O terceiro dos jônicos, Anaxímenes (588-524) encontra no ar (quer dizer, no estado gasoso) o princípio original de tudo. A terra, a água e as nuvens são condensações; o fogo é dilatação do ar, o qual, por sua vez, é o suporte de toda a vida, a alma cósmica ativa. Admite, com Anaxágoras, que este mundo visível, com todas as coisas particulares que nele estão contidas, tendo nascido de uma matéria primitiva, há de acabar também por volver a ela, recomeçando então o processo universal (1). Não compartilha as ideias astronômicas, relativamente desenvolvidas, de Anaximandro. Crê que a Terra é um disco que flutua no oceano gasoso, e o céu uma abóbora hemisférica cristalina, na qual se encontram as estrelas fixas como cravos, e que gira ao redor da Terra, como “o chapéu ao redor da cabeça”. O Sol se move na região norte da Terra, de Oeste a Leste, e durante a noite fica oculto atrás de enormes montanhas.
Os
pensamentos filosóficos desta filosofia da natureza dos jônicos se distinguem
das anteriores especulações cosmogônicas em não personificarem a natureza e os
seus elementos, nem os reduzirem a manifestações de fictícias divindades
pessoais, nem os descreverem como ações destas, pois tentam encontrar o supra-histórico,
o permanente na mudança dos fenômenos.
Então
surge pela primeira vez o conceito de substância. Começa-se a observar que as
variações, os acontecimentos, não podem ser pensados de uma maneira determinada,
senão supondo algo de permanente, no qual se realizam. Mas enquanto para Tales
e Anaxímenes, a substância é algo perceptível pelos sentidos (água, ar), Anaximandro
supera, com o seu conceito de apeiron,
a percepção sensível. Esta filosofia jônica possui ainda um certo caráter
religioso-místico. Considera a matéria como algo divino, e o cosmos, com um
conjunto dos seus fenômenos, aparece como uma evolução da substância divina.
Pode
se ver nisto uma espécie de equação, entre Deus e o cosmos (isto é, panteísmo),
que se confirma tendo em conta que a arché
(a substância primordial) não pode se equiparar com o conceito científico
moderno de matéria passiva (a “matéria”). Naturalmente, pensa o jônico que a
matéria está dotada de força e inclusive de vida. Os fenômenos cósmicos
aparecem assim como processos vitais, que se creem conhecidos quando se sabe
qual a matéria que lhes serve de fundamento. Por isso, e por se encontrarem reunidos
indistintamente na arché os conceitos
de matéria, força e vida, se chamou à filosofia jônica hilozoísmo (animação da
matéria, de hylé, matéria, e zoon, vivente). Isso não obsta,
naturalmente, a que em Anaxímenes se inicie a distinção entre a pura (passiva)
matéria como tal e a matéria vivente, designada propriamente pelo ar. Além
disso, a ideia de que há um princípio vital na base do mundo é a hipótese que
acompanha toda a evolução da filosofia grega.
(1)
Esta doutrina, em Anaximandro, tem ainda um caráter moral-religioso. A existência
dos seres singulares é, de certo modo, considerada ilícita; estes seres expiam
a sua injustiça por meio da sua perdição e aniquilamento.
(August
MESSER, “História da Filosofia”, Editorial Inquérito: Lisboa, 1946. Obra em domínio público).
Nenhum comentário:
Postar um comentário