No mês passado, o grupo de
punk rock Fecaloma, uma banda parceira e conhecida aqui no blog, lançou seu
mais recente álbum – um “EP”, como se dizia antigamente –, intitulado A vocês, que inclui duas composições: “Si
hay gobierno, soy contra” e “Fins de semana de solidão”.
O título do álbum é bastante
inusitado em um ambiente marcado pelo narcisismo, como o das bandas de rock em
geral. A vocês é dedicado ao público,
aos fãs da banda Fecaloma. (Se é que neste caso o termo “fã” é correto e não
provocaria a censura da banda por essa impropriedade de nossa parte). Ou seja, o
título é um tributo ou uma homenagem a quem o grupo de punk rock reconhece um
lugar de mais alta estima e declara manter um compromisso inabalável de
igualdade. (Numa outra ocasião, a banda entoou o seguinte verso: “É o público
que manda, é o público que manda”).
A primeira canção de A vocês, “Si hay gobierno, soy contra”,
é um punk rock bem empolgante que bem poderia ser um hino anarcopunk,
repercutindo ecos da Marselhesa ou da Internacional em sua letra, não fosse a
recusa da banda em adotar símbolos que fragmentam e dividem a humanidade tais
quais as insígnias dos Estados e nações. (Numa de suas músicas mais conhecidas,
“Sertapunk”, o verso “O hino que canto é uma música qualquer” não deixa margem
para dúvida sobre os lemas iconoclastas da banda Fecaloma). A segunda
composição do EP, “Fins de semana de solidão”, é um misto de um tipo de reggae
(ou algo assim) e o punk propriamente dito. A letra poderia ser interpretada
como uma versão punk pós-moderna de A uma
passante, do poeta Baudelaire.
No entanto, um tom melancólico envolve o lançamento, pois na descrição do vídeo no YouTube há uma menção da terrível desilusão por que sofre D. Quixote quando descobre que todas as aventuras de cavaleiro andante por ele vivida não eram senão meras fantasias de uma mente perturbada. A banda parece querer traçar um paralelo entre sua trajetória, de velhos adolescentes idealistas que desejaram um dia a revolução social através da música de protesto, com o clássico romance de Miguel de Cervantes Saavedra. Algo como, em tempos sem grandes ideais, como os da atualidade, comparar um revolucionário (anarquista, socialista, comunista) ao solitário cavaleiro da triste figura. Lutar por uma utopia, no século XXI, é lutar contra moinhos de vento. No contexto do movimento punk, se nos anos 80 e 90 formar uma banda punk era só “um pretexto para mudar o mundo”; hoje, mudar o mundo é só um pretexto para ter uma banda. A revolução está fora de moda!
Cabe ressaltar que esse
engajamento não é meramente performático ou supérfluo, além dos três álbuns da
banda, Transgredir por transgredir
(1998), Rebelião adolescente (2001) e
Ocupar e resistir (2005), o grupo
Fecaloma assina três traduções sobre a rebelião dos marinheiros anarquistas de
Kronstadt, no início do século XX. O que torna essa banda única.
Kronstadt, 1921
(Disponível: site Crítica Desapiedada) |
A Comuna de Kronstadt: o crepúsculo dos sovietes
(Disponível: Amazon) |
Pois bem, em que pesem as
desilusões a que todos nós estamos fadados a experimentar cedo ou tarde, o álbum
A vocês do Fecaloma certamente não
vai decepcionar os “fãs” da banda (com o perdão da palavra), que poderão
apreciar as letras bem escritas e originais que marcam esta singular banda de
punk rock brasileira.
Fedaloma,
A vocês
Jean: vocal e guitarra; Erick: baixo e backing vocal; e Arthur: bateria e backing vocal
Letras
Lado A
Si
hay gobierno, soy contra
Salve
a todxs Anarquistas
Contra
nós o estandarte
Dos
batalhões governistas
Se
ergueu com jugo covarde
Soldados
da tirania
Servos
da autoridade
Em
nome da democracia
Marcham
sobre a liberdade
Si
hay gobierno, yo soy contra
O
capital perecerá
Anarquia
Vingará
Si
hay gobierno, yo soy contra
O
Estado cairá
Anarquia
vencerá
Salve
a todxs Anarquistas
Bem
unidos, camaradas
Contra
falanges fascistas
Levantemos
barricadas
Somos
nós a resistência
Desbravando
a tempestade
Com
ternura e independência
Libertar
a humanidade
Lado B
Fins
de semana de solidão
Fins
de semana de solidão
Por
acaso eu te encontro
Longe
de mim
Às
vezes me olha
Fica
na sua
E
me provoca
Mas
nas horas que se vão
Não
há tempo pros nossos sonhos
Eu
chego junto
E
você foge
Desentendida
Me
mata de vontade
Refrão: Porque só temos esta noite
Amanhã
te perderei nas multidões
Fins
de semana de solidão
Por
acaso eu te encontro
Me
desespero
Você
disfarça
Eu
imploro
Você
acha graça
E
nas horas que se vão
Não
há tempo pros nossos sonhos
Mais
um pouco
Não
sei se te vejo
Me
dê uma chance
Ou
te roubo um beijo
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