quarta-feira, 9 de abril de 2025

Resumo: “Água Funda”, de Ruth Guimarães: o Brasil profundo em um clássico da literatura regionalista

Fotografia de Ruth Guimarães.

 Introdução: Um clássico escondido que revela as raízes do Brasil

Publicado originalmente em 1946, Água Funda, de Ruth Guimarães, é um dos maiores tesouros da literatura regionalista brasileira, embora ainda pouco conhecido do grande público. Ambientado no interior de Minas Gerais, o romance traz à tona a riqueza da cultura popular, das crenças, dos causos e da linguagem da roça, tudo isso através de uma narrativa lírica, profunda e repleta de sabedoria ancestral.

Ruth Guimarães foi a primeira mulher negra a integrar a Academia Paulista de Letras, e sua escrita é marcada por um olhar afetuoso, mas crítico, sobre o povo do campo. Em Água Funda, ela nos presenteia com uma obra que mistura ficção, folclore e poesia, revelando a complexidade da vida no Brasil rural — com suas belezas, contradições e tragédias.

Ruth Guimarães e o poder da literatura regionalista

Quem foi Ruth Guimarães?

Nascida em Cachoeira Paulista, no interior de São Paulo, Ruth Guimarães (1920–2014) foi escritora, tradutora, pesquisadora e jornalista. Apaixonada pela cultura popular, dedicou-se ao estudo do folclore brasileiro e escreveu livros de contos, ensaios e romances — sendo Água Funda sua obra-prima.

Seu estilo literário é frequentemente comparado ao de Guimarães Rosa e Mário de Andrade, especialmente por seu uso poético da linguagem oral e sua valorização do Brasil interiorano.

O que é literatura regionalista?

A literatura regionalista brasileira, especialmente forte nas décadas de 1930 a 1950, tem como foco retratar os costumes, os conflitos e os modos de vida das diversas regiões do país. Em Água Funda, essa proposta se realiza de forma magistral, com uma narrativa que valoriza o modo de falar, de sentir e de pensar do povo simples do campo — sem reduzi-lo a caricaturas.

Enredo de Água Funda: vida, morte e encantamento

Um povoado cercado de mistérios

A história se passa no fictício povoado de Água Funda, um vilarejo perdido no tempo, cercado de matas, córregos e lendas. Ali, o sobrenatural e o cotidiano se misturam, e a morte é apenas mais uma curva no rio da existência. As personagens transitam entre o real e o mágico, entre o profano e o sagrado, entre o riso e a dor.

A força da narrativa oral

A estrutura do romance é marcada por uma sucessão de causos, histórias contadas de forma oral por diversos narradores, cada qual com seu ponto de vista. É como se o leitor estivesse ouvindo uma roda de prosa à beira do fogão, onde cada um contribui com uma parte do quebra-cabeça da memória coletiva.

Dessa forma, não há um único protagonista — o verdadeiro personagem é o próprio povoado de Água Funda, com seus moradores, suas crenças, seus conflitos e sua musicalidade própria.

Temas principais de Água Funda

1. A cultura caipira como protagonista

Ruth Guimarães eleva a cultura caipira à condição de matéria-prima literária. Os saberes populares, as rezas, os benzimentos, as superstições e até os ditados são incorporados à narrativa com respeito e lirismo. O livro valoriza o que muitas vezes foi desprezado como “atraso”, revelando uma sabedoria enraizada no cotidiano e na oralidade.

2. A presença do sagrado e do fantástico

O elemento mágico está presente em Água Funda como parte natural da vida. Mortos que voltam, premonições, feitiços e encantamentos coexistem com a colheita do café e os casamentos na igreja. Essa dimensão fantástico-folclórica aproxima a obra de autores como Gabriel García Márquez, dentro de uma estética que poderíamos chamar de realismo mágico à brasileira.

3. A crítica social sutil

Mesmo envolta em lirismo, a obra não deixa de abordar temas como desigualdade social, patriarcado, violência doméstica e abandono feminino. Muitas das histórias narradas revelam a dureza da vida das mulheres na roça, presas entre o machismo e a resignação. A crítica, porém, não vem em tom panfletário, mas como semente plantada na consciência do leitor.

A linguagem em Água Funda: poesia, oralidade e ritmo

O português do povo

A linguagem de Água Funda é um dos seus grandes trunfos. Ruth Guimarães escreve como quem escuta. Sua prosa imita o ritmo da fala popular, com suas repetições, pausas e expressões típicas. Esse recurso aproxima o leitor da realidade do interior, criando uma atmosfera rica e envolvente.

Poética do cotidiano

Mesmo ao tratar de temas duros, Ruth imprime uma beleza poética à sua narrativa. Há trechos que mais parecem versos, tamanha a musicalidade das frases. Essa combinação de lirismo com realismo transforma o romance em uma verdadeira joia da literatura nacional.

Perguntas frequentes sobre Água Funda

Qual é o estilo de Água Funda?

É um romance regionalista com elementos do realismo mágico e da literatura oral. O estilo é lírico, com forte presença da linguagem popular.

Quem são os personagens principais?

Não há um protagonista único. O livro apresenta várias personagens, cada uma com sua história, compondo um mosaico humano do povoado de Água Funda.

Por que ler Água Funda hoje?

Porque é uma obra que resgata e valoriza a cultura popular brasileira, além de oferecer uma crítica social sutil e uma linguagem rica. É leitura essencial para quem quer conhecer o Brasil profundo.

Conclusão: Água Funda, um Brasil que vive na memória

Água Funda, de Ruth Guimarães, é um romance que vai muito além da narrativa regional. É um testemunho da alma brasileira, uma celebração da cultura oral e uma denúncia delicada das dores que persistem em nossas raízes. Ao mesmo tempo em que encanta com sua linguagem poética e suas personagens vívidas, a obra também nos convida a refletir sobre o que fomos — e ainda somos — enquanto povo.

Com este romance, Ruth Guimarães ocupa com justiça o seu lugar entre os grandes nomes da nossa literatura. Ler Água Funda é beber da fonte do Brasil profundo, onde mito e realidade se entrelaçam em prosa que permanece atual, necessária e encantadora.

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