terça-feira, 6 de outubro de 2020

Protágoras e os sofistas - Nonas Filosóficas

Devido ao desenvolvimento da cultura grega, fizera-se sentir muitas vezes durante o século V a necessidade de uma cultura geral mais elevada do que podiam oferecê-la as escolas existentes, que eram à base de cálculo, ginástica e música. Para satisfazer tal necessidade (missão que os antigos filósofos tinham considerado indigna de si) prestaram-se homens que, correndo de cidade em cidade, davam à juventude lições de filosofia da natureza e os elementos da ciência positiva relacionados com ela; liam e julgavam poesias, explicando, especialmente, problemas de ética e de política, exercitando os seus alunos na eloquência (1). Além disso, dirigiam-se aos adultos com os seus escritos, sermões de moral e discursos nas assembleias e festas, como nas de Olímpia; eram (segundo as próprias palavras de Gomperz) "semiprofissores, semijornalistas". Designam-se a si próprios como sofistas, isto é, mestres de sabedoria. Somente devido aos seus inimigos, sobretudo Platão e os poetas cômicos, tomou esta palavra um sentido pejorativo. Mostram grande diversidade, tanto de caráter como de doutrina e de concepções particulares. Muitos deles são, com efeito, conservadores; mas, em geral, foram os porta-vozes do "moderno" e do "progresso", e até revolucionários espirituais. Já o fato de receberem honorários foi considerado por muitos uma inovação digna de censura, visto que, aos olhos dos gregos, qualquer produção remunerada (em particular de natureza espiritual) aparecia como uma degradante submissão.

Somente alguns deles merecem ser citados em particular. A sua atividade se desenvolve principalmente na segunda metade do século V.

Pródicos de Ceos soube pintar, sobretudo, os aspectos mais tétricos da existência humana. Mas o seu pessimismo não o reduziu há uma resignação inativa ou ao diletantismo estético. O seu ideal era antes a fortaleza da alma e uma grande atividade. Procurou superar os horrores da morte graças a esta consideração: enquanto vivemos não existe a morte; quando a morte chega, já não existimos. O seu relato alegórico, "Hércules na encruzilhada", é proveitoso para a educação moral, ainda mesmo em nossos dias. As suas opiniões estéticas (sobretudo o seu conceito de adiáfora) (2) tiveram grande importância para os cínicos e os estoicos.

Hípias de Elis foi sobretudo admirado pela extraordinária variedade do seu saber e pela destreza física e psíquica. Foi também professor de monotecnia (inventada pelo poeta Simónides), graças à qual podia repetir na velhice cinquenta palavras depois de ter ouvido uma só vez.

Protágoras era, como Demócrito, de Abdera. Atuou muito em Atenas, junto de Péricles e de Eurípedes. Em 411 foi acusado de ateísmo; adoeceu na sua fuga para a Sicília. Devem-se-lhe os começos das investigações gramaticais, em particular a tentativa para distinguir as diversas categorias de palavras (substantivos, verbos, adjetivos etc.) e de orações, e para dar normas para a "perfeição da linguagem" (3). Além disso, buscou também regras "racionais" para os atos humanos. No direito penal defendeu a teoria do exemplo como fim da pena, contra a teoria (em vigor ainda hoje) da expiação, que no seu tempo (como na Idade Média) se aplicava aos animais e até aos objetos inanimados.

O seu livro Sobre os Deuses, que lhe valeu a condenação, começa por esta frase: "Pelo que diz respeito aos deuses, impossível me é saber se existem ou não existem; pois há coisas que não se permitem averiguar, sobretudo, a obscuridade do problema e a brevidade da vida humana". Mas não pretendia com isso destruir a crença nos deuses, mas apenas a ilusão de que se pudesse conhecer racionalmente a sua existência.

É também da maior importância a frase de Protágoras: "O homem é a medida de todas as coisas, das que são, e das que não são, enquanto não são".

Achamo-nos aqui perante um importante progresso da reflexão filosófica acerca do conhecimento. O homem ingênuo (isto é, aquele que não reflete) está completamente mergulhado nos seus objetos; estes estão simplesmente perante ele, e não dá conta de que a percepção e o conhecimento são produtos do sujeito. Encontramos nos eleáticos, Heráclito, Anaxágoras, Empédocles e Demócrito, uma superação da ideia de quê para conhecer os objetos é necessária uma certa estrutura e um certo comportamento por parte do sujeito. Mas somente Protágoras pode se considerar o descobridor da subjetividade e da relação necessária entre o sujeito e o objeto.

É certo Protágoras não ter chegado a compreender que nem a diversidade de vivências cognitivas no sujeito constitui "unidade da consciência", necessária para o conhecimento, nem a variedade indeterminada dos conteúdos de consciência (fenômenos) constitui por si só o conhecimento do objeto (meu), pois é além disso necessário que o pensamento apreenda a regularidade e a permanência. Só Platão pôde chegar a esta Concepção.

Embora Protágoras, que era também professor de retórica, se tornasse célebre por ter feito passar, graças à sua oratória, as piores causas pelas melhores, não deve todavia se ver nisso uma prova de particular imoralidade, mas sim de que, ao se exprimir por tal forma em público, não fez mais que proclamar a finalidade que procurava conseguir toda a antiga retórica.

Górgias de Leontini (Sicília) foi celebrado sobretudo como orador. É um dos fundadores da prosa grega, e em particular do estilo patético, brilhante e cheio de imagens. Como todos os sofistas, que por serem professores ambulantes se encontravam em qualquer parte como na sua Pátria, defendeu Górgias a ideia de que os gregos deviam pôr termo às suas intermináveis disputas e se unir todos contra os bárbaros. Como filósofo, realizou, entre outras coisas, a crítica da doutrina do ser dos eleáticos, chegando a dizer que não existe ser algum (no sentido eleático), que se existisse não seria cognoscível, e quê, se fosse cognoscível, este conhecimento não seria comunicável. Como muitos outros contemporâneos seus, parece duvidar de que os problemas que tanto tinham preocupado os cosmólogos pudessem ter solução.

(1) Assim, por exemplo, Protágoras (em Platão) assinala como fim da educação “dar bons conselhos sobre assuntos domésticos, para os jovens organizarem a sua casa, de futuro, e se tornassem capazes em assuntos políticos, para entenderem os negócios da cidade”.

(2) São coisas eticamente indiferentes (em particular os “bons exteriores”) que ganham valor moral graças ao fim ético que servem.

(3) É muito digno de atenção para a pedagogia o que a este respeito observa Gomperz: “O que vem a ser um advérbio ou uma preposição, que normas regulam o emprego dos modos ou dos tempos, de tudo isto nunca um Píndaro ou um Ésquilo souberam nada. A maestria no uso da linguagem atingiu o seu ponto culminante muito antes de se terem procurado justificar fosse de que maneira fosse as regras da linguagem”. Isto é também característico para a precedência da atividade “instintiva” sobre a reflexão, que observamos em todos os domínios da cultura.

(August MESSER, “História da Filosofia”, Editorial Inquérito: Lisboa, 1946 - obra em domínio público).

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