Por Nilza Monti Pires
Num lugar bem distante,
afastado, longe de tudo, havia uma cidade encantadora e atraente por sua
beleza.
Ali morava algumas pessoas
ilustres, com suas elegantes e suntuosas casas aconchegantes.
As ruas eram floridas e
agradáveis, o chão repleto de delicadas folhas pequenas de várias cores, azuis,
rosas, amarelas, multicoloridas, a gente podia até imaginar um lugar irreal,
ilusório, exótico e misterioso.
Nesta cidade tem uma famosa
escola onde estudavam só meninos que pertenciam à aristocracia, uma classe
privilegiada.
Entretanto, entre eles tinha
um menino pobre, pois ganhou uma bolsa de estudo totalmente gratuita para
estudar naquela escola de elite.
Seu pai um simples marceneiro,
um homem humilde, modesto, honrado, trabalhava duro para sustentar a
família.
Julinho era um menino amável
e meigo, sentia constrangido em frequentar aquela escola tão requintada, sentia
estranho naquele ambiente escolar, era diferente dos seus colegas ricos, não
conseguia se adaptar naquele meio, por isso que não ia bem nas matérias, só
tirava notas baixas.
Sua professora Dona Isaura, uma senhora de cabelos avermelhados, olhar austero, quando falava com Julinho era muito ríspida, não poupava um ar de reprovação por Julinho retardar seus colegas.
Um dia quando voltava da
escola, contrariado e desanimado, resolveu andar por andar, e após horas de caminhada,
sob o sol intenso, o pensamento longe dos problemas, sentindo o vento suave,
batendo em seu rosto, Julinho teve uma sensação de bem-estar, livre, solto como
as andorinhas, mas o vento contínuo não tardou a virar um verdadeiro vendaval,
que se transformou num aguaceiro, uma chuva forte, um pé d'água.
Julinho se escondeu entre as
ramagens bem debaixo de uma árvore gigante, e protegido, atacado por um sono
profundo, dormiu ali mesmo, só acordou com um ruído muito estranho, um gemido
lento e monótono, e Julinho logo pensou que devia ser o barulho dos galhos
secos remexendo, que caíram com a chuva, mas se espantou quando viu um menino
vestido com uma roupa de cor prata metálica.
- Quem é você? disse Julinho
assustado.
- Ɐ ᴚ ᴥ ᴟ Ẑ ₸ ₸ ¥ Ɐ Ẑ,
respondeu o menino.
- O que você está dizendo,
não estou entendendo? disse Julinho confuso.
De repente a cabeça do
menino começou a iluminar com uma luz tão forte, tão ofuscante, que mal se
conseguia enxergar, acendia e apagava, sem interrupção, até que uma hora parou.
- Incrível, como você fez
esse truque? disse Julinho.
- Não, não é nenhum truque,
tive que fazer meu cérebro funcionar para saber qual língua você falava, fiz
uma tradução simultânea.
- Bom, pelo menos agora,
estou te entendendo, mas por que você está vestido desse jeito, por acaso está
fantasiado? disse Julinho.
- Não é fantasia, é a minha
pele.
- Sua pele? falou Julinho
rindo.
- É verdade, quando eu nasci,
já colocaram essa pele em mim, foi feita sob medida, é uma proteção.
- E essa coisa na sua testa?
- É um selo, com um
nanochip, tem todas as informações que eu preciso, não sou desta terra, sou de
um outro planeta.
- De um outro planeta? E
onde está o foguete que trouxe você?
- Eu não preciso de uma nave
espacial para voar, minha roupa já é uma nave espacial, ela é feita com alta
tecnologia, ela é resistente, resiste a qualquer temperatura e também a
qualquer pressão.
- Caramba! sua roupa é uma
nave espacial?!
- Sim, ela foi feita para
isso, cubro minha cabeça e voo.
- Você fica que nem um
foguete?
- Sim, fico mais leve que o
ar, flutuo no espaço, percorro grandes distâncias em segundos, sou de um
planeta que está a milhares de anos adiantado do que a Terra.
