” (abençoar) e daí Ilhas Abençoadas.
Com
relação aos nomes Breogão e Bresal, nada se pode concluir. No entanto, tal
correlação entre “breas” e “bless”, ao que tudo indica, não é correta. O mais
plausível é remeter o radical “brea” (céltico: forte, poder, força) ao irlandês
“bria”, do proto-britânico *brigonos (“alto, nobre”) – daí o nome Bryan. Tal
inferência vem de encontro ao artigo de Graña e Martínez, ao qual os autores
asseveram que o radical “bero” seria formado de *uperos, e daí a raiz *bri,
genitivo breg e acusativo brig, tendo como paralelo em outras línguas
indo-europeias burg, burgo, berg etc., expressando a ideia de alto, forte,
fortaleza. Quanto ao “breo”, os autores traduzem por casa.
Lembrando
ainda que uma etimologia possível e provável para Portugal é “porto +
gallaeci”. Também “bri” é o radical de Bragança; Briteiros (Citânia de),
capital dos Callaeci Bracari (Braga); e, talvez, Britannia; brigantes (povo
celta do norte da Inglaterra); etc.
Tomamos
a liberdade de supor a forma verbal nominativa breo de breoite ao
médio-irlandês breóïd, que significa “queimar”.
Esta
última e arriscada inferência, permite-nos chegar às Colunas de Hércules do
nosso texto. A partir daqui, entraremos em um oceano especulativo de águas
turbulentas e perigosas.
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Com
base em nas fontes consultadas, testaremos hipóteses etimológicas para
encontrar um paralelo entre as palavras brasil (vermelho) e bresil (do mito
irlandês).
Sua
origem seria muito remota e seria referente a um corante vermelho derivado do
óxido de estanho, também chamado de cinábrio, que teria origem céltica e
ibérica.
“O
comercio desse corante seria realizado entre fenícios e povos celtas ainda no
século VI a.C. Os gregos denominavam esse corante de kínnabar, kinnábari,
formado pela raiz kínn (metálico, rubro), sufíxo na (qualidade) e preposição
bar (sobre). No latim, cinnabar. Na sintática céltica, sendo comum a próclise,
isto é, a partícula bar é posposta ao radical, o termo corresponde a barcino,
brakino, breazail, que significa vermelho” ( D’AZEVEDO, Adelino José da Silva,
Este nome: Brasil [1967], in CANTARINO, “Uma Ilha Chamada Brasil: o Paraíso
Irlandês no Passado Brasileiro”).
Os
celtas eram um conjunto de tribos originárias do norte dos Alpes de um mesmo
tronco linguístico que se espalhou, a partir do século IV a.C., por toda a
Europa ocidental e oriental, ocupando grandes extensões. O nome de algumas
tribos ainda hoje são bastante familiares: gauleses, bretões, escotos
(Escócia), belgas, galegos, batavos, gálatas, caledônios, rutenos, brácaros
(Braga) etc.
É
bem provável que a palavra Barcelona provenha da mesma raiz. Do ibérico
“Barkeno”, a palavra encontra correspondência no grego Βαρκινών (Barkinṓn –
pronuncia-se varkínon, varcínon) e o latim barcino, barceno (pronuncia-se barkino,
barkeno). No português, varzino ou brasino, relativos à cor avermelhada em
animais. Este vocábulo corresponderia a birczi, verczi, virzi, virz´idda, biz´
z´idda, virz'ilu e, enfim, brezil, brasil, kerka brisilli, braxile, citados por
Machado, e ainda ao vernáculo birço etc.
Novamente,
Plínio, o Velho, relata:
“In
ora autem colonia Barcino cognomine Faventia, oppida civium Romanorum Baetulo,
Iluro, flumen Arnum, Blandae, flumen Alba, Emporiae, geminum hoc veterum
incolarum et Graecorum, qui Phocaeensium fuere suboles, flumen Ticer” (Plínio,
o Velho, Naturalis Historia).
Tradução:
Na orla da colônia de Barcino, denominada Faventia, as cidades romanas de
Badalona e Iluro, o rio Arno, a cidade de Blandae, o rio Alba, os dois Empórios
(“Emporion”, porto, mercado) dos antigos habitantes e um empório dos gregos,
descendentes dos focianos (relativo à Focéia), o rio Ticer.
A
cidade de Barcelona teria sido fundada por Augusto no ano 10 a.C. Porém, moedas
datadas do século III a.C. e cunhadas tal qual o dracma grego, registram
Barkeno em caracteres ibéricos. Há apenas duas cópias conhecidas dos dracmas de
Barkeno, uma desaparecida e a outra mantida no Museu de Copenhague, na
Dinamarca. É uma moeda de prata, imitação do dracma grego, como o Emporion
dracma. No verso, há uma cabeça feminina e no anverso, o cavalo alado Pégaso e
o registro Barkeno.
Seria
necessário então descobrir se há alguma relação etimológica da palavra gaélica
irlandesa breazáil com o cinábrio.
