segunda-feira, 25 de maio de 2020

Taoismo - Série Religiões


Lao-Tsé é contemporâneo de Confúcio e teria nascido em Lu-Yi, no século 5 a. C. Mas, na verdade, nada se sabe exatamente sobre a sua vida nem mesmo se realmente existiu. No entanto, se atribui a ele a fundação de uma escola de filosofia na cidade de Pei, que mais tarde se transformou numa religião. Lao-Tsé expôs o seu pensamento no livro intitulado Tao-Te-King (Tao: ser supremo, caminho para atingir a felicidade; Te: virtude que Brota da natureza).

Taoismo
Yin Yang
Deixai-me ter conhecimento profundo e caminhas pelo grande caminho (Tao); apenas, receio me desviar. O grande caminho é muito plano e fácil, mas as pessoas preferem os atalhos. Enquanto os palácios reais são muito bem conservados, os campos são deixados cobertos de ervas daninhas, e os celeiros vazios. Usar vestes bordados, trazer espadas afiadas, saciar-se com bebidas e comidas, possuir riquezas supérfluas, isso se chama estímulo ao roubo. Não é se desviar do Tao? (Tao-Te-King).

O objetivo primordial do indivíduo é entendido como a procura da obtenção pela paz absoluta e pela completa submissão à natureza, cujos valores são a pureza, simplicidade, serenidade e unidade, entre os opostos. O Ch’i ou Qi representa a energia vital que faz com que todos os seres humanos vivam e se conectem com o universo para alcançar a imortalidade.

Os ensinamentos de Lao-Tse visam atingir a harmonia com Tao, sendo, para isto, necessário o abandono da civilização e o regresso à natureza, que é fundamentalmente boa.

Viva e deixe viver. Não faça a guerra; pague sempre o mal com o bem, porque o amor é vitorioso no ataque e invulnerável na defesa. Viva em harmonia com a natureza, repudio o egoísmo, se quer se unir ao Supremo - Tao. (Tao-Te-King).

A natureza é constituída pelo princípio do Yin Yang, forças opostas e complementares, nas quais uma não existe sem a outra, mas subsistem em harmonia, tais como o masculino e o feminino, a luz e a escuridão, o dia e a noite, a ação e a inação etc. O Yang representa o lado claro, masculino e ativo. O Yin, o lado escuro, o feminino e a passividade.

A inação (Wu Wei) é um conceito central no Tao, e, portanto, assim como outras religiões, também prega o amor incondicional ao próximo.

Paga amor pelo grande ódio. De outro modo, quando um grande ódio é reconciliado, algo dele permanecerá. Como pode isso terminar em bondade? Portanto, o sábio cumpre a parte que lhe compete do acordo, mas não exija que o outro o faça. O virtuoso recorre ao acordo, o iníquo recorre à exação. “O Tao do céu não mostra parcialidade; ele sempre está com os homens bons”. (Tao-Te-King).

A soberana indiferença é atitude que vai caracterizar o sábio taoista, que ensina, como já assinalado, a “não-ação”. Tal princípio deveria reger os governos e Estados, desviando-os da corrupção inerente. Guerras convenções e cerimônias são igualmente tidos como destrutivos por não serem fatos artificiais.

A não exaltação dos dignos afasta o povo da emulação. A não valorização das coisas raras o afasta do furto. A não exibição do que é desejável o afasta da confusão. Portanto, o sábio governa esvaziando os seus corações, enchendo os seus estômagos, enfraquecendo as suas ambições e fortalecendo os seus ossos. Sempre os impede de saber o que é mau e desejar o que é bom; assim priva os astuciosos da oportunidade de agir. Governo pela não-ação; consequentemente nada há não governado. (Tao-Te-King).

Sua semelhança com o budismo acabou facilitando a difusão na China do hinduísmo, e para resistir a ela o taoísmo se organizou também como religião (século I), adotando sacerdotes, deuses e um código moral próprio.

