Pitágoras
(580-500 a.C.) não deve ser considerado fundador da chamada doutrina pitagórica dos
números (que surgiu mais tarde, no seio da sua escola), mas sim como um
reformador religioso. Era originário da Ilha jônica de Samos e fez grandes
viagens, que o levaram ao Egito e talvez à Babilônia, sede da antiga sabedoria
sacerdotal (1). Talvez cerca de 530, foi para a Itália do Sul e se estabeleceu
na aristocrática Crotona, onde fundou uma comunidade ou ordem religioso-moral,
que em breve se estendeu as outras cidades.
Esta
liga, foi comparada, e não sem motivo, à maçonaria. Era cultivado, tal como nos
mistérios órficos, uma crença religiosa. Os órficos estavam organizados em
comunidades religiosas, que adoravam o Deus trácio Dioniso, e cuja fundação
remonta ao poeta mítico Orfeu. Deles, sem dúvida, tomou Pitágoras a sua ideia
da transmigração das almas, doutrina de sentido ético que interpretava a
reencarnação como castigo ou recompensa de uma existência anterior. O
sentimento moral de Pitágoras combatia a religião dos poetas, tais como Homero,
pela sua falta de sinceridade. Exigia-se aos membros da comunidade uma rigorosa
submissão à autoridade, a abstenção de qualquer gozo sensível, e, em geral, dos
bens exteriores; a privação de certos manjares e, na vida política, uma atitude
estritamente aristocrática e conservadora (2). Pitágoras se ocupou também da matemática e da música. Os pitagóricos cultivavam, de fato, com grande aplicação,
aritmética e a geometria (3). (Criação da teoria das proporções, teorema de
Pitágoras). E da música, que consideravam como meio de excitar e acalmar os
sentimentos, se ocuparam, não só prática mas também teoricamente. Foi
fundamental e fecundíssimo neste sentido o descobrimento do mestre, segundo o
qual a altura dos sons depende do comprimento da corda vibrante. Daqui nasceu a
ideia de que a realidade inteira se
encontra estruturada por uma regularidade. Essa ideia encarnou naquele
jovem o fantástico pensamento, de uma maneira para nós pouco menos que incompreensível.
Viu-se, nos números, não só a expressão das relações entre as coisas reais, mas
também o seu núcleo e a sua própria essência.
Aquele pensamento, ainda pouco desenvolvido, julgava captar, por meio dos
conceitos abstratos (como o conceito de número), inevitáveis para pensar o
concreto, não abstrações (portanto, algo simplesmente pensado), mas coisas
reais. Por este motivo, tampouco se chegou a pensar os números na sua pureza
abstrata, pois foram representados na intuição sensível, por forma a
coincidirem os conceitos aritméticos e os geométricos. O ponto era equivalente
ao número 1; a linha, ao 2; a superfície, ao 3; os corpos, ao 4; e etc. (4). A
essência das figuras aparecia assim igual à dos números que designavam o
conjunto dos elementos espaciais nelas contidos; o espaço cósmico é o substrato
geral de todas as coisas, e cada uma das coisas particulares consiste em formas
geométricas regulares, distribuídas no espaço.
Além
disso, reduzem as relações numéricas não só a natureza exterior, os seus
elementos e as suas leis, (por exemplo: as propriedades da matéria, a relação
entre a altura dos sons e a dimensão da corda, a distância entre os planetas),
mas também as relações sociais e as
propriedades espirituais. A justiça
se equipara, por exemplo, com um número quadrado, porque a sanção recorda o
nascimento de um número por dois fatores iguais. Neste fenômeno cooperou a
significação mística dos números nas
religiões. Daqui deriva o fato de a cada um dos distintos números corresponder
distinto valor, e, por consequência, distinta significação para a realidade. O
número um, que é a origem de todos os números, deve conter também a origem dos
dois princípios opostos, que constituem o princípio do mundo: o limitado e o
ilimitado. Os números ímpares corresponde o limitado (e correlativamente o
limite) e o bom (assim como também o reto, o repouso, o luminoso e o
masculino); aos números pares corresponde o ilimitado, o mau (assim como o
curvilíneo, o movimento, o tenebroso e o feminino). O mundo se constitui por
estas oposições, mas os opostos se encontram ao mesmo tempo harmonicamente
reunidos numa ordem superior, num cosmos
(5). O fundamento, por assim dizer, vivente deste cosmos, de todas as suas
partes e relações, são os números, que (digamos uma vez mais) não são considerados
conceitos abstratos, mas coisas substanciais que atuam no espaço (6).
