terça-feira, 7 de abril de 2020

Pitágoras e a sua escola - Nonas Filosóficas


Pitágoras (580-500 a.C.) não deve ser considerado fundador da chamada doutrina pitagórica dos números (que surgiu mais tarde, no seio da sua escola), mas sim como um reformador religioso. Era originário da Ilha jônica de Samos e fez grandes viagens, que o levaram ao Egito e talvez à Babilônia, sede da antiga sabedoria sacerdotal (1). Talvez cerca de 530, foi para a Itália do Sul e se estabeleceu na aristocrática Crotona, onde fundou uma comunidade ou ordem religioso-moral, que em breve se estendeu as outras cidades.


Esta liga, foi comparada, e não sem motivo, à maçonaria. Era cultivado, tal como nos mistérios órficos, uma crença religiosa. Os órficos estavam organizados em comunidades religiosas, que adoravam o Deus trácio Dioniso, e cuja fundação remonta ao poeta mítico Orfeu. Deles, sem dúvida, tomou Pitágoras a sua ideia da transmigração das almas, doutrina de sentido ético que interpretava a reencarnação como castigo ou recompensa de uma existência anterior. O sentimento moral de Pitágoras combatia a religião dos poetas, tais como Homero, pela sua falta de sinceridade. Exigia-se aos membros da comunidade uma rigorosa submissão à autoridade, a abstenção de qualquer gozo sensível, e, em geral, dos bens exteriores; a privação de certos manjares e, na vida política, uma atitude estritamente aristocrática e conservadora (2). Pitágoras se ocupou também da matemática e da música. Os pitagóricos cultivavam, de fato, com grande aplicação, aritmética e a geometria (3). (Criação da teoria das proporções, teorema de Pitágoras). E da música, que consideravam como meio de excitar e acalmar os sentimentos, se ocuparam, não só prática mas também teoricamente. Foi fundamental e fecundíssimo neste sentido o descobrimento do mestre, segundo o qual a altura dos sons depende do comprimento da corda vibrante. Daqui nasceu a ideia de que a realidade inteira se encontra estruturada por uma regularidade. Essa ideia encarnou naquele jovem o fantástico pensamento, de uma maneira para nós pouco menos que incompreensível. Viu-se, nos números, não só a expressão das relações entre as coisas reais, mas também o seu núcleo e a sua própria essência. Aquele pensamento, ainda pouco desenvolvido, julgava captar, por meio dos conceitos abstratos (como o conceito de número), inevitáveis para pensar o concreto, não abstrações (portanto, algo simplesmente pensado), mas coisas reais. Por este motivo, tampouco se chegou a pensar os números na sua pureza abstrata, pois foram representados na intuição sensível, por forma a coincidirem os conceitos aritméticos e os geométricos. O ponto era equivalente ao número 1; a linha, ao 2; a superfície, ao 3; os corpos, ao 4; e etc. (4). A essência das figuras aparecia assim igual à dos números que designavam o conjunto dos elementos espaciais nelas contidos; o espaço cósmico é o substrato geral de todas as coisas, e cada uma das coisas particulares consiste em formas geométricas regulares, distribuídas no espaço.

Além disso, reduzem as relações numéricas não só a natureza exterior, os seus elementos e as suas leis, (por exemplo: as propriedades da matéria, a relação entre a altura dos sons e a dimensão da corda, a distância entre os planetas), mas também as relações sociais e as propriedades espirituais. A justiça se equipara, por exemplo, com um número quadrado, porque a sanção recorda o nascimento de um número por dois fatores iguais. Neste fenômeno cooperou a significação mística dos números nas religiões. Daqui deriva o fato de a cada um dos distintos números corresponder distinto valor, e, por consequência, distinta significação para a realidade. O número um, que é a origem de todos os números, deve conter também a origem dos dois princípios opostos, que constituem o princípio do mundo: o limitado e o ilimitado. Os números ímpares corresponde o limitado (e correlativamente o limite) e o bom (assim como também o reto, o repouso, o luminoso e o masculino); aos números pares corresponde o ilimitado, o mau (assim como o curvilíneo, o movimento, o tenebroso e o feminino). O mundo se constitui por estas oposições, mas os opostos se encontram ao mesmo tempo harmonicamente reunidos numa ordem superior, num cosmos (5). O fundamento, por assim dizer, vivente deste cosmos, de todas as suas partes e relações, são os números, que (digamos uma vez mais) não são considerados conceitos abstratos, mas coisas substanciais que atuam no espaço (6).