Tao está sempre inativo e, no entanto, nada há que não faça. Se os príncipes e reis pudessem fazer isso, todas as coisas se desenvolveriam por si. Quando se desenvolvem, surgem nelas o desejo. Eu as restringiriam pela Simplicidade anônima. A fim de torná-las livres do desejo. Livres do desejo descansariam, e o mundo por si só se retificaria. (Tao-Te-King).

Taoismo

O taoismo é o conjunto das doutrinas filosófico-místicas de Lao-Tsé, coordenadas e organizadas por Zhang Daoling (34-156 d.C). Mais tarde, ao lado de Tao, apareceram muitas outras divindades, espíritos, demônios e dragões (da água, da terra, das colheitas, das plantas etc.), práticas mágicas e superstições que eram celebrados com ritos e funções à base de sacrifício, de fumo de incenso e de muita festa do povo que se sentia parte integrante da natureza.

O Tao que pode ser expressado não é o Tao. O nome que pode ser definido não é o nome imutável. Não-existência é chamado o antecedente do céu e da terra. Existência é a mãe de todas as coisas. Da eterna existência vemos claramente as aparentes distinções. Essas duas são a mesma na fonte e tornaram-se diferentes quando manifestadas. Essa identidade é chamada profundidade infinita é a porta de onde vem o começo de todas as coisas. (Tao-Te-King).

O paraíso é composto por oitenta e um céus, povoados de deuses e deusas (da riqueza, da cozinha, da cidade...). Os fiéis chegam lá depois de Através de várias reencarnações, os fiéis o alcançam. O Deus supremo é o "Imperador de Jada", inventado pelo Imperador Chang Tsung, por motivos políticos. Muitos mestres taoistas se desprenderam do pensamento de Lao-Tse e atribuíram a si mesmos poderes sobrenaturais, como adivinhar o futuro, desencadear tempestades, prolongar a vida com exercícios respiratórios, dietas etc. Alguns se retiraram da vida mundana para se tornarem ascetas e eremitas.


sexta-feira, 15 de maio de 2020

Little Richard - Pioneiros do Rock'n'Roll


De origem humilde, Richard Wayne Penniman nasceu em 5 de dezembro de 1932, em Macon, Geórgia. Seu pai, Bud, era traficante de whisky, numa época em que vigorava a lei seca. Incentivado pela mãe, Richard recebeu aulas de piano. De família religiosa, frequentava a Igreja Adventista do Sétimo Dia, no sul dos Estados Unidos, onde o avô e dois tios eram pastores. Na igreja Richard aprendeu a tocar música gospel.

Pioneiros do rock

Aos 13 anos, seu pai, que era um homem bastante severo, o expulsou de casa, escandalizado pelas brincadeiras efeminadas do filho. Richard passou a residir na casa de uma família branca, proprietária de um clube em Macon, no qual o rapaz pôde se apresentar e mostrar o seu raro talento.

Richard teve sua primeira grande chance quando, durante uma apresentação em uma estação de rádio em Atlanta, assinou contrato com a gravadora RCA. Todavia, um repertório morno de música blues, que não o libertava para grandes voos e, com isso, soltar a voz estridente e o toque extravagante do piano, não alavancou a carreira Richard.

No ano de 1952, aos 14 anos, Richard conheceu o intérprete Sugarfoot Sam do Alabama e passou a tocar vestido de mulher em comédias itinerantes do tipo teatro de vaudeville. Pouco depois, já seguindo carreira solo, é apresentado a Billy Wright, conhecido por "Príncipe do Blues" e o qual o inspirou no visual e na música. Wright lhe propõe o nome artístico Little Richard.