As
doutrinas dos pitagóricos foram sobretudo importantes para a evolução de uma
imagem exata do mundo, portanto, para a astronomia. Já Anaximandro atacava a
opinião, a primeira a surgir ante os homens, segundo a qual a Terra é um disco
sustentado por um suporte. Segundo ele, seria antes o fuste de uma coluna, mais
larga do que alta, girando livremente no centro do universo. Pitágoras lhe
atribui a forma esférica, assim como ao próprio céu e aos outros astros. Então
a terra se converteu numa estrela igual às demais. Mas os pitagóricos sabiam
também que o movimento diurno do Sol, da Lua é das estrelas é aparente; e, para
explicá-lo, supuseram que a terra se move, não em volta de seu eixo, mas ao
redor de um fogo central, juntamente com todos os outros astros. Esse fogo se
encontra na região da Terra para nós inacessível e inabitável; por isso
invisível aos homens. É o lar que dá vida, luz e calor; em torno dele dançam o
Sol, a Lua e as estrelas (7). E como as suas distâncias correspondem aos
intervalos musicais, e tudo o que se move rapidamente produz som, resulta que
todo o universo se encontra banhado numa celestial harmonia de esferas, que nós
não ouvimos, porque é permanente, e só as variações ou interrupções de um
excitante podem nos produzir sensações.
Pouco
a pouco foram se corrigindo estas fantásticas interpretações da doutrina dos
pitagóricos. E Kfantos, um dos mais jovens pitagóricos, ensinava já a rotação
axial da Terra, e Aristarco de Samos (século III a. C), o movimento da Terra em
redor do Sol; porque, crendo que este era sete vezes maior do que a Terra,
parecia inverossímil que um corpo grande girasse em torno de um pequeno (8).
Foi também da maior importância para o futuro o fato de os pitagóricos
considerarem a matemática como protótipo do conhecimento exato e seguro.
(1)
No Egito, a necessidade de medir o terreno depois das inundações do Nilo
favorecera notavelmente as disciplinas
matemáticas. Na Babilônia, a adoração das estrelas fomentou o estudo da
astronomia, mas os gregos foram os primeiros a cultivar estas disciplinas, não
com fins práticos ou religiosos, mas teóricos, quer dizer, pelo próprio
conhecimento.
(2)
Isto foi causa de que, quando a democracia venceu mais tarde nas cidades gregas
do sul da Itália, a liga pitagórica fosse perseguida a ferro e fogo e
dissolvida (cerca de 450).
(3)
Os mais importantes foram Filolau, em Tebas, e Arquitas, em Tarento; este
último ocupou na sua cidade uma posição semelhante à de Péricles, em Atenas.
(4)
Recorda-se a expressão, ainda hoje usual, de números quadrados e cúbicos. “Os
números são considerados, por toda a antiguidade, como unidades de massa, como
grandezas, distâncias, superfícies. A sua matemática é estereometria” (Spengler).
(5)
Esta denominação foi introduzida pela primeira vez pelos pitagóricos.
(6)
Assim, por exemplo, disse Filolau, no mais completo fragmento que dele se
conserva, que o 10, como soma dos quatro primeiros números, “tem uma grande
força, enche tudo, atua em tudo, e é começo e guia da vida divina, celestial e
humana”.
(7)
Se imaginava que os astros se encontravam cravados em abóbadas esféricas
cristalinas que se moviam circularmente. Para completar o sagrado número 10, se
admitia, além da Terra, a Lua, o Sol, os cinco planetas e o céu das estrelas
fixas, uma “antiterra”.
(8)
Com isto se haviam superado consideravelmente as aparências sensível. Mas
quanto faltava ainda para chegar a uma medição exata do diâmetro (r: 218)!
(August
MESSER, “História da Filosofia”, Editorial Inquérito: Lisboa, 1946 - obra em domínio público).
Parmênides, Zenão e os eleáticos
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