- E por que você veio aqui?
- Porque meus pais disseram
que os meus antepassados já moraram nesta cidade e eu tive um desejo de
conhecê-la, uma simples curiosidade, perguntei a mim mesmo: O que teria naquela
cidade?
- Desculpe, mas sua história
é difícil de acreditar, parece inverídico.
- Claro que não! Pois
preciso da sua ajuda.
- Da minha ajuda?! disse
Julinho surpreso.
- Sim, não estou acostumado
com essa chuva deste planeta, esse aguaceiro desgrudou um pedaço da minha
roupa, e aí não vou poder sair daqui, por isso peço a sua ajuda.
- Já sei como posso te
ajudar, disse Julinho.
- De que jeito? respondeu o
estranho menino.
- Tenho um jeito, meu pai é marceneiro
e tem uma cola muito boa, é bem resistente, quer ir lá?
- Claro que quero!
No meio do caminho Julinho
perguntou:
- O que você falou com
aquela linguagem que eu não entendi nada?
- É o meu nome, fiz a
tradução e aqui eu me chamo Ion. E o seu nome, qual é?
- Eu me chamo Julinho e
tenho 10 anos e você, qual a sua idade?
- Eu tenho 150 anos, respondeu
Ion.
- O quê?! Isso não é
possível, ou você é um fantasma?
- No meu planeta vivemos até
300 anos ou mais, somos muito avançados.
- Puxa vida, isso é inacreditável,
é impressionante, falou Julinho sem acreditar muito.
Ion deu uma risadinha
percebendo a ironia de Julinho.
- Agora já escureceu e a marcenaria
do meu pai já está fechada, você, Ion, tem que dormir lá em casa.
- Tudo bem, disse Ion.
E lá seguiram os dois
meninos conversando alegremente a caminho da casa de Julinho.
- Ion, disse Julinho, vamos
entrar às escondidas para ninguém perceber, minha mãe, se ela te ver, vai
perguntar o que esta coisa grudada na sua testa.
- É melhor mesmo, disse Ion.
Assim que Julinho entrou em
casa, a mãe perguntou:
- Que tarde, Julinho, estava
preocupada.
- Foi por causa da chuva,
tive que me esconder. Mãe, se você tivesse um amigo de 150 anos de idade, o que
acharia?
- Hum! meu filho, eu acharia
muito legal, mas também muito esquisito.
- Já vou dormir, mãe, amanhã
vou levantar cedo para ir à escola.
Assim que sua mãe
distraiu-se, Julinho acenou para Ion entrar, e ele entrou sem ninguém ter
visto.
- Amanhã, disse Julinho,
tenho que ir para escola e, na volta, já trago a cola.
- Obrigado, disse Ion, e os
dois foram dormir.
No dia seguinte, Julinho foi
para a escola, aborrecido, não queria ir, sentia que era mal visto.
Na escola, a professora Dona
Isaura advertiu Julinho:
- Você não vai mais poder
ficar nesta escola, está atrasando os seus colegas, amanhã vou fazer uma prova
e se você for mal, serei obrigada a tomar sérias providências, então trata de
estudar para ir bem, será sua última chance.
Julinho ao sair da escola,
estava muito triste, desanimado, como ia contar para seus pais?
E assim Julinho foi buscar a
cola na marcenaria do seu pai e perguntou a ele qual era a melhor cola.
Seu pai escolheu uma e
disse:
- Esta, Julinho, é a melhor
cola do mundo, ela cola tudo.
Julinho agradeceu seu pai
com um grande sorriso.
Chegando em casa, logo
correu para o quarto onde Ion estava escondido.
- Ion, a cola está aqui!
- Que ótimo! mas que cara é
essa, você chorou? Perguntou Ion.
- Sim, vou ser expulso da
escola, só tiro notas baixas, eu me sinto humilhado naquela escola.
- Não fica assim, disse Ion,
eu sei como te ajudar.
- De que jeito?
- Primeiro, preciso que você
me ajude a consertar o rasgo da minha roupa.