Em 1955, o produtor Art Rupe procurava um pianista para liderar um grupo de músicos de Nova Orleans e, ao travar contato com Little Richard, juntamente com outro produtor, Robert "Bumps" Blackwell, resolve gravar o jovem músico. Após algumas gravações que não agradaram "Bumps", Richard improvisou "Tutti Frutti" (que na gíria significa “gay”), uma de suas antigas canções composta com uma letra pra lá de obscena. Para veicular a canção comercialmente, houve a evidente necessidade de alterar a letra, mas o estribilho, que iniciava a música e que não diz nada com nada, “a-wop-bop-a-loo-bop-a-boom-bam-boom”, ficaria registrado para todo o sempre como o bordão mais significativo da história do rock.

"Tutti Frutti" foi um sucesso instantâneo, alcançando a 17ª. posição nas paradas da Billboard.

Little Richard ainda produziu mais hits, incluindo "Long Tall Sally", "Good Golly Miss Molly" e "Send Me Some Lovin'". Com um toque enérgico no piano e letras sugestivas, Little Richard, junto com Elvis Presley e Jerry Lee Lewis, estabeleceram as bases do rock como gênero musical próprio e inspiraram muitos outros artistas.

Além da música, Little Richard também atuou em vários filmes de rock, como Don´n Knock the Rock (1956), The Girl Can't Help It (1957) e Mister Rock'n'Roll (1957).

Mas, no auge do sucesso, Little Richard se deparou rodeado por muitas dúvidas relativas ao mundo do rock e, certamente, alimentadas por sua formação religiosa. Em 1957, ele parou abruptamente de tocar rock e começou a gravar música gospel, sendo o primeiro álbum religioso God Is Real, lançado em 1959.

Em 1964, após os Beatles gravarem "Long Tall Sally", Little Richard volta à cena do rock. Os Rolling Stones e os Beatles foram seus grandes entusiastas e incentivadores. O próprio Paul McCartney declarou anos mais tarde (1982) toda a sua admiração pelo astro do rock: "Minha primeira apresentação em público foi tocando "Long tall Sally". Quando os Beatles começaram, nós acompanhamos o Little Richard em turnê por Liverpool e Hamburgo. Para mim, é um dos reis do rock’n’roll".

Em 1986, Little Richard foi indicado para o Hall da Fama do Rock’n’Roll. Ele também foi agraciado com o Lifetime Achievement Award da Academia Nacional de Artes e Ciências de Gravação em 1993, e um ano depois a Rhythm & Blues Foundation o homenageou com seu prestigioso Pioneer Award.

Valeu Little Richard!!!

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Parmênides e Zenão: os Eleáticos - Nonas filosóficas

Enquanto no princípio cósmico (arché) da filosofia natural jônica estavam ainda confundidos os dois movimentos da conservação e da variação, ambos os conceitos vão se separar no desenvolvimento ulterior do pensamento filosófico. O conceito do ser, uno e invariável, será o conceito fundamental dos eleáticos. O conceito do eterno devir, pelo contrário, dominará na filosofia de Heráclito.


Um predecessor dos eleáticos foi Xenófones de Colofonte (570-480). A Crítica, livre e ampla, que fez as concepções religiosas e morais do povo, contribuiu para que, por causa da conquista da Jônia pelos persas (545), abandonasse a sua pátria, percorrendo até a velhice toda a Grécia como poeta ambulante. Enchia-o de mau humor o fato dever que gente de espírito tosco, vencedoras nos torneios, nas corridas pedestres, e nas de carros, fossem objeto da mais alta estima. "É injusto preferir a força do corpo a da boa sabedoria", dizia ele. E ainda: "vale mais a nossa sabedoria do que a força do homem e do cavalo".

A sua consciência moral, mas de exigente, protestava contra os excessos dos deuses, tais como Homero e Hesíodo os descrevem. Os homens não podem aprender destes deuses senão "o roubo, o adultério e o mútuo engano". Em geral, tende a superar a interpretação antropomórfica (ou humanizadora) do divino. "Se os bois ou os leões pudessem fabricar estátuas, representariam os deuses como bois ou leões". Não nega em absoluto a multidão de deuses, mas afirma a unidade do governo do universo: há um deus,  que é o maior de todos, e não é igual à forma e ao pensamento humanos. Não é um deus exterior e superior ao mundo, antes o interpreta num sentido algo panteísta, como um espírito universal, que anima todo o mundo, sem deixar de possuir certos caracteres materiais e humanos. "Ele vê tudo, ouve tudo, pensa tudo". "Eternamente permanente no mesmo sítio; todo movimento lhe é estranho, porque nada o força a se mudar de aqui para além". "É uma quimera os mortais crerem que os deuses nascem e possuem as sensações, a voz e a forma dos mortais".

