Os três gêneros poéticos “naturais”, segundo os românticos, o épico, o lírico e o dramático, concernem ao período histórico das cidades-estado gregas (poleis, pl. de polis), nos períodos tardo-arcaico (século VI) e clássico, e são contextualizados, no imaginário grego, especificamente na consciência política ateniense, ao longo do século V, como elementos centrais da democracia em oposição à tirania, da civilização grega em geral como antítese do Império Persa, de Atenas como o avesso de Esparta. Os principais gêneros dramáticos gregos são a tragédia e comédia.
A tragédia foi uma invenção ateniense e está ligada à história política da cidade, em particular, o desenvolvimento de um regime democrático. A comédia provavelmente apareceu primeiro na Sicília e em Megara.
Para entender a criação da
tragédia como novo gênero, cabe ressaltar sua relação com os dois outros tipos
de performance espetáculos típicos do período arcaico e que se manifestaram em
Atenas no século V:
Performances épicas: os
heróis falam através do aedo, e menos
da metade é discurso indireto quando o aedo
mimetiza.
Poesia coral: canto, dança,
música, indumentária. Mais que a épica, um espetáculo para ser visto.
Para a melhor compreensão do
gênero trágico, recorreremos à definição de Aristóteles:
A
tragédia é a representação de uma ação, nobre e completa, com uma certa extensão,
em linguagem poetizada, cujos componentes poéticos se alternam nas partes da
peça, com o concurso de atores e não por narrativa, que pela piedade e pelo
terror opera a catarse desse gênero de emoções
(ARISTÓTELES, Poética).
Portanto, “se a tragédia tem
em comum com a epopeia O OBJETO – a ação nobre – e O MEIO – a linguagem
poetizada – elas se distinguem quanto AO MODO. Na epopeia, o poeta compõe a
representação narrando, de modo que ele próprio, na primeira ou terceira
pessoa, introduz as personagens. No teatro, o poeta faz as personagens agirem
diretamente, por isso, o que compõe se chama DRAMA (ação)” (MALHADAS, 2003, p.
25).
A tragédia surgiu no contexto
de uma festa pública chamada Grandes Dionisíacas ou Dionísias Urbanas, festival
em honra do deus Dionísio. Até 518, talvez só composta por desfile e sacrifícios.
A data então marca a construção do theatron
(estrutura de madeira temporária que acomodava os espetáculos), junto ao
Santuário de Dioniso, num dos lados da Acrópole de Atenas, e, ao mesmo tempo,
inaugura o início das competições de tragédia – dramas satíricos e coros
líricos de homens e meninos.
“O festival, que se passava
no final de fevereiro ou no começo de março, durava quatro dias. Cada dia
começava logo no amanhecer. A plateia era a maior reunião de cidadãos do
calendário. Na época em que os antigos assentos de madeira do teatro foram
substituídos pelos de pedra, entre 14 e 16 mil pessoas assistiam ao festival
regularmente. A maioria desses espectadores era de cidadãos: homens adultos com
direito a voto, chefes de família. Enquanto a assembleia, o mais importante
órgão político da democracia, tinha aproximadamente apenas seis mil pessoas em
audiência, e as cortes menos ainda, a escala da Grande Dionisíaca estava mais
próxima da dos jogos Olímpicos. A única ocasião na qual tantos cidadãos se
reuniam no mesmo lugar era em uma batalha importante. O festival era uma
verdadeira ocasião de Estado” (GOLDHILL, 2007, p. 202).
Atualmente, os vestígios do
teatro monumental de Licurgo de 330 podem ainda ser visitados.
Os festivais, como quase
tudo na mentalidade do grego antigo, caracterizavam-se pela já aludida
competição. Apesar disso, os dramas eram sempre parte de uma economia/cultura
da dádiva, sobretudo um dom, para Dioniso, oferecido por toda a cidade ou por
um indivíduo rico durante as festividades.