- Tá certo, vou medir,
calcular e depois colar... Pronto! Já colei, disse Julinho.
- Oba! Parece que colou
mesmo, gritou Ion.
- Sim, grudou, colou, gritou
Julinho, deu certo!
Julinho ficou tão contente
com seu êxito que, assim, os dois amigos se abraçaram.
- Agora, disse Ion, que tal
dar umas voltas pelas redondezas, quero ver as paisagens em que um dia meus
ancestrais disseram que moraram aqui.
Enquanto Ion passeava pelas
ruas, sentia aquele ar familiar; Ion estava maravilhado, sentindo aquele
perfume aromático, andando pelas ruas, parecia tudo mágico.
Julinho estava feliz, até
esqueceu dos problemas da escola, e já era noite quando voltaram.
No dia seguinte, Julinho
estava apreensivo, se não fosse bem na prova, estaria fora da escola.
No caminho Julinho disse
para Ion.
- Estou com medo.
- Não se preocupe, Julinho,
vou passar toda a matéria para você.
- Como vai fazer isto?
- Vou fazer uma conexão do
meu cérebro para o seu cérebro e aí te envio as respostas.
- Mas você não vai poder
entrar na classe, e como vai saber qual o assunto da prova que professora vai
dar?
- Eu não preciso estar
presente, meu cérebro capta todos os conhecimentos possíveis.
Julinho mesmo assim ficou
temeroso.
Dona Isaura já estava na classe
quando o Julinho chegou.
- Hoje vou fazer 10 perguntas
e quem tirar nota baixa será levado ao conhecimento da escola.
Todos os alunos olharam para
Julinho.
- São dez perguntas bem
difíceis, mas para quem estudou é fácil.
Julinho fez a prova bem
rápido, foi o primeiro a entregar a prova, e passou algum tempo quando todos
entregaram as provas. Dona Isaura passou a corrigir as provas, ficando surpresa
com o resultado e, então, falou:
- Quem acertou todas as
perguntas foi Julinho!
Todos os alunos ficaram intrigados,
curiosos, como ele acertou se ele sempre errava, teria por acaso colado?
Não contente com o resultado
Dona Isaura falou:
- Amanhã farei novamente
outra prova.
Depois da aula, Julinho e Ion
saíram alegres e foram embora satisfeitos e rindo.
Depois houve uma pausa e Ion
falou:
- Amanhã, depois de sua
aula, preciso ir embora.
Julinho ficou muito triste,
mas não podia fazer com que Ion deixasse de rever sua família.
- Vamos dar mais um passeio,
estou maravilhado com a cidade, vou avisar a todos que a Terra ainda existe e
não foi extinta.
- Por que seus antepassados
foram embora? disse Julinho.
- Disseram que ficou muito
quente e aí pegaram uma nave espacial e foram embora sem rumo até encontrar um
planeta que até hoje eles estão lá.
- Esse planeta é bonito como
a Terra?
- Sim, muito bonito, parece
muito com a Terra.
No dia seguinte Julinho e
Ion foram para escola.
Novamente Dona Isaura falou:
- Desta vez vou fazer umas
perguntas mais difíceis.
Todos os alunos reclamaram
das perguntas, menos Julinho.
Assim que terminaram, a Dona
Isaura foi corrigir e, para seu espanto, Julinho acertou todas e os outros
alunos erraram quase tudo.
Dona Isaura deu os parabéns
para o Julinho e disse:
- Julinho, gostei muito da
sua mudança, espero que continue sempre assim.
Julinho ficou muito feliz
com a resposta da professora.
No caminho de volta, Ion
falou:
- Tenho que ir embora,
Julinho.
- Vou ficar muito triste,
você é um grande amigo, mas eu entendo.
- Sei disso, Julinho, você
também é um grande amigo, tenho que ir, minha família está lá, mas não se
preocupe, vou colocar este selo atrás de sua orelha, com todos conhecimentos de
tudo.
- Ah! que bom, muito
obrigado, disse Julinho.
- Mas tenho uma coisa que
preciso te avisar, este selo com o tempo vai desaparecer.