Influenciando pelo panteísmo de Xenófones, assim como pela doutrina dos pitagóricos, encontramos Parmênides de Eleia (no sul da Itália), pensador original (1). Já nas doutrinas dos jônicos dominava a tendência para ir além do mundo dado aos sentidos, com todas as suas mudanças, por meio de uma substância permanente e fundamental. Mas consideravam ainda esta como algo vivente, que produz as múltiplas formas e variações do mundo dos sentidos. Parmênides, pelo contrário, procura determiná-la com todo o rigor, como o quê permanece idêntico a si mesmo, o especialmente permanente. "Como poderia o que é chegar a esgotar-se? Como poderia nascer?" "Não te permitirei que digas ou penses que procede do não ser, porque o não ser é inefável e impensável". "Também é proibido, pela força da evidência, crer que, junto do que é, haja algo distinto dele". O que é, é portanto inacessível e imortal, subtraído até à "mudança de lugar e de cor"; é "um todo indivisível, uno, compacto, igual a si mesmo em qualquer parte, que não é mais aqui e menos ali (incapaz, portanto, de condensação), semelhante à carga de uma esfera perfeitamente redonda e homogênea". Mas esta esfera não se move num espaço vazio, porque então haveria um segundo ser. Pois bem: não pode haver vários seres, porque para separá-los seria necessário a existência de algo que não é, e o não ser não existe. O que é, é, portanto, eterna unidade.

Parmênides

O conceito cujo esclarecimento por meio do pensamento se intenta aqui de maneira tão enérgica como rude - era necessário criar antes uma linguagem filosófica - é o conceito do que se conserva, o conceito de substância, cuja significação preocupava já os jônicos (§ 2, conclusão ). A importância deste conceito para a interpretação científica da natureza se revela no fato de ser a conservação da matéria e da energia ainda hoje o suposto fundamental da ciência moderna da natureza. Pois bem: este princípio não diz outra coisa senão que a matéria e a energia são "substâncias". Com esta tendência para interpretar a realidade como substância se encontra em Parmênides o pressentimento da lei suprema do pensar (a identidade, A = A), assim como também é inegável o apelo a experiência sensível: posto que, à semelhança da esfera celeste, crê que o ser é uma esfera sólida, homogênea. Mas desde o momento em que não distingue entre o ser e o espaço, era de esperar que Parmênides concebesse o ser como infinito. Mas isto repugnava ao sentido estético da plástica grega e à ingênua hipótese, arraigada no seu pensamento, segundo a qual somente podem existir, na realidade, as coisas dotadas de valores ótimos. O informe, o indeterminado, por assim dizer inacabado, parecia aos gregos desprovido de valor e, portanto, inexistente.

O ser, pelo contrário, era para eles a esfera perfeitamente redonda, limitada, a bela forma. Finalmente, revela-se a deficiente análise dos conceitos em que este ser não é já puramente material, mas vai também compreendendo a pouco e pouco caracteres espirituais.

Visto que o ser é uno e imutável, toda a multiplicidade, todo o devir, toda a variação é apenas aparência e ilusão. Portanto, os eleáticos representam a mais autêntica tendência para um monismo rígido; somente "é", só "existe" realmente o uno, o absolutamente quiescente, o que permanece sempre idêntico a si mesmo. O mundo inteiro dos sentidos, com a sua multidão de coisas e propriedades, as suas incessantes mutações e radicais transformações, não existe. Nessa doutrina tão assombrosa se manifesta, porém, a total insuficiência do conceito de um ser sem propriedades, para pensar adequadamente a realidade.