As doutrinas dos pitagóricos foram sobretudo importantes para a evolução de uma imagem exata do mundo, portanto, para a astronomia. Já Anaximandro atacava a opinião, a primeira a surgir ante os homens, segundo a qual a Terra é um disco sustentado por um suporte. Segundo ele, seria antes o fuste de uma coluna, mais larga do que alta, girando livremente no centro do universo. Pitágoras lhe atribui a forma esférica, assim como ao próprio céu e aos outros astros. Então a terra se converteu numa estrela igual às demais. Mas os pitagóricos sabiam também que o movimento diurno do Sol, da Lua é das estrelas é aparente; e, para explicá-lo, supuseram que a terra se move, não em volta de seu eixo, mas ao redor de um fogo central, juntamente com todos os outros astros. Esse fogo se encontra na região da Terra para nós inacessível e inabitável; por isso invisível aos homens. É o lar que dá vida, luz e calor; em torno dele dançam o Sol, a Lua e as estrelas (7). E como as suas distâncias correspondem aos intervalos musicais, e tudo o que se move rapidamente produz som, resulta que todo o universo se encontra banhado numa celestial harmonia de esferas, que nós não ouvimos, porque é permanente, e só as variações ou interrupções de um excitante podem nos produzir sensações.

Pouco a pouco foram se corrigindo estas fantásticas interpretações da doutrina dos pitagóricos. E Kfantos, um dos mais jovens pitagóricos, ensinava já a rotação axial da Terra, e Aristarco de Samos (século III a. C), o movimento da Terra em redor do Sol; porque, crendo que este era sete vezes maior do que a Terra, parecia inverossímil que um corpo grande girasse em torno de um pequeno (8). Foi também da maior importância para o futuro o fato de os pitagóricos considerarem a matemática como protótipo do conhecimento exato e seguro.

(1) No Egito, a necessidade de medir o terreno depois das inundações do Nilo favorecera notavelmente as disciplinas matemáticas. Na Babilônia, a adoração das estrelas fomentou o estudo da astronomia, mas os gregos foram os primeiros a cultivar estas disciplinas, não com fins práticos ou religiosos, mas teóricos, quer dizer, pelo próprio conhecimento.

(2) Isto foi causa de que, quando a democracia venceu mais tarde nas cidades gregas do sul da Itália, a liga pitagórica fosse perseguida a ferro e fogo e dissolvida (cerca de 450).

(3) Os mais importantes foram Filolau, em Tebas, e Arquitas, em Tarento; este último ocupou na sua cidade uma posição semelhante à de Péricles, em Atenas.

(4) Recorda-se a expressão, ainda hoje usual, de números quadrados e cúbicos. “Os números são considerados, por toda a antiguidade, como unidades de massa, como grandezas, distâncias, superfícies. A sua matemática é estereometria” (Spengler).

(5) Esta denominação foi introduzida pela primeira vez pelos pitagóricos.

(6) Assim, por exemplo, disse Filolau, no mais completo fragmento que dele se conserva, que o 10, como soma dos quatro primeiros números, “tem uma grande força, enche tudo, atua em tudo, e é começo e guia da vida divina, celestial e humana”.

(7) Se imaginava que os astros se encontravam cravados em abóbadas esféricas cristalinas que se moviam circularmente. Para completar o sagrado número 10, se admitia, além da Terra, a Lua, o Sol, os cinco planetas e o céu das estrelas fixas, uma “antiterra”.

(8) Com isto se haviam superado consideravelmente as aparências sensível. Mas quanto faltava ainda para chegar a uma medição exata do diâmetro (r: 218)!

(August MESSER, “História da Filosofia”, Editorial Inquérito: Lisboa, 1946 - obra em domínio público).

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