- Já entendi, disse Julinho,
quando o selo sumir, vou ter que agir por conta própria.
- Sim, exatamente, veja essa formiguinha, tem menos de um centímetro e carrega essa folha tão grande, ela está feliz levando o seu alimento para sua casa, tão pequenininha e tão grande a sua força.
E o mesmo acontece com esse casulo, que está nessa planta, e que tem dentro uma lagarta, ela constrói um invólucro, uma proteção, e veja, olha só, ela acabou de sair do casulo, virou uma borboleta, e agora vai voar livremente. Não adianta ficar parado sem se mover uma palha, agora é hora de botar a cuca para funcionar, mãos à obra!- Gostei bastante da dica,
Ion.
- Sabe de uma coisa, disse
Ion, você me parece muito familiar.
- Talvez somos primos?!!!
- Seria ótimo saber que
você, Julinho, é meu primo.
Julinho deu um sorriso.
- Obrigado, Julinho, você me
salvou a vida, lembre-se, você tem um ótimo raciocínio, não sei como agradecer
a você, a sua mãe, e diga a seu pai que a cola dele é excelente.
Abraçou Julinho.
- Agora tenho que ir, vou sentir
muitas saudades, disse, esforçando-se para não chorar, agora também vou virar
um casulo, e vou zarpar. Boa sorte aí, Julinho!
E no impulso e de tão
rápido, saiu soltando até faíscas, que ofuscaram a vista de Julinho.
E Julinho gritou:
- Boa sorte também, Ion! Acenando
para ele com lágrimas nos olhos.
No dia seguinte Julinho foi
para a escola sem seu amigo Ion. Temeroso, colocou a mão atrás da orelha e
sentiu o selo, e ficou mais confiante.
- Parabéns disse a sisuda
professora. Outra vez, você foi bem na prova, acertou tudo.
Julinho se sentiu aliviado e
alegre.
E assim passaram os dias
quando Julinho percebeu que o selo não estava mais atrás da sua orelha.
E pensou: “Fiquei sem o selo
e sem o cérebro de Ion”.
Ficou pensativo, e refletiu sobre
as palavras de Ion, mas estava determinado, pois, desta vez, estudou muito.
Chegando na escola a
professora Dona Isaura, austera como sempre, deu novamente uma prova, como
fazia sempre.
Julinho colocou a mão atrás
da orelha para ter certeza de que o selo não estava mais lá. Mas o selo
realmente já não estava lá. Leu a prova, respondeu as perguntas e em pouco
tempo entregou.
Julinho, disse a professora,
com seu olhar severo:
- De hoje em diante você vai
representar a escola, sua prova foi impecável, parabéns.
E todos os alunos bateram
palmas.
Julinho agradeceu a todos e,
ao sair da escola, foi para casa, andando pelo mesmo caminho, satisfeito, e
lembrou de Ion com saudades, sentou na mesma árvore gigante, ficou meditando,
mas depois foi para casa e encontrou seu pai:
- Agora, pai, sou o
representante da escola.
- Parabéns, meu filho, eu
sabia das suas qualidades, vamos contar para sua mãe.
Julinho perguntou para seu
pai:
- Que cola você me deu
naquele dia?
- Foi uma cola simples, uma
cola escolar, adequada para crianças da sua idade.
Julinho pensou: apesar de
ter 150 anos, Ion também era uma criança.
- Pai, gostaria de viver 300
anos?
- Adoraria, mas é
impossível, quem sabe daqui alguns anos ou milhares de anos?
- Que bom, disse Julinho,
estou esperançoso, quem sabe um dia encontro novamente com Ion, ia ser muito
divertido, eu e ele bem velhinhos, com trezentos anos, passeando pela cidade.
Ilustrações: Sabrina Paloma (face do Ion, Ion na chuva, Julinho e Ion se abraçando, Julinho na árvore e a sala de aula) e professora Paula Vanessa (professora Isaura e paisagem).
Revisão: Diego, professora
Paula Vanessa e Jean