Sem dúvida, os eleáticos não se assustam ante o que há de paradoxal nas suas doutrinas; afirmam que a percepção sensível, que nos representa a multiplicidade e a variação, é puramente subjetiva e, portanto, ilusória. Pela primeira vez na história, ensina-se que somente o pensar nos faz conhecer o conteúdo verdadeiro e objetivo das coisas; pois "o mesmo é pensar e ser", isto é: unicamente o ser verdadeiro (e não o não ser) pode ser pensado. E reciprocamente, só por meio do pensar podemos chegar ao ser.

Ao dizer visto, Parmênides esquece, sem dúvida, que a sua certeza da existência de uma realidade, que enche o espaço todo, repousa somente na percepção sensível.

Além disso, poderia dirigir-se-lhe a seguinte crítica: para pensar é preciso pensar em algo. Se se chama a este algo o ser, então coincidirão o "pensar" e "o pensar do ser". Pensamento (mais exatamente: "conteúdo do pensamento") e "ser" seriam idênticos.

(Se se pretende que o pensar e o ser no sentido estrito são idênticos, desaparece o dualismo entre a consciência e o seu objeto, dualismo que é essencial ao conhecimento).

Mas os eleáticos identificaram, simplesmente, o ser com o ser real, sendo assim que o ser, em geral, compreende além disso tudo o que é puramente pensado, irreal ou, simplesmente, "válido". Se em contraposição ao real chegamos a tudo isto "não ser", então poderemos dizer que pensamos ou não ser. (O melhor, certamente, é distinguir o ser ideal do ser real).

Além disso, Parmênides não pode deixar de tropeçar na percepção sensível e na opinião (doxa) nela fundada, e atribuir uma certa "existência aparente" ao mundo percebido, que não pode ser posto de parte pela filosofia. O seu poema "Sobre a Natureza" - do qual se conservam somente fragmentos - divide-se, pois, em duas partes: uma que trata da doutrina da verdade, e outra da doutrina da aparência. Enquanto a primeira desenvolve a teoria do ser que acabamos de expor, a segunda contém uma cosmogonia semelhante à de Anaximandro. Na medida em que somos homens, o mundo da "opinião" ("o mundo como representação", como diria Schopenhauer) tem realidade para nós. Aqui aparece, pela primeira vez entre os gregos, a teoria dos "dois mundos". O mundo intuitivo que nos circunda, o único que nos é dado na percepção, e de cuja realidade é praticamente não podemos duvidar, fica rebaixado ao nível de mundo aparente. O mundo verdadeiro, pelo contrário, é uma realidade oculta aos sentidos e acessível tão só ao pensamento. Com isso, o monismo eleático converte-se, no fundo, a um dualismo. Os opostos engendram o mundo sensível. De um lado encontra-se o luminoso, o cálido, o leve, o tênue, o ativo, ou masculino. Do outro, obscuro, o frio, o pesado, o denso, o passivo, o feminino. Por isto, todo o seu conhecimento se reduz ao conhecimento das oposições e da sua recíproca dependência (relatividade). Desta maneira, na escola jônica em que predomina a teoria da natureza (física), encontra-se o começo da reflexão sobre o conhecimento e sobre o que se encontra escondido por trás da natureza. Por isso é Parmênides o fundador da teoria do conhecimento e da metafísica. O quadro oposições pitagóricas pode ter influído neste ponto.


Entre os discípulos de Parmênides merece especial atenção Zenão de Eleia (provavelmente 490-430). Partilha a doutrina do ser do seu mestre, pondo em relevo as contradições existentes nos conceitos de espaço vazio e de movimento. Opõe a seguinte objeção ao conceito de espaço: se o ser se encontra num espaço vazio, este deverá ser algo e, portanto, deverá encontrar-se por sua vez no espaço vazio, e assim sucessivamente, até ao infinito (2).

