quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Empédocles - Nonas Filosóficas

Empédocles
Empédocles (490-430) era oriundo de Agrigento e pertencia a uma das mais nobres famílias da Sicília. Conta-se que recusou a coroa de sua cidade natal; a sua ambição era maior. Costumava dizer aos discípulos: “Eu sou para vós um deus Imortal, e não um mortal”. Vestido de púrpura e ouro, com o louro sacerdotal na cabeça, rodeado de admiradores e admiradoras, correu toda a Sicília. Milhares de pessoas se agitavam em júbilo à sua volta, beijavam-lhe os calcanhares e pediam que lhes predissesse o futuro, lhes curasse as doenças e os Sofrimentos de toda espécie. Afirmava igualmente ter poder sobre o tempo e o vento, e pretendia mandar sobre as brasas solares e a chuva destruidora. Em parte, tinha razão. Livrou a cidade de Selinunte de uma epidemia devastadora, secando os pântanos de suas terras; deu um clima saudável à sua terra natal, fazendo desaparecer uns rochedos, o que permitiu que soprasse um vento fresco do Norte sobre a região. Tanto como engenheiro, realizou como médico grandes empresas. “E prometeu outras ainda maiores” (Gomperz).

Não admitia uma única substância fundamental, como os jônicos, nem inumeráveis, como Anaxágoras, mas sim quatro: fogo, água, o ar e a terra (Nota). A sua posição, de que Aristóteles se apropriou de sua ideia, permaneceu intacta, graças à autoridade deste, até aos princípios da Idade-Moderna. É possível que tivesse igualmente influenciado sobre ele a consideração dos três estados da matéria (sólido, líquido e gasoso). Em todo caso, encontra-se aqui bosquejada a ideia fundamental da química moderna, de que todos os corpos se compõem pela agregação de um número limitado de matérias elementares. Teve também a justificada suspeita de que o fundamento das diferenças qualitativas nas propriedades do composto são as diferenças puramente quantitativas na união de dois ou vários corpos. Comparava, com efeito, com os seus elementos, as quatro cores fundamentais da técnica pictural do seu tempo, em cuja múltiplice combinação se produzem os inumeráveis matizes cromáticos.

Acha-se de acordo com os eleáticos e Anaxágoras em não admitir propriamente a geração e destruição das coisas, afirmando que a aparição de tais fenômenos se deve às uniões e separações. E assim como imagina que os quatro elementos são animados, e eles lhes dá nomes divinos (Zeus, Hera, etc.), assim também vê no amor aquilo que une as matérias, e no ódio o que as separa. Não fala pois de modo algum numa “força” e numa “matéria” claramente distintas, pois que não superou ainda o "hilozoismo" (a animação da matéria).

Empédocles defende também, tal como Anaximandro, Heráclito e uma parte dos pitagóricos, a doutrina do “eterno retorno”, isto é, uma sucessão regular dos períodos cósmicos, que se movem entre os dois extremos: por uma mistura completa e uma separação total dos elementos. A união indiferenciada dos elementos é “a mais espiritual das divindades”. O estado atual do mundo (em que existem espécies vivas) se caracteriza por certo equilíbrio das duas tendências que dominam o universo: o amor e o ódio. (Com isto é introduzido em filosofia - sobre a forma mítica - o conceito de força. O amor e o ódio que as forças produzem têm hoje o seu equivalente na atração e na repulsão). A formação de cada coisa particular supõe o predomínio da força que separa; a sua conservação e desenvolvimento, o predomínio da força que une. Uma certa antecipação - ingênua - da moderna teoria da evolução, pode se ver na afirmação de que, no mundo vegetal, o mais perfeito é um desenvolvimento do menos perfeito, e de que neste desenvolvimento tem importância a “sobrevivência do mais apto”. Empédocles supõe, com efeito, que no princípio foram arrancados da terra os membros separados: “cabeças sem pescoço nem tronco”, “braços sem ombros”, etc.; depois, sob a influência da “amizade”, nasceram formações monstruosas: seres bicéfalos e com dois seios, “formas humanas com pele de boi” etc., mas só as combinações interiormente concordantes se mostraram capazes de viver. A frase: “os cabelos, a folhagem e as penas das aves são uma e a mesma coisa”, faz dele um precursor de Goethe em morfologia comparada.

Também a sua teoria da percepção sensível é interessante. Distingui nesta dois fatores: as partículas que saem das coisas, e os sentidos que as recebem. E ensina, diferentemente de Anaxágoras, que a percepção repousa sobre a atração do homogêneo, portanto, sobre uma espécie de igualdade do subjetivo e do objetivo: “Conhecemos a terra pela terra, água pela água” etc. Com isto, e a afirmação de que “conforme a matéria estiver presente no homem, assim será o seu conhecimento”, reconhece o fato que, na percepção, como em todo o conhecimento, intervém a peculiaridade do sujeito.

Não se harmoniza bem com a sua hipótese de que toda a matéria é animada, a doutrina da transmigração das almas, na qual a alma aparece como coisa independente, que pode ser separar das suas diversas encarnações. Todas as almas são, segundo ele, demônios que, por via dos seus pecados, desceram da sua pátria celeste a este vale de lágrimas: ficam desterrados no corpo, como num “cárcere”; sofrem várias encarnações como homem, animal ou planta e, finalmente, após uma purificação de milhares de anos, regressão à pátria celeste. É evidente que Empédocles segue, nesse ponto, a doutrina dos órficos e dos pitagóricos.

Nota: Não fez mais do que acrescentar a terra nos elementos que os seus antecedentes reconheceram (Tales, Anaxímenes, Heráclito); além disso, estas quatro substâncias se encontram nos antigos mitos e teologias. Foi o primeiro filósofo grego a distinguir o ar do vapor, e a mostrar que um vaso cheio de ar não está vazio, visto este impedir a entrada de ar.

(August MESSER, “História da Filosofia”, Editorial Inquérito: Lisboa, 1946 - obra em domínio público).

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