A
palavra portuguesa “brasil” (ou “brazil”), de brasa + sufixo il (assim como
covil, varonil, pueril etc.), tem sua origem etimológica remontada ao
proto-indo-europeu *bʰres- (ruptura, explosão), bem como seus familiares, o
francês “braise” (cinzas), do antigo francês “breze” (brasa), o alemão
“bersten”, do proto-germânico *brasō (carvão crepitando) e *brestaną, do inglês
“burst”, do irlandês “bris” etc.
E,
talvez, do proto-indo-europeu *bʰreg- (“quebrar”), como no inglês “to break” e
no português “brigar”. (*)
Daí
o médio inglês bras, bres, do inglês antigo bræs ("latão, bronze"),
de origem incerta. Talvez uma formação do proto-germânico de *brasnaz
("bronze"), ou relacionado com *brasó ("fogo, pira").
Compare o antigo nórdico e islandês bras ("solda"), islandês brasa
("para endurecer no fogo"), o sueco brasa ("chama"),
dinamarquês brase ("fritar"); francês braser ("soldar";
inglês braise) da mesma raiz germânica. Compare o holandês médio braspenninc
("uma moeda de prata", literalmente, "silver-penny";
holandês “braspenning”), o antigo frísio bress ("cobre"), o médio
baixo alemão bras ("metal, minério"). (*)
(*)
Fonte: Wiktionary.
O
que há em comum é associação com o fogo, metal, ferreiro (por extensão) e, por
conseguinte, o vermelho (metal aquecido, derretido). Contudo, como vimos, a
versão de Adelino D’Azevedo estabelece o radical kínn em cinábrio e não bras-.
Brasa,
aliás, é uma das poucas palavras do português que não possui uma origem latina,
sendo atribuída a raiz germânica. O que é, no meu entendimento, uma lacuna,
haja vista que tanto o latim como o grego são línguas indo-europeias.
Ao
consultar um dicionário de etimologia virtual, encontrei do inglês “cinnabar” o
seguinte verbete:
Cinnabar
(n) 15c., "vermelho ou a forma cristalina do sulfureto de mercúrio,"
também aplicado a outros minérios de mercúrio, inicialmente com referência à
sua utilização como um pigmento; de cinabre, do velho francês (13c.), a partir
Cinnabaris do latim tardio, a partir kinnabari grega, de origem oriental (compare
zanjifrah persa no mesmo sentido). Também é usado 14c.-17c. como suco resinoso
vermelho de uma certa árvore Oriental, que se acreditava ser uma mistura de
sangue de dragão e elefante (Online Etymology Dictionary, © 2010 Douglas
Harper).
Aqui
as coisas começam a não fazer sentido, pois a língua persa é também uma língua
indo-europeia. A raiz de cinábrio deveria estar em outro tronco linguístico.
Consultei
então um dicionário grego relativo aos textos bíblicos e o resultado foi
surpreendente. Transcrevo os verbetes:
Κιννάμωμον
- kinn-am’-o-mon; de origem estrangeira [compare do hebreu qinnamown];
cinnamon: canela.
קִנָּמוֹן
(knmon) [casca perfumada usada como tempero] Ex. 30:23; cinnamon, Grego
κίνναμον, κιννάμωμον, de acordo com Heródoto iii, 111, uma palavra de origem
fenícia, Pro. 7:17, Cant. 4:14 (A origem é duvidosa. Parece, entretanto, mais
simples supor a raiz, קִכה, de onde קִנָּם = קִכה cálamo, קִנָּמוֹן cana. [Esta
derivação é expressamente rejeitada em Thes.] Outros tomam-na de outra forma.
Portanto,
sua origem seria semítica, como atesta uma lista de palavras inglesas de origem
semita:
Cinnamon,
forma grega κιννάμωμον kinnamonon (MW), de origem semita, semelhante ao
hebraico קִנָּמוֹן qinnamon 'casca aromática "(AHD).
Curiosamente,
a preposição posposta, demarcando a próclise, é de origem semítica, o que
poderia levantar uma polêmica sobre uma possível origem semita do povo ibero.
Todavia,
não há consenso sobre a origem dos iberos. Algumas teorias apontam a Europa
Ocidental. Outras, a povoados semelhantes aos da Escócia. Uma terceira, que
teriam vindo do norte da África, durante o século VI a.C., e absorvidos pelos
celtas no século I a.C.
(Não
deixa de ser curiosa a semelhança linguística entre os termos hebreu – ivrit –
ibrit: hebraico; ebreu [antigo português], de eber, éver - e ibero).
Seja
como for, qualquer uma das hipóteses sobre as origens dos iberos não muda o
fato de que os povos mediterrânicos estabeleceram intenso intercâmbio comercial
com os fenícios, aos quais, inclusive, fundaram muitas colônias na costa
continental do mar mediterrâneo, como Cartago e Cadiz.
Vejam
alguns exemplos do uso da preposição bar, “de” ou “filho de”:
Bar-ab-bas’,
de origem caldeia, filho de Abba; Bar-abbas, no israelita: Barabbas.
Barihsou~v,
bar-ee-ay-sooce’; de origem caldeia [hebraico {1247} (bar) e hebraico {3091}
(Yehowshuwa`)]; filho de Jesus (ou Joshua); Bar-jesus, no israelita: Barjesus.
