quinta-feira, 5 de março de 2020

Filósofos naturalistas jônicos - parte 2 - Nonas Filosóficas

O terceiro dos jônicos, Anaxímenes (588-524) encontra no ar (quer dizer, no estado gasoso) o princípio original de tudo. A terra, a água e as nuvens são condensações; o fogo é dilatação do ar, o qual, por sua vez, é o suporte de toda a vida, a alma cósmica ativa. Admite, com Anaxágoras, que este mundo visível, com todas as coisas particulares que nele estão contidas, tendo nascido de uma matéria primitiva, há de acabar também por volver a ela, recomeçando então o processo universal (1). Não compartilha as ideias astronômicas, relativamente desenvolvidas, de Anaximandro. Crê que a Terra é um disco que flutua no oceano gasoso, e o céu uma abóbora hemisférica cristalina, na qual se encontram as estrelas fixas como cravos, e que gira ao redor da Terra, como “o chapéu ao redor da cabeça”. O Sol se move na região norte da Terra, de Oeste a Leste, e durante a noite fica oculto atrás de enormes montanhas.


Os pensamentos filosóficos desta filosofia da natureza dos jônicos se distinguem das anteriores especulações cosmogônicas em não personificarem a natureza e os seus elementos, nem os reduzirem a manifestações de fictícias divindades pessoais, nem os descreverem como ações destas, pois tentam encontrar o supra-histórico, o permanente na mudança dos fenômenos.

Então surge pela primeira vez o conceito de substância. Começa-se a observar que as variações, os acontecimentos, não podem ser pensados de uma maneira determinada, senão supondo algo de permanente, no qual se realizam. Mas enquanto para Tales e Anaxímenes, a substância é algo perceptível pelos sentidos (água, ar), Anaximandro supera, com o seu conceito de apeiron, a percepção sensível. Esta filosofia jônica possui ainda um certo caráter religioso-místico. Considera a matéria como algo divino, e o cosmos, com um conjunto dos seus fenômenos, aparece como uma evolução da substância divina.

Pode se ver nisto uma espécie de equação, entre Deus e o cosmos (isto é, panteísmo), que se confirma tendo em conta que a arché (a substância primordial) não pode se equiparar com o conceito científico moderno de matéria passiva (a “matéria”). Naturalmente, pensa o jônico que a matéria está dotada de força e inclusive de vida. Os fenômenos cósmicos aparecem assim como processos vitais, que se creem conhecidos quando se sabe qual a matéria que lhes serve de fundamento. Por isso, e por se encontrarem reunidos indistintamente na arché os conceitos de matéria, força e vida, se chamou à filosofia jônica hilozoísmo (animação da matéria, de hylé, matéria, e zoon, vivente). Isso não obsta, naturalmente, a que em Anaxímenes se inicie a distinção entre a pura (passiva) matéria como tal e a matéria vivente, designada propriamente pelo ar. Além disso, a ideia de que há um princípio vital na base do mundo é a hipótese que acompanha toda a evolução da filosofia grega.

(1) Esta doutrina, em Anaximandro, tem ainda um caráter moral-religioso. A existência dos seres singulares é, de certo modo, considerada ilícita; estes seres expiam a sua injustiça por meio da sua perdição e aniquilamento.

(August MESSER, “História da Filosofia”, Editorial Inquérito: Lisboa, 1946. Obra em domínio público).




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