Intenta provar da seguinte maneira que é impossível o movimento, isto é, a deslocação de um segmento qualquer: antes que se deslocasse a segunda metade do segmento, teve que deslocar-se a primeira, antes que a segunda metade desta primeira se desloque, terá que ter se deslocado a primeira, e assim sucessivamente. Portanto, se considerarmos uma parte qualquer do segmento, que não contenha o extremo inicial, veremos que contém infinitas partes que não podem se deslocar antes que o tenham feito outras.

Em confirmação da refutação do conceito de movimento, aduz Zenão a prova de que o mais rápido corredor, Aquiles, nunca poderá alcançar uma tartaruga. Suponhamos que Aquiles anda dez vezes mais depressa que a tartaruga, mas que esta sai com um metro de avanço. Enquanto Aquiles percorre este metro, a tartaruga terá progredido um certo segmento (1/10 m); enquanto aquele percorre este novo segmento, a tartaruga adiantar-se-á outro segmento (1/100 m) e assim até ao infinito (3). Ao raciocinar assim esquece que uma grandeza não deixa de ser finita pelo fato de ser infinitamente divisível (4).

Outra dificuldade (aporia) do movimento é a seguinte: uma flecha que voa se encontra em repouso. Demonstração: em cada momento do tempo ocupa a flecha um determinado espaço. Mas ocupar um lugar determinado do espaço se chama estar em repouso. Como será possível obter o movimento com vários repousos?

Contra isto haveria a observar que um corpo que se move continuamente nunca se encontra num lugar, por pequena que seja a parte de tempo que se pense, mas está sempre em transição de um lugar para o outro. O movimento, por breve que se suponha, será sempre movimento e nunca repouso. O movimento não pode se compor ou derivar-se de imobilidades. Mas se se considerasse um momento estritamente inextenso de tempo, então não se poderia dizer que a flecha se move nem que está em repouso; porque movimento e repouso só podem se dar onde há uma pluralidade (pelo menos uma dualidade) de movimentos sucessivos, nos quais a coisa está no mesmo ou em destinto lugar. Analogamente, o contínuo não pode se conceber como é formado pela adição de unidades separadas (discretas) (5). O conceito de continuidade é, logicamente (isto é, por motivo do seu conteúdo), anterior ao de descontinuidade. Por isso, o conceito de duração (que é continuidade) é anterior ao conceito de ponto temporal (instante, momento). É unicamente o limite de um segmento temporal, algo distinto do contínuo. É, com efeito, característico da consciência do tempo, pensar a pluralidade de momentos temporais separados, como imersa num lapso contínuo de tempo. Se se intentar pensar o movimento como uma série de posições estáticas no espaço, deixa-se, por esse simples fato, de pensar no movimento. Nem os seguimentos temporais, nem os espaciais, podem se considerar compostos de pontos inextensos.

Com razão chama Aristóteles a Zenão descobridor dá Dialética (arte da conversação científica, da "disputa").

(1) As indicações sobre a data do seu nascimento situam-se em 540. Provavelmente, a doutrina do ser, de Parmênides, influenciou a seu turno as teorias de Xenófanes.

(2) A isto haveria a que se observar que o lugar pertence à coisa; que a espacialidade pode ser uma determinação do ser (do real), mas não necessita por isso de ser algo real em si mesma.

(3) De fato, alcança-o depois de ter percorrido 1/9 m, pois como Aquiles corre dez vezes mais depressa, percorre durante este tempo 10/9 m (= 1 + 1/9 m). Isto não basta para uma refutação filosófica de Zenão, mas se trata unicamente de provar que o que é um fato indiscutível pode também pensar-se sem contradição lógica.

(4) A série infinita 1/10 + 1/100 + 1/1000 + .... não suporta o valor de 1/9.

(5) Os problemas aqui apresentados foram tratados mais tarde pelo cálculo infinitesimal.

(August MESSER, “História da Filosofia”, Editorial Inquérito: Lisboa, 1946 - obra em domínio público).

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