No
grego não existe a preposição “bar”. A palavra kínnabar ou, a sua forma
construída hipoteticamente, “bar-kínn-na”, se de fato neste caso a partícula
bar seja realmente uma preposição, a composição da palavra teria influência
semítica e não o inverso.
Para
justificar a influência da cultura fenícia no continente europeu e, assim,
defender a ideia de que a Ilha Brasil teria alguma ligação com os fenícios,
Cantarino faz um longa digressão sobre o livro “Before Colombus”, do estudioso
de línguas e culturas antigas Cyrus Gordon. Destaco em especial esta passagem:
Gordon
cita outros exemplos para ilustrar a ideia, como Ibiza, a ilha espanhola do mar
mediterrâneo, que teria origem no fenício ‘Î bes’, A ilha de Bes; um antigo
nome para a ilha da Sardenha, a oeste da Itália, ‘Î Nesîn’, a Ilha dos Falcões;
e de acordo com o estudioso Joseph M. Sola-Solé, Hispania seria de derivação
semítica e talvez represente a palavra fenícia Hi-Span, A Ilha do Coelho. ‘De
qualquer maneira’, continua Gordon, o antigo nome irlandês desta terra – ou da
terra – no oeste, era Hy-Brasil, que na língua semítica do noroeste [do Oriente
Médio] significa ‘Î BRZL, A Ilha de Ferro’” (CANTARINO, obra citada, p. 88).
E
esta:
Para
completar, o professor Gordon diz que a palavra para ferro na maioria das
línguas semíticas, sem contar com o árabe, é barzel, como aparece, por exemplo,
em hebraico” (Idem, p. 89).
Vejamos:
Ferrum
(latim) é uma palavra adotada de uma outra língua, neste caso, de origem
desconhecida. De acordo com de Vaan Michiel (Etymological Dictionary of Latin
and the other Italic Languages (Leiden Indo-European Etymological Dictionary
Series; 7), Leiden, Boston: 2008), possivelmente a partir de um dialeto
fenício: compare a fenícia BRZL (Barzel) e o siríaco clássico ܦܪܙܠܐ
(parzlā, o "ferro"). A palavra poderia ter entrado no léxico latino
por via etrusca.
No
hebraico (lê-se de traz para frente):
בַּרְזֶל
(Brzl) - compare com o acadiano (partzilla), siríaco clássico ܦܪܙܠܐ,
ugarítico (brḏl) e fenício (Brzl).
Observação:
as línguas semíticas não possuem vogais.
A
questão que emerge é se a palavra brasa é realmente de origem indo-europeia. O
proto-indo-europeu é uma língua reconstituída artificialmente pela linguística
histórica e comparada, através das línguas modernas e registros antigos de
línguas antigas. Portanto, supõe uma língua hipotética que seria comum aos
ancestrais dos povos conhecidos genericamente por indo-europeus, denominados
também arianos. Não há registro material dessa língua, porque, na época em que
se deduz sua existência, ainda não havia sido introduzida a escrita entre os
arianos. O alfabeto só chega entre os europeus, via comércio com os fenícios,
em torno de 900 a.C. Se a resposta à pergunta se a palavra brasa é de origem
indo-europeia for negativa, então a palavra brasa e todas as suas variantes nas
línguas europeias seriam de origem semítica, e não seria absurdo acarretá-la a
um único rastro até chegar à palavra “brasil”.
Conclusão:
Formularei
três hipóteses, uma realista, outra possível e a terceira teológica:
1.
Esta hipótese já foi esboçada acima. Quando Angelino Dulcert confeccionou sua
carta, ele estava familiarizado com a prática comercial nas cidades italianas
e, portanto, conhecia bem o produto denominado brazil. Provavelmente, a
matéria-prima do corante já estava sendo explorada nas Ilhas Canárias, em
princípios do século XIV. Contudo, Angelino não possuía informações sobre a
localização exata do arquipélago, deduzindo, através das viagens de São
Brandão, que esta devia ficar na costa da Irlanda.
2.
A palavra brasil, de lavra semítica (barzel), deu origem tanto aos radicais
indo-europeus bri (alto, força) e bras (explosão, fogo, ferro e vermelho),
durante o intercâmbio entre povos celtas, fenícios e cartagineses. Lembrando
ainda que foram os celtas que deram início à idade do ferro na Europa e que,
talvez, também seriam os temíveis “povos do mar” que invadiram o Egito.
Angelino então representou a Ilha Brasil em consonância às reminiscentes
tradições célticas.
3.
Durante a diáspora dos filhos de Israel, quando o povo hebreu fugiu do Egito,
um grupo se dispersou em direção a Sefarad, no Ocidente, em busca da Terra
Prometida. Primeiro, as tribos se estabeleceram na Ibéria caucasiana (província
da atual Geórgia); depois, seguiram até a península ibérica, sendo assimilados pelos
celtas, tornando-se os celtiberos. Séculos depois, um dês seus descendentes,
São Brandão, finalmente encontrou o Paraíso, até hoje perdido.