As Dionisíacas marcavam o início
das navegações no Mediterrâneo oriental depois de cinco meses de pausa e se
desenrolavam, na verdade, durante sete dias do mês de elaphebolion, nono do calendário Ático ou Ateniense (vigente nos séculos
V e IV a.C) e correspondente a mais ou menos o mês de março:
Dia 8 elaphebolion (~março): proagôn
(ante-competição). Os poetas montavam um palco no Odeão (Ôideion), junto com seu coro (tem a indumentária) e falavam sobre a
peça.
Dia 9 elaphebolion: eisagôgê
(introdução): ícone de madeira do deus levado do sul até a gruta no norte,
chamada academia, onde se cantavam hinos e se faziam sacrifícios. Retorno, com
tochas, ao teatro (com consumo de vinho?).
Dia 10 elaphebolion: feriado Pompê
(Desfile): principal procissão. Traz sacrifícios e entretenimento coral ao deus.
Estilo carnavalesco, espetáculo para
ser visto de dia. Multidão composta não apenas pelos coros (ao todo, vinte e
oito), que iriam se apresentar. Falos gigantes (vários metros) eram carregados
por coros (phallophoroi). Outros coros,
com indumentária exótica, amiúde travestidos, carregavam falos menores (ithyphalloi) e apresentavam cantos com
letras e movimentos obscenos. Outros se vestiam como pessoas exóticas, sátiros
ou animais estranhos. “O desfile tematizava a loucura criativa inspirada pela
presença de Dioniso e tinha como intenção provocar uma atmosfera de hilaridade
anárquica. Vinho fluía livremente para espectadores e participantes” (CSAPO
& WILSON, s. v. “Dramatic festivals”, 2014). Em estações ao longo do
percurso, os coros paravam para apresentar hinos (provavelmente a origem do
termo coral stasimon). O desfile
também levava 200 a 400 bois, atrás de um touro digno do deus, destinado ao
sacrifício no santuário de Dioniso em certa época. A maior parte dos bois vinha
das cidades que eram colônias ou aliadas, das quais se exigia que levassem em
falo e um boi para o desfile.
Neste mesmo dia, provavelmente,
a competição entre dez coros de meninos (cada um com cinquenta integrantes; um
por tribo) e, depois, de homens. Originalmente, cada canto relacionava-se ao
gênero hínico cúltico e processional chamado de ditirambo. Ao longo do século V, quando não era mais um gênero
marcadamente dionisíaco, tende a apresentar narrativas míticas variadas.
Dançavam em formação circular com acompanhamento do aulo.
Dia 11 elaphebolion: antes da Guerra do Peloponeso, possivelmente,
competição entre cinco comédias (cada uma de uma hora e meia a duas horas). O
número de comédias foi suprimido na guerra, e é possível que cada comédia fosse
apresentada uma por dia depois da tetralogia. A redução seria para se ganhar um
dia de trabalho, e não a poupança da apresentação de duas comédias.
Dias 12-14 elaphebolion: com exceção da época da
guerra, apresentação das tetralogias. No dia 12, cerimoniais cívicas diversas,
o que mostra que era o dia mais importante: desfile dos homens que ganharam prohedria (assento especial no teatro);
libações, seleção e juramento dos juízes; anúncio das honras públicas dadas
pela assembleia no espaço de um ano; desfile em apresentação das armas dadas
aos órgãos de guerra que alcançaram maioridade; apresentação do tributo trazido
pelas cidades do império. No último dia, anúncio da tetralogia e do ator
vencedor.
O processo de julgamento não é bem entendido: dez juízes, cada um colocando seu voto na urna. Talvez levasse em consideração o inclusivismo do público. Só cinco tábuas eram tiradas da urna. Caso não houvesse um vencedor inquestionável, mais duas e, depois, uma a uma. O resultado não é bom índice para popularidade dos dramaturgos. O foco era a performance do coro de cidadãos voluntários. O autor só participava da glória se ele mesmo tivesse coreografado o coro como didaskolos (mestre). Caso não o fizesse, poderia até ganhar popularidade, mas não reconhecimento oficial. Os poetas deviam receber um bom pagamento.
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