segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Max Weber e a sociologia em Homero

O poeta grego Homero teria nascido em Esmirna ou na ilha de Quios, no século IX a.C., e é tido como o autor da Ilíada e Odisseia. Sua vida está envolta por inúmeros mistérios e lendas, inclusive, a de que era cego. A poesia homérica era recitada em quase todas as ocasiões festivas, constituindo-se fundamentalmente em uma referência étnica, estética e ética da sociedade grega. Suas epopeias constituem o mito fundador da Grécia, perpassando por toda Era Helenística. Além de estabelecerem um marco inicial da literatura ocidental, os poemas também formam um importante registro de fatos históricos da Grécia arcaica, evidentemente, sob a perspectiva da religião e do mito. O universo mitológico de Homero, enquanto sistematização pedagógica, será objeto de oposição, principalmente, pela filosofia socrático-platônica, do século V a.C. ao século IV a.C. Alguns estudiosos negam que Homero tenha existido de fato; outros acreditam que ele compilou poesias populares que eram transmitidas oralmente de geração após geração. A despeito das controvérsias em torno da pessoa de Homero, toda a poesia épica ocidental, da Eneida, de Virgílio, aos Os Lusíadas, de Camões, ou ao Ulisses, de Joyce, entre outros autores, tem em sua figura uma fonte de inspiração.

Max Weber (Karl Emil Maximilian Weber) foi um economista, jurista e sociólogo alemão do limiar do século XX, sendo considerado, juntamente com Karl Marx e Émile Durkheim, um dos fundadores das ciências sociais e cujas obras fundamentais são: A Ética protestante e o espírito do capitalismo (1905), A política como vocação/A ciência como vocação (1919), A sociologia da religião (1921), Economia e sociedade (vol. 1 e vol. 2) (1922), Metodologia das ciências Sociais (1922) e História geral da econômica (1923). Wber iniciou sua trajetória intelectual como um marxista mas, com o tempo, acabou por assumir uma posição metodológica radicalmente contrária. Para Weber, a sociologia deve compreender a ação social, a partir da interpretação da ação individual em consonância com outros indivíduos, e, assim, explicar os nexos causais e efeitos sobre a sociedade. Por isso, a sociologia weberiana é denominada compreensiva, isto é, baseada na compreensão das ações dos indivíduos no âmbito das esferas sociais, tendo em vista a reconstituição do sentido subjetivo original da ação social através das formas de relação entre os sujeitos. O método deve estabelecer tipos ideias que devem se ajustar a realidade social, ainda que de maneira relativa. Ao nível da análise categórica, Weber formulou quatro tipos de ação sócia: 1) ação social racional com relação a fins; 2) ação social racional com relação a valores; 3) ação social afetiva; 4) ação social tradicional. Com base nessa tipologia, Weber desenvolve sua famosa teoria da dominação, na qual o poder se legitima por meio de três formas fundamentais: carismática ou afetiva; tradicional ou consuetudinária; e legal ou burocrática. Há uma certa teleologia na sociologia werberiana, na medida em que postula uma tendência à racionalização progressiva da sociedade até a modernidade. Daí a importância que ocupa a religião na obra de Weber. Para se contrapor a Marx, realizou estudos de história comparada para descobrir o que havia de originalmente peculiar na sociedade ocidental para explicar o surgimento do capitalismo. Weber identifica nas seitas do protestantismo esse diferencial: um ascetismo intramundano que permitiu ao devoto religioso, graças ao conceito de obra cristã, isto é, o cumprimento da vontade Deus, acumular capital para depois investi-lo. Max Weber também desempenhou uma importante participação política nas conferências do Tratado de Versalhes (1919) e na Constituição da República de Weimar (1919).

Ilíada e Odisseia

Sociologia em Homero

A cultura micênica na metrópole grega pressupunha, pelo menos em Tirinto e Micenas, uma realeza patrimonial baseada em trabalho forçado, de caráter oriental, ainda que de dimensões bem menores. Sem a utilização dos serviços obrigatórios dos súditos, são inimagináveis as grandes construções, sem par até a época clássica. Nas margens do círculo da cultura helênica daquela época, do lado do Oriente, parece até haver existido uma administração que usava um sistema gráfico próprio, no estilo egípcio, para fazer contas e organizar listas, tratando-se, portanto, de uma espécie de administração de armazém de caráter patrimonial-burocrático, enquanto mais tarde, ainda na época clássica, a administração de Atenas realizava-se quase completamente de forma oral, e não escrita. Da mesma maneira que aquele sistema gráfico desapareceu, esta cultura, baseada em trabalho forçado, também se extinguiu. A Ilíada menciona em seu catálogo de navios reis hereditários que dominam extensos territórios, dos quais cada um abrange várias localidades mais tarde conhecidas como cidades, originalmente todas elas concebidas como castelos, estando um soberano, como Agamêmnon, disposto a conceder algumas delas em feudo a Aquiles. Em Tróia, o rei tinha ao seu lado, como conselheiros, os anciões de casas nobres, livres do serviço militar devido à idade. Heitor é considerado o rei guerreiro, enquanto se recorre a Príamo para fechar contratos. Um documento escrito, mas talvez apenas composto de símbolos, é mencionado apenas uma única vez. De resto, todas as condições excluem completamente a existência de uma administração baseada em trabalho forçado ou de uma realeza patrimonial. Esta tem caráter gentilício-carismático. Mas também o forasteiro Enéias pode nutrir esperanças de assumir o cargo de Príamo depois de matar Aquiles, pois a realeza é considerada uma "dignidade" com caráter de cargo, e não uma propriedade. O rei é o comandante do exército e participa no tribunal junto com os nobres, é representante diante dos deuses e dos homens, dotado de terras reais, exercendo, porém, particularmente na Odisseia, um poder semelhante ao de um chefe local, baseado em influência pessoal, não em autoridade regulamentada. Também a expedição guerreira, quase sempre marítima, tem para as linhagens nobres mais o caráter de uma aventura empreendida pelo séquito do que o de uma campanha obrigatória: os companheiros de Ulisses são chamados hetaíroí, bem como mais tarde o séquito real macedônico. A longa ausência do rei não é considerada uma fonte de inconvenientes sérios: em Ítaca, já não existe mais rei nenhum. Ulisses deixou sua casa aos cuidados de Mentor, que nada tem a ver com a dignidade real. O exército é um exército cavalheresco, os duelos decidem a batalha. A infantaria perde toda importância. Em algumas partes dos poemas homéricos, aparece no mercado político das cidades: se Ismaros é chamado polis, isto poderia significar "castelo", mas em todo caso trata-se do castelo não de um indivíduo, mas dos Cícones. No escudo de Aquiles estão sentados os anciões - dos clãs de honoratíores que se destacam pela propriedade e pelos méritos militares - no mercado e pronunciam sentenças; o povo, como plateia do tribunal, acompanha com aplauso os discursos das partes. A queixa de Telêmaco torna-se objeto de uma discussão, organizada pelo arauto, entre os honoratíores aptos para o serviço militar. Os nobres, inclusive os reis, dependendo das circunstâncias, são senhores territoriais e proprietários de navios, saindo para a batalha em carros de guerra. Mas somente quem reside na polis tem participação no poder. O fato de que o rei Laertes se retirou à sua quinta significa que está aposentado. Como também entre os germanos, os filhos das linhagens de honoratíores participam como séquito (hetaíroí) nas aventuras de um herói - na Odisseia, nas do filho do rei. Entre os feacos, a nobreza atribui a si mesma o direito de fazer o povo participar nas despesas para os presentes aos hóspedes. Em nenhum lugar se diz que todos os moradores do campo eram considerados dependentes ou servos dos nobres residentes na cidade, apesar de nunca serem mencionados camponeses livres.

 

O tratamento da figura do Tersites prova, em todo caso, que também o guerreiro comum - isto é, que não sai para a campanha no carro de guerra - ousa, ocasionalmente, falar contra os senhores, só que isto é considerado atrevimento. Mas também o rei faz trabalhos domésticos, monta sua cama e cava o jardim. Seus companheiros guerreiros remam eles mesmos. Por outro lado, podem os escravos comprados esperar obter um kleros: ainda não existe, como mais tarde em Roma, a extrema diferença entre os escravos comprados e os clientes com terras concedidas. As relações são patriarcais, a economia de subsistência satisfaz todas as necessidades normais. Os navios próprios servem para a pirataria, o comércio é passivo, cujos portadores ativos são, naquela época, ainda os fenícios. Além do "mercado" e da residência urbana da nobreza, existem dois fenômenos importantes: por um lado o agón, que mais tarde dominará a vida inteira, nascido, como é natural, do conceito de honra cavaleiroso e do treinamento militar dos jovens nos campos de exercício. Externamente organizado, encontramo-lo, sobretudo, no culto fúnebre aos heróis de guerra (Patroklos). Ele domina já naquela época a condução da vida da nobreza. Por outro lado, apesar de toda deísídemonía, há a relação totalmente despreocupada com os deuses, cujo tratamento poético mais tarde Platão sente como constrangedor. Esta falta de respeito da companhia heroica somente podia nascer como consequência de migrações, particularmente as ultramarinas, em regiões onde não tinham que conviver com antigos templos e túmulos. Enquanto a cavalaria aristocrática da polis de linhagens históricas falta nos poemas homéricos, parece que mencionam, o que é muito estranho, a luta dos hoplitas, mais tarde disciplinada e organizada em fileiras: uma prova de que épocas diferentes deixavam suas marcas na poesia.

 

Até o desenvolvimento da tirania, o tempo histórico conhece, fora de Esparta e poucos outros exemplos (Cirene), a realeza gentílfcío-carisrnática somente em resíduos ou pela lembrança (isto em muitas cidades da Hélade e na Etrúria, no Lácio e em Roma), sempre como realeza sobre uma única polis, também então de caráter gentilício-carismático, com competências sacras, mas, de resto, com exceção de Esparta e da tradição romana, dotada apenas de privilégios honoríficos diante da nobreza, às vezes também chamada "reis". O exemplo de Cirene mostra que também aqui o rei devia a fonte de seu poder, seu tesouro, ao comércio intermediário, seja na forma de comércio próprio, seja na de controle e proteção remunerados. Ao que parece, o monopólio do rei quebrantou a luta cavalheiresca, com sua autonomia militar das linhagens nobres, que mantinham carros de guerra e séquitos e possuíam navios próprios, depois de haverem decaído também os grandes impérios orientais - tanto o poder egípcio quanto o hitita, com as quais mantinham relações, e ainda não haverem surgido outras grandes realezas, como o reino lídio. Isto é, depois de acabar o comércio monopólico e o Estado baseado em trabalho forçado dos reis orientais, ao qual correspondia em pequena escala a cultura micênica. Esta ruptura do fundamento econômico do poder real possibilitou, provavelmente, também a chamada migração dórica. Iniciaram-se, então, as migrações dos cavaleiros piratas em direção ao litoral da Ásia Menor, onde Homero ainda não conhece povoados helênicos e naquela época ainda não existiam fortes associações políticas e, ao mesmo tempo, começou o comércio ativo dos helenos.

 

As notícias históricas que começaram naquela época mostram-nos a típica cidade aristocrática da Antiguidade. Quase sempre era uma cidade litorânea: até a época de Alexandre e das guerras dos samnitas, não havia nenhuma polis a mais de uma jornada do mar. Fora do território da polis existia somente a convivência em aldeias (xwllcn) com uniões políticas pouco estáveis de "tribos". Uma polis dissolvida por iniciativa própria ou por inimigos tem seu oikos desfeito e os membros distribuídos em várias aldeias. Ao contrário, o processo de sinecismo era considerado o fundamento real ou fictício da cidade: trata-se da convivência, iniciada às ordens do rei ou em virtude de um acordo de várias linhagens dentro ou em volta de um castelo fortificado. Este processo também não era totalmente desconhecido na Idade Média: assim, no caso de Áquila, descrito por Gothein, ou na fundação de Alexandria. Mas sua essência apresentava-se de forma mais específica na Antiguidade do que na Idade Média. Não era absolutamente essencial a convivência efetiva permanente: como as linhagens medievais, as da Antiguidade continuavam, em parte, residindo em seus castelos rurais ou pelo menos possuíam - e isto constituía a regra - casas de campo, além de sua sede urbana. (...)

 

Fragmento extraído do Vol. 2 de WEBER, Max. “Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva”. Brasília: Editora UNB